Voluntários proporcionaram um dia de folga ao Quim

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Associação MVC tem colaborado com Joaquim Sá

Três décadas depois, Joaquim Sá, da associação De Volta a Casa, teve a primeira folga na sexta-feira, tendo o trabalho solidário que faz diariamente sido assegurado por um grupo de voluntários

Nas Caldas da Rainha Joaquim Sá quase dispensa apresentações. Poucos não o conhecem. É um rosto familiar. Além de trabalhar numa escola secundária caldense há décadas, é frequente a quem ande na cidade cruzar-se com esta figura, sempre apressada, de um lado para o outro, a fazer quilómetros diários, mais ou menos carregado com sacos de comida. É que, nas horas de almoço do seu trabalho, Quim dedica-se a recolher comida e fazer as refeições para pessoas com toxicodependências e pessoas em situação de sem-abrigo, numa missão que se iniciou quando era um jovem adulto, na década de 80 e o problema da heroína se espalhava por uma sociedade pouco informada e sem apoio. Primeiro, perdendo a timidez, aproximou-se de um grupo de marginalizados que se encontrava na Praça da Fruta, no Parque D. Carlos I e na Rua de Camões, escrevendo missivas escritas de forma poética e com uma mensagem de esperança e apelo à mudança.
Hoje, o apoio do Quim vai muito além da distribuição de duas refeições diárias. Quim é um porto de abrigo, uma luz de esperança, é quem dá a mão e não vira a cara, quem não fecha portas e não discrimina, Quim é quem ajuda e a associação é também uma morada para receber correspondência, para lavar a roupa, é um local para tratar da higiene (como tomar banho e cortar o cabelo ou a barba), para recolher cabazes alimentares, entre tantas outras ajudas que disponibiliza, caso a caso. Quim é, também, um gerador de solidariedade, criando uma onda em torno da sua nobre ação. Mas nem tudo são rosas e ao longo dos anos tem lutado contra várias adversidades e procurado caminhos para cumprir aquela que considera a sua missão.
Há também um papel importante que não pode ser ignorado, que é o trabalho junto dos utentes que sofrem de doenças mentais e que acompanha.

Voluntários, portugueses e estrangeiros, contribuem para esta causa

Uma forma de agradecer
Nestas décadas, Joaquim Sá nunca teve uma folga, um fim-de-semana ou um feriado. A Associação MVC, que há vários anos colabora com a associação De Volta a Casa, notou isso e pensou neste projeto de proporcionar “A folga do Quim” todos os meses. Numa primeira fase dão-lhe tempo para usufruir e, posteriormente, querem encontrar formas de lhe proporcionar momentos de lazer. “Já tínhamos intenção de ter realizado no ano passado e é uma forma de agradecer ao Quim a pessoa que ele é e o que ele faz na nossa cidade”, explicou Teresa Serrenho, da associação MVC. A primeira folga foi na sexta-feira passada e foi a associação a garantir o almoço a cerca de 50 pessoas. Na segunda-feira, por um imprevisto, foram novamente os voluntários a confeccionar e servir o almoço.
Por volta do meio-dia de segunda-feira, na garagem que Joaquim Sá alugou e adaptou para a associação realizar o seu trabalho, perto da estação ferroviária, encontramos sete voluntários a trabalhar. A maioria são estrangeiros que aderiram à ideia. Um voluntário coloca a água da massa a aquecer, outra corta alhos, uma abre latas de atum, outra prepara as saladas. Um prepara o sumo e outra vai assegurando a limpeza, enquanto o sétimo voluntário lava a louça. O objetivo é que tenham tudo pronto à hora em que começam a chegar os utentes. A receita hoje é massa com atum, na sexta-feira foi frango guisado com batata cozida, e há uma nota importante: é que as receitas são as do próprio Quim, que explicou como as confecciona, para que fiquem o mais próximo possível do que é um dia normal. No fundo, a grande preocupação de Joaquim Sá é que, para os utentes, o seu dia de folga não seja algo estranho.
Na sexta-feira trabalharam 16 voluntários, na segunda-feira cerca de uma dezena. “Como temos bastantes interessados, vamos passar a ter um dia da limpeza também, porque nem sempre há tempo para uma limpeza a fundo, e no dia a seguir vimos cozinhar e servir a refeição”, explicou Teresa Serrenho, acrescentando que também têm planos para realizar workshops de cozinha.
A maior parte dos voluntários são estrangeiros, reformados, que residem na região. Tendo em conta a comunidade estrangeira que reside na região e que gosta de ajudar, desafiaram-nos a auxiliar neste projeto. Os voluntários portugueses são “guardados” para servir as refeições, pela facilidade na comunicação. Cada voluntário dá cerca de três horas do seu tempo para esta causa. “Somos muitos e saímos daqui cansados, ele fazer isto sozinho é fantástico”, realça. A primeira refeição deste projeto foi assegurada pelos próprios voluntários e custou cerca de 170 euros, mas o objetivo é que todos possam contribuir para esta causa. Além de ajudar na confecção e limpeza, os interessados podem consultar a receita daquele dia na Internet, com as quantidades necessárias e doar esses alimentos, ou fazer um donativo através do IBAN PT50004551304026110472418, ou até mesmo levar uma sobremesa ou fruta até lá. “Vamos procurar apoio nas empresas locais”, nota.
O primeiro dia foi uma agradável surpresa. Os utentes até elogiaram o facto de começarem a servir mais cedo” (uma vez que o Quim está, obviamente, dependente dos horários do seu trabalho). Uma história curiosa foi que uma das utentes iria celebrar no dia seguinte o aniversário da sua filha e recebeu o bolo de aniversário.

Um dia de folga por mês é a proposta
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Primeira folga em três décadas
Mas falemos do que interessa: a folga propriamente dita. “Proporcionaram-me um dia com mais descanso e que para estes foi uma experiência muito positiva e gratificante”, contou, elogiando a organização dos voluntários. Apesar de ter tido folga da sua missão ao almoço, “este dia a nível laboral foi de muito trabalho devido a estarem a decorrer as avaliações finais de ano letivo.
“Eu pude, com mais tempo, sem estar condicionado aos timings na minha hora de almoço, fazer uma refeição tranquilamente. Fui a um restaurante vegetariano, que já não o fazia há muito tempo. Com música ambiente, espaço acolhedor e relaxante. A proprietária deste restaurante perguntou-me se eu não era o Joaquim Sá. Confirmando, esta disse-me que agradecia tudo o que fazia pelos mais necessitados e que a refeição era oferecida”, contou. ■

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