O governo acaba de aprovar o novo mapa judicial que faz uma reorganização do sistema judicial português, anulando a reestruturação que havia sido feita pelo anterior governo socialista, no âmbito de um acordo parlamentar com o PSD.
Neste novo modelo, o Oeste e as Caldas da Rainha como seu pólo central, perdem uma comarca, assim como Cadaval e Bombarral perdem o seu tribunal concelhio, passando os concelhos do Oeste que pertencem ao distrito de Leiria a estarem dependentes da Comarca de Leiria e os que pertencem ao distrito de Lisboa, dependentes da macro-comarca de Lisboa.
Gazeta das Caldas questionou o deputado Alberto Bernardes Costa, ex-ministro da Justiça do governo Sócrates, eleito pelo círculo de Lisboa mas que tem residência no concelho das Caldas da Rainha (no Nadadouro), sobre a nova geografia judicial portuguesa proposta pelo governo.
Nas respostas, enviadas por correio electrónico, Alberto Costa diz que a recuperação dos distritos, e em particular das sedes distritais, lhe parece uma “má ideia” e alerta para os prejuízos para as Caldas da Rainha em ficar na dependência de Leiria, no que isso acarreta em termos de deslocações de advogados, testemunhas, peritos, etc. à capital do distrito. De resto, o ex-ministro diz que é um “mistério” e uma “incoerência” ter-se acabado com os governos civis e consolidar agora os distritos como pilares do mapa judiciário.
Já no debate sobre o futuro da Justiça em Portugal, organizado pelo nosso jornal no ano passado, em que nele participou também o ex-ministro da Justiça, Laborinho Lúcio, ambos os oradores se declararam opositores à reforma judicial que agora foi aprovada, defendendo organização por regiões NUTS III.
GAZETA DAS CALDAS – Qual o grande prejuízo ou ameaça para os habitantes das Caldas da Rainha e da região Oeste com o facto de não ter sido adoptado o mapa judiciário aprovado em 2009 da sua responsabilidade e resultante de um acordo entre os principais partidos do arco da governação?
ALBERTO COSTA – No modelo anterior, a comarca era a do Oeste. No modelo que agora se pretende, a comarca é Leiria. Não tinha portanto de haver um cortejo de deslocações a Leiria (partes, advogados, testemunhas, peritos), com os custos e perdas de tempo inerentes e impactos negativos na vida profissional, empresarial e pessoal das pessoas que aqui vivem, como acontecerá necessariamente no projecto que o actual governo pretende implementar. Evitava-se o encarecimento e o desincentivo do recurso aos tribunais que resulta do projecto do actual governo, uma vez que este situa a sede na capital do distrito, e aí concentra competências e pessoas.
Quanto aos recursos das decisões, seguiam na reforma anterior para a Relação de Lisboa, no sentido que o movimento das pessoas em regra segue. Com o plano deste governo, seguirão para Coimbra. Claro que além de seguirem os processos, em várias situações também se deslocam pessoas, e não só profissionais…
Além disso, submeter as Caldas da Rainha a um processo de centralização de competências, algumas sem dúvida importantes, em Leiria, não constitui a melhor orientação para o seu desenvolvimento e da região de que faz parte.
No modelo anterior, as Caldas da Rainha reuniam as boas condições para ser a sede da comarca do Oeste. Agora, nem as Caldas nem nenhum dos concelhos do Oeste será sede de comarca. O saldo para as Caldas e para o Oeste é sempre negativo.
GC – Em termos práticos como funcionaria cada comarca (que estaria instalada em cada uma das 39 NUT´s de nível 3, no nosso caso o Oeste)? Com que meios e como se articulariam com os tribunais concelhios?
AC – O modelo estava a ser aplicado por fases e entraram em funcionamento pleno três novas comarcas: Baixo Vouga, Alentejo Litoral e Grande Lisboa Noroeste. Aí foram criados mais juízos especializados (Trabalho, Família, etc.) em vários concelhos. Não houve encerramento de tribunais, nem estavam previstos.
Um aspecto inovador de fundo eram as novas responsabilidades atribuídas ao presidente da comarca, e também ao administrador, em relação ao conjunto da comarca, implicando uma gestão de meios e, em certos termos, mesmo gestão processual, em relação ao conjunto da comarca/NUTs3. Ganhava-se escala na gestão e obviamente na especialização. Tudo isto era orientado para poderem ser alcançados objectivos mensuráveis previamente definidos e ser feita a avaliação regular da actividade, com a participação dum conselho de comarca que também foi criado.
GC – A que se deve esse recuo, passando a organização a basear-se nos distritos, no momento em que são extintos os próprios governos civis e em que a maioria do aparelho de Estado se passa a organizar pelas NUTS?
AC – Grande mistério! É, em qualquer caso, uma incoerência só possível em quem não faz uma leitura integrada do território, não tem em conta a vida concreta das pessoas e não conhece a lógica que tem sido seguido nas últimas décadas na implantação dos serviços periféricos da administração e no associativismo municipal, para não falar nos apoios comunitários.
Na prática, foi um pretexto para adiar a implementação das restantes comarcas previstas na lei e, sobretudo, para não cumprir o Memorando de 2011, que vinculava os três partidos (PS, PSD, CDS) e que previa o estabelecimento da 39 comarcas até ao fim de 2012. É o que se lê, preto no branco, no documento então assinado.
Com esta “diversão” distrital ainda só existem as três novas comarcas que entraram em funcionamento em Abril de 2009. Cinco anos estão assim passados, sem mais nada de novo no terreno em matéria de reforma do mapa judiciário!
Em suma, a “recuperação” dos distritos, e em particular das sedes distritais, parece-me uma má ideia para tentar justificar o incumprimento dos prazos.
“Não creio que o tribunal do Bombarral feche as suas portas em 1 de Setembro”
GC – Terá sido esta proposta única e exclusivamente destinada a desfazer o trabalho anterior, que havia sido consensualizado com o PSD, estando inscrita mesmo no Memorando da Troika, e para justificar o encerramento de alguns tribunais concelhios?
AC – É legítimo tirar essa conclusão. O critério das NUTs3 para a reforma do mapa judiciário tinha sido acordado, num documento que, pelo lado do PSD, foi assinado pelo actual ministro da Presidência, Luís Marques Guedes.
Há poucos anos, o PSD rompia acordos alegando que havia uma agenda com encerramento de tribunais e movimentava autarcas contra encerramentos inventados. Agora pretende mostrar “músculo reformista” à troika, anunciando encerramentos… que pretende mesmo realizar.
Para ser franco, tal como na origem do caso estão desculpas para um incumprimento, é também mais um adiamento que espero em breve. Por isso, além de discordar do tipo de solução, não creio que o tribunal do Bombarral feche as suas portas em 1 de Setembro.
GC – Em sua opinião, quais vão ser os obstáculos e dificuldades à optimização da nova estrutura geográfica da Justiça de base distrital?
AC – O distrito tem uma dimensão territorial excessiva para uma circunscrição judiciária de base (primeira instância). Com a colocação das sedes das comarcas nas antigas capitais distritais, introduz-se, em muitos casos, como aqui, um afastamento que é negativo. Ergue-se mesmo uma nova barreira que está longe de ser apenas simbólica. A geografia judiciária, com prejuízo para as pessoas, descoordenar-se-á mais das outras redes e implantações públicas, tornando mais difícil e mais complexa a vida das pessoas. Em definitivo: o distrito não é, no presente, uma unidade territorial apropriada para critério de organização do mapa, como o mostrou muito bem um parecer que a Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra fez chegar a este propósito à Assembleia da República.
GC – Caso o PS volte ao governo será de encarar o regresso à estrutura inicial do mapa judiciário para colmatar os problemas entretanto criados?
AC – Por enquanto, existem apenas no terreno as três comarcas-piloto criadas em 2009 no modelo das NUTs3. O resto é ainda só…”Diário da República” e calendários que duvido sejam cumpridos.
Em todo o caso, António José Seguro, em nome do PS, já disse que não se renderia a encerramentos de tribunais que viessem a ser decretados. E isto, aqui perto, é válido desde já para o Bombarral. Creio que a mesma atitude se aplica, por inteiro, à escolha do distrito e a outras opções erróneas do plano de operações que o governo quer em prática.
C.C.










