Vídeo-consultas no Oeste tentam combater falta de médicos

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Consultas decorrem em gabinetes preparados para o efeito

A falta de médicos na região é uma realidade a que ninguém fica alheio. A ULSO tem atualmente 10 gabinetes de vídeo-consultas a trabalhar em simultâneo para fazer face a esta problemática

A falta de médicos na região Oeste é uma realidade incontornável. Por exemplo, num conjunto de mais de 240 mil pessoas, encontramos mais de 109 mil sem médico de família. O que significa que cerca de 45% do total dos inscritos nos centros de saúde desta região não tem um médico de família.
Os dados mais recentes da ULSO espelham esta dura realidade.
O caso do Bombarral é o mais preocupante na região, tendo em conta que os 12313 utentes estão todos sem médico de família.
Nas Caldas encontramos 16537 dos 63188 utentes sem médico. São mais de 26%.
Em Óbidos, apesar de o número ser menor, a percentagem é maior. São 6637 dos 8185 utentes que não têm médico designado. Uns impressionantes 81%.
No Cadaval a percentagem é de 72% (são 9134 utentes), no Sobral de Monte Agraço fixa-se nos 65% (6681 pessoas) e em Peniche acima dos 57% (12128 utentes).
Abaixo dos 50% encontramos Torres Vedras, que, ainda assim, preocupa pelo número de pessoas em termos brutos. São 36656 dos 85540 utentes sem médico de família, o mesmo que dizer 42%.
A Lourinhã tem “apenas” 33% (são 9236 dos 27686) e é o “melhor” neste ranking. Ou seja, em termos de médicos de família na região da Unidade Local de Saúde do Oeste, o melhor município tem um terço da sua população a descoberto.
É, portanto, do senso comum que os cuidados de saúde no Oeste vivem dias complicados. A população sabe-o, as autarquias sabem-no, as próprias instituições e profissionais de saúde sabem-no (e sentem). Nos últimos anos a região tem vindo a ficar conhecida como uma das piores do país.
Este ano, durante o mês de agosto, iniciaram-se na Unidade Local de Saúde do Oeste (ULSO) os testes para a implementação das vídeo-consultas.
Desde agosto já foram realizadas cerca de 1500 vídeo-consultas na ULS do Oeste, das quais, pelo menos 200 em Caldas da Rainha.
Bombarral e Serra d’el Rei (Peniche) foram os locais onde, pelas carências, foi mais urgente iniciar. As saídas dos únicos médicos de família que ali prestavam serviços deixaram os habitantes daqueles locais “completamente desprotegidos”, admite Rodrigo Marques, responsável pelos cuidados de saúde primários da ULSO, em entrevista à Gazeta das Caldas.
“Não tínhamos resposta nenhuma e tínhamos os recursos administrativos”, faz notar.
Começaram com uma médica para perceber a reação dos utentes.
É que esta trata-se de uma solução de recurso, que tira partido da evolução das tecnologias e que procura combater a reconhecida dificuldade de atração da região para os médicos, possibilitando que trabalhem para o Oeste sem que isso implique mudar a sua vida para esta região. Há casos de médicos em vários pontos do país, com particular incidência no Norte, e outros até no estrangeiro.
A alguns a solução parecerá estranha, a outros lógica. E se, por um lado, se procura aproximar ao máximo a experiência de uma consulta presencial, há diferenças que são óbvias. Vamos por partes.
Para o utente a consulta envolve, na mesma, a deslocação à unidade de cuidados de saúde e terá uma interação com um médico para resolver o seu problema. Ou seja, em última análise, pretende-se que veja os seus problemas resolvidos e se vá embora para casa satisfeito.
Quando chega ao Centro de Saúde, o utente é encaminhado para um gabinete, que poderá ser um gabinete médico vazio ou apenas um gabinete de vídeo-consulta com uma mesa e cadeiras, um computador com câmara e colunas.
Quando o utente se senta, em frente ao computador, o médico, no ecrã, recebe-o, como no consultório, mas de uma forma virtual.
A vídeo-consulta também é, obrigatoriamente, apenas entre médico e paciente ou, nos casos em que o paciente assim o deseje, com acompanhante.
As receitas impressas pelos médicos vão sair no gabinete do utente, que no final tem apenas que pegar nas folhas antes de se ir embora.
Claro que o sistema está montado de forma a que a equipa de enfermagem e administrativa possam ser chamadas a qualquer altura, tanto pelo utente como pelo médico, para dar algum tipo de apoio.
E, em casos em que a tele-consulta não seja solução para o problema do paciente, em que seja necessária uma avaliação física, o médico encaminha de imediato para os serviços presenciais.

Para os profissionais também há diferenças.
Para o médico, o método é mais cómodo, no sentido em que permite realizar as consultas estando em qualquer parte do mundo, mas para as equipas de enfermagem e administrativa este processo é mais exigente. “Dá mais trabalho”, admite Rodrigo Marques.
Nos primeiros tempos as reações dos utentes têm sido interessantes, até porque alguns, em particular os mais velhos, nunca se tinham visto perante uma câmara a falar com alguém. “As pessoas precisam é de uma consulta”, salienta Rodrigo Marques, reforçando que “muito do que fazemos atualmente não exige um exame físico, porque são situações de acompanhamento regular, doença crónica ou preventivas, em que não há necessariamente a necessidade de um exame físico e o médico consegue, à distância ser muito resolutivo, sempre apoiado pela equipa de enfermagem, que consegue registar biometrias, sinais vitais, etc.”.

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Ceticismo inicial
Rodrigo Marques, que é médico, admite que era inicialmente “muito cético” quanto a esta ideia.
No entanto, agora tem a opinião de que esta solução “é muito resolutiva”. Logo “nos primeiros testes percebi claramente que ia funcioanar”, afirma, notando que estão “a colocar médicos especialistas em medicina geral e familiar ao serviço dos utentes”, nota. “É um salto qualitativo em relação às dificuldades que tínhamos em conseguir ter recursos, por outro lado, tínhamos a preocupação de garantir que não estamos só a responder à iniciativa do utente, que é a pessoa vir pedir consulta, e que estamos a disponibilizar consultas, proactivamente, por iniciativa dos serviços”, define. “É esta a nossa missão enquanto equipa de família”, frisa.
Com as vídeo-consultas é quase “como se o médico estivesse cá, é isso que se pretende”, complementa, dizendo que “a interação é muito fácil”.
Para tal, realça, contribui também a experiência dos médicos em medicina geral e familiar e no serviço de vídeo-consultas noutros contextos.

Dez gabinetes na região
No Bombarral, os problemas sentidos e a rápida resolução dos mesmos por via desta solução levou a que tivessem quatro gabinetes em simultâneo.
Nas Caldas esta é uma solução que já está a funcionar, tanto na cidade, como em Santa Catarina, Foz do Arelho e Alvorninha, três zonas do concelho das Caldas que “tinham carências grandes”, admite Rodrigo Marques.
No território da ULSO existem atualmente 10 gabinetes em funcionamento em simultâneo.
Apesar de elogiar a solução, Rodrigo Marques frisa que “para a saúde infantil e materna não funciona”. Mas “para adultos, para doenças crónicas funcionam muito bem, sempre em equipa com a enfermagem”.
Para meados deste mês está previsto iniciarem as vídeo-consultas para doença aguda nas Caldas.
Também no sentido de serem “mais resolutivos e reduzir assimetrias” decidiram criar na ULSO uma Central de Receitas e uma Central de Assuntos Não Presenciais.
A renovação de baixas crónicas, os pedidos de relatórios ou exames, entre outros assuntos são, assim, “retirados” do circuito, ocupando menos tempo (em particular, nos períodos de maior trabalho) e libertando as equipas para outras funções. ■

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