Ana Pisco: “No ACES Oeste Norte precisávamos de mais 12 médicos”

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2016-05-06 Primeira.inddAna Pisco, directora do ACES Oeste Norte (que gere os antigos centros de saúde das Caldas da Rainha, Alcobaça, Bombarral, Nazaré, Óbidos e Peniche) falou à Gazeta das Caldas da saúde na região, salientando uma nova dinâmica com o Centro Hospitalar do Oeste, patente nas reuniões que têm tido e no traçar de metas em comum. A falta de pessoal nas unidades de saúde do agrupamento, a recentemente implementada receita desmaterializada e as várias USF pensadas para a região (incluindo a de Santo Onofre) foram alguns dos temas abordados.

 

Isaque Vicente
Natacha Narciso
GAZETA DAS CALDAS – É desde 2013 presidente do Conselho Clínico do ACES Oeste Norte e desde 2014 directora executiva do agrupamento. Que balanço faz destes dois anos? ANA PISCO – O primeiro ano foi complicado pois tive de acumular as funções de gestão com as de presidente do Conselho Clínico. Mas sem dúvida que é um balanço positivo. Desde 2013 conseguimos duas assistentes sociais, que não tínhamos nenhuma. Tínhamos uma fisioterapeuta, conseguimos mais uma e dois psicólogos. É claro que tudo isto só pode ser feito porque muito trabalho já havia sido feito pelos anteriores directores.
GC – Antes de ter ingressado na direcção do ACES, ganhou experiência com a coordenação da USF de Tornada. Como foi essa experiência? AP – Coordenei a USF de Tornada que foi das primeiras do país. Foi criada em 2006 e dois anos depois passámos a unidade modelo B, isto é, começamos com quatro médicos, quatro enfermeiros e três assistentes técnicos e nessa altura alargámos para seis médicos, seis enfermeiros e cinco assistentes técnicos. Em 2011 propusemo-nos para acreditação para a Direcção Geral de Saúde e, em 2012 éramos a única unidade acreditada do ACES Oeste Norte. Nesse ano passámos a ter oito médicos, sete enfermeiros e seis assistente técnicos e ainda alargámos para o pólo de Salir de Matos.
GC: Como é actualmente o relacionamento com o CHO? AP – O ACES e o CHO atravessaram períodos difíceis, mas agora estamos numa fase de reinício. Há uma nova dinâmica em termos de contratualização e agora é mais fácil atingir objectivos comuns, sempre em nome da melhoria dos serviços aos utentes. Temos tido reuniões regulares e temos metas em comum, cada um na sua área, respeitando o espaço de cada qual. Mas com a anterior direcção do CHO já funcionámos bem em conjunto quando foi estabelecido o Plano de Contingência da Gripe. De futuro as pessoas vão ter de se habituar a vir mais ao centro da saúde e deixar de ter uma visão tão “hospitalocêntrica”. A própria legislação vai beneficiar os utentes que chegam ao hospital encaminhados pelo Centro de Saúde pois não terão que pagar taxa moderadora. É nesse sentido que as coisas vão evoluir.
“NECESSITÁVAMOS DE MAIS DOZE MÉDICOS”
GC – Em Novembro passado dizia que havia falta de recursos humanos em todas as áreas. Esta é uma situação que ainda se verifica? AP Neste momento a necessidade de médicos para colmatar as nossas falhas (não contando com as possíveis reformas que entretanto possam haver) era de mais 12 médicos. Mas isto não quer dizer que as pessoas não tenham cuidados. São criadas estratégias e são dadas hipóteses, por parte da ARS, para que as pessoas, mesmo sem médico de família, tenham prestação de cuidados e a organização do ACES é feita para que haja essa prestação de cuidados. Como é óbvio, gostávamos que todos os utentes tivessem médico de família, mas não estamos a descurar os que não têm.
GC – E nas outras áreas? AP – Em termos de enfermagem a situação está mais ou menos equilibrada. Estamos muito carentes em termos de assistentes operacionais (auxiliares) e técnicos. Em termos de técnicos superiores e técnicos superiores de saúde, o mapa é de 18 vagas e temos 12 por preencher. Em termos de assistentes técnicos precisávamos de mais 39 e de assistentes operacionais mais 25. Em épocas de férias é complicado pois temos de fazer uma ginástica muito grande para manter as unidades abertas. O mapa do ACES foi criado em 2009 e à data o regime de trabalho era de 35 horas semanais. Atualmente o regime é de 40 horas semanais, embora o acréscimo de uma hora por dia não se reflicta muito em termos de aumento de prestadores (por cada oito profissionais com mais uma hora, reduziríamos um profissional) pois estamos dispersos por 55 locais de prestação.
GC- Houve entradas de pessoal? AP Tem havido entradas de pessoas, mas sendo o grupo etário, de uma forma geral (tirando o sector da enfermagem) de uma faixa mais velha, tem havido muitas saídas, quer de assistentes técnicos, como também de alguns médicos. Ainda assim, desde 2009 não fechámos nenhuma extensão de saúde, nem as mais pequenas. Temos conseguido manter, com o apoio muitas das vezes das Juntas e das Câmaras, as unidades mais pequenas, algumas delas com populações mais idosas e carenciadas. Isso é um ponto chave para nós: manter os cuidados perto das pessoas. Por vezes é difícil, porque podemos até ter o médico, podemos até ter o enfermeiro, mas não temos o secretário ou o assistente técnico para abrir a porta e manter-se lá todo o tempo que a unidade deveria estar aberta porque temos de o deslocar de outra unidade. Não tem havido concursos para novos. O que há é a mudança dos que já estão, ou a mobilidade interinstitucional.
O RECEITUÁRIO DESMATERIALIZADO
GC – A receita desmaterializada entrou em funcionamento no início de Abril. Tem corrido bem? AP – Tem havido alguns constrangimentos, nomeadamente no que diz respeito aos sistemas de informação. Neste momento está implementada em cerca de 50% do ACES. Faltam-nos os locais mais isolados, principalmente a norte.
A receita desmaterializada implica a utilização do cartão da Ordem dos Médicos e tem havido alguma dificuldade em emitir todas as cédulas, pelo que alguns profissionais onde a receita desmaterializada já foi implementada, não têm os respectivos códigos, mas é uma situação pontual e transitória. Penso que no prazo de um mês estará tudo resolvido.
GC – É uma grande mais-valia para o utente? AP – Isto é uma mais valia para todos. O utente pode passar a ter a sua receita no seu telemóvel. Ainda não há uma forma de pagamento tipo Paypal ou por Multibanco, mas está a ser pensada. Outra das grandes vantagens é que se pode ir a qualquer farmácia do país para aviar a receita. Para o médico é mais fácil e permite reduzir os gastos de tempo, papel e toner.
GC- Nas Caldas os utentes já podem usufruir deste serviço? AP Já! Recebemos diariamente o relatório das receitas desmaterializadas e das receitas em papel e já temos muitos médicos que estão a 100% em receitas sem papel. Aliás, a maioria dos médicos está a passar todo o receituário desmaterializado.
GC- Como tem evoluído a marcação on-line das consultas? AP – Teve um aumento muito grande desde 2010, ano em que foram marcadas dessa forma 2554 consultas. Em 2015, pelo eAgenda (excluindo marcação por e-mail), foram 12.252 consultas marcadas. Tem sido uma subida constante. As Juntas de Freguesia também apoiaram os utentes prestando um bom serviço aos seus fregueses.
GC- E que benefícios traz o novo espaço para a USF da Benedita, esperado desde 2008? AP – Prevemos que dentro de pouco tempo seja colocada a primeira pedra. A USF será construída ao abrigo dos fundos comunitários do quadro 2020. Penso que poderá ser uma realidade no próximo ano. Traz muitos benefícios. A unidade da Benedita tem tido um desempenho excepcional, destaca-se sempre entre as primeiras unidades do ACES e da ARS, mesmo com condições muito deficientes. Por exemplo, ainda há uma semana tivemos um problema gravíssimo, que ocorre sempre por esta altura do ano. Como é uma unidade muito degradada e com muitas madeiras, aparecem térmitas. Temos de recorrer a desinfestações que são complicadas porque têm de ser fei
tas muito rapidamente e tentamos sempre fechar a unidade o mínimo tempo possível. Para além disso, é uma unidade com um espaço muito reduzido para os utentes. De tal maneira que durante uns tempos nem recebia médicos internos. É uma unidade que, para além de merecer, necessita. Conta com cinco médicos que servem 9391 utentes.
GC – E relativamente à unidade de Valado dos Frades? AP – Esse novo edifício irá alocar duas unidades que já existem na Nazaré. Será construído pela ARS, numa colaboração com a Câmara. Não tendo tão más condições como a Benedita – porque é maior -, é um pré-fabricado, uma construção que está degradada. Necessita de mais espaço e condições e também contamos que esteja executada para o ano.
“ESPERAMOS QUE BREVEMENTE HAJA O ESPAÇO PARA A USF DE SANTO ONOFRE”
GC- Para quando a USF de Santo Onofre? AP Esperamos que brevemente haja o espaço para essa unidade. É uma situação que vai ter que ser a curto ou médio prazo abordada entre a ARS e a Câmara. Os espaços das três unidades que coabitam aqui são muito reduzidos. Vai avançar-se com a da Benedita, Peniche e Nazaré e depois talvez as Caldas. Quando houver maior capacidade financeira. Já existiu um terreno alocado para isso. A Câmara está disponível para ceder um espaço para uma unidade de saúde e a Unidade de Apoio à Gestão. Depois este espaço terá de ser redimensionado para as duas unidades que ficam.
GC- E relativamente à situação de Peniche? AP Foi apresentada uma candidatura para uma USF em Peniche, que esperamos que seja uma realidade ainda este ano. Provavelmente também levará a algumas obras de adaptação, apesar de termos feito obras no último ano.
GC – Em 2015 contou-nos que as vagas a concurso nesta unidade não eram preenchidas. A situação alterou-se entretanto? AP – Entraram dois novos médicos nesta unidade e vai haver concurso em Maio com o qual esperamos ter mais médicos especialistas em MGF (Medicina Geral e Familiar).
Atualmente, com a gestão dos horários dos médicos que temos e com a colaboração de médicos de empresa contratados pela ARSLVT, temos conseguido responder às necessidades dos utentes. O local com mais utentes sem médico de família é Peniche, mas com os médicos contratados pela empresa, temos conseguido ter vagas para consulta, sendo que alguns dias não são todas preenchidas.
GC – Actualmente existem utentes sem médico de família no ACES Oeste Norte? AP – Sim. Além de Peniche, temos Bombarral e Turquel. Tem sido um médico da empresa que está a colmatar as necessidades em Turquel, juntamente com o médico que já lá está colocado há vários anos. Vamos começar a ter necessidades no Bombarral devido à saída de um médico, recentemente, e à previsão de saída, a curto prazo, de outra médica. No final de 2017, se nada for feito, será uma unidade com graves problemas com falta de médicos, mas estamos atentos.
“NAS CALDAS TODOS OS UTENTES TÊM MÉDICO DE FAMÍLIA”
GC – Nas Caldas quantos utentes existem? E destes, quantos não têm médico de família? AP – São 59.809 utentes e todos têm médico de família. O ficheiro que existia sem médicos de família, foi assegurado por uma médica. Na Nazaré e no Pinhal do Rei também não se registam utentes sem médico de família.
GC – O ACES serve quantos utentes? E quantos não têm médico de família? AP – Servimos 178.520 utentes e em todo o ACES temos cerca de 21 mil sem médico de família, distribuídos por Peniche, Turquel e Bombarral. Em Óbidos são apenas 300 pessoas. Apesar disso, somos o agrupamento da ARSLVT com menos utentes sem médico de família. Há deles em que a percentagem se cifra nos 60%.
GC – As vagas das consultas têm sido preenchidas? AP – Num levantamento de várias semanas, na zona das Caldas, não têm sido ocupadas todas as vagas do eAgenda, nem do balcão. Todos os dias tem havido vagas sobrantes. Tal como em Peniche. Não digo que não haja pessoas a vir de madrugada, mas fazendo as contas: se temos aqui três unidades, estamos a falar de cerca de 12 médicos a entrar às 8h00. Se para cada um estiverem três utentes, já é uma multidão à porta e, no entanto, todos vão ter consultas e não vão encher as vagas, que no mínimo são de quatro por médico. Acredito que não exista muita gente à porta de madrugada e que a que estiver vai ser atendida, porque há capacidade de resposta, que é o mais  importante.
GC – Há uns meses referiu que havia filas de madrugada devido ao receio de alguns utentes em não terem consulta. Considera que os utentes agora estão mais “descansados”? AP – Havia alguns utentes sem médico de família e as pessoas estavam com medo de fi car sem uma resposta. A organização não estava a conseguir ir de encontro às necessidades do utente. Havia muito o hábito de o utente vir de manhã cedo marcar vez. Penso que as pessoas já se aperceberam que não têm que ter esse medo. Quando precisarem e for urgente vão ter uma resposta. GC – Quais os benefícios da criação da fi gura de enfermeiro de família? AP – À semelhança do que aconteceu com os médicos, o grupo de enfermagem tem alargado as suas competências e tem uma especialização na área da família. O que se pretende é que quando um utente vai uma unidade e, sendo que o médico não pode estar disponível 24 horas por dia, tenha alguém que conhece a sua história e o pode ajudar. No fundo, e como costumo dizer, alguém que o trate pelo nome. Por outro lado, muitas das vezes o utente consegue confidenciar coisas ao enfermeiro que não consegue ao médico. E ainda, quando não há médico de família, é uma boa forma de prestar os cuidados. Pode sinalizar as necessidades preventivas, orientar as pessoas e esclarecê-las. Quase todas as USF trabalham com esta fi gura e nas UCSP também estamos a tentar implementar, conforme os recursos que temos porque é uma mais-valia. GC – Estamos em Maio, Mês do Coração, que actividades pensam promover? AP – Este é o mês das Caldas da Rainha, o mês dos afectos e, portanto, fi zemos um programa alargado a todos os concelhos do ACES que foram desafiados a desenvolver actividades saudáveis como caminhadas, BTT, natação, palestras, workshops, entre outras. Nas Caldas vamos ter o concurso da Marmita Saudável. Queremos sensibilizar as pessoas para a prática de estilos de vida saudável.
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