Utentes do Centro de Saúde esperam por consulta durante a madrugada

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IMG_4636 copyAs filas à porta do Centro de Saúde durante a madrugada foram reduzidas, mas ainda há quem vá marcar lugar para uma consulta por volta das 5h00 da manhã, três horas antes das instalações abrirem ao público. O objectivo é conseguir marcar uma consulta para o próprio dia, mas Ana Pisco, directora do ACES Oeste Norte, afirma que tal não se justifica, uma vez que, em caso de doença aguda, mesmo sem vaga, ninguém fica sem ser visto.

São seis horas da madrugada de segunda-feira quando chegamos ao Centro de Saúde. É noite cerrada, o frio é muito e o nevoeiro é denso. À porta três pessoas já guardam o seu lugar. São três senhores e vão falando sobre política, a vida e, claro está, esta situação que as faz levantar da cama tão cedo.
Entretanto chega uma senhora e logo a seguir outra. Quem chega pergunta: “quem está para o Dr. Filipe?” ou “quem está para o Dra. Paula?” Se não estiver ninguém para um determinado médico, o próprio utente atribui a si mesmo  o número 1 ou o número seguinte ao daquele que estiver à sua frente.
O tempo passa lentamente. Está um frio de rachar e há quem se queixe que tem os pés gelados. São perto de sete horas, o sol desponta. E aparece mais uma senhora. E outra, logo a seguir. Uma brinca com as obras de mudança de chão do hall de entrada: “estão a mudar porque o chão velho não combinava com os sofás”, diz, ironizando com a situação de todos os que, como ela, esperam por uma consulta no exterior do edifício.
“Se quiser marcar uma consulta tenho de marcar com antecedência porque só consigo para daqui a um mês e meio a dois meses”, diz uma das senhoras. “E se vier às oito e meia, como dizem para fazermos, já estou a faltar ao trabalho, sem sequer saber se tenho consulta”, completa.
“Já foi pior, cheguei a vir às cinco e meia e já não ter lugar”, diz outra, recordando-se de que “quando estavam aqui os bancos as pessoas vinham às duas da madrugada para ter consulta. Havia até quem pagasse a idosos, por estarem desocupados, para marcarem o lugar”.
São oito horas, estão 14 pessoas à porta do Centro de Saúde quando este abre as suas portas.

“Quem tiver dinheiro tem saúde”

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Já depois de ter a consulta marcada, Antonino Paço, um dos utentes, diz à Gazeta das Caldas que chegou ao Centro de Saúde pouco depois das 4h30 da manhã. “Estou aqui há quase três horas e meia para conseguir uma consulta”, queixa-se. O caldense referiu ainda que “se não viesse tão cedo não conseguia consulta hoje e tinha de vir noutro dia”. A alternativa, refere, seria marcar uma consulta no Montepio e pagar 35 euros. “Quem tiver dinheiro tem saúde”, afirmou.
Já Rosa Ribeiro, outra utente, explicou que o seu marido “saiu de casa às cinco da manhã para marcar o lugar”. A caldense até costuma marcar as consultas com antecedência, mas desta vez tropeçou e caiu, pelo que se viu obrigada a deslocar-se ao médico.
Mas não é a primeira vez que vem tão cedo. “Vimos muitas vezes a esta hora para apanhar consulta”, disse Rosa Ribeiro. “No Verão aguenta-se. Mas no Inverno é pior, com o frio e a chuva e essas coisas”. E prossegue: “é sempre chato vir para aqui de madrugada, mas senão viermos não apanhamos consulta”.
A utente reconhece que “eles não querem que a gente venha a esta hora e dizem para virmos só às oito, mas não somos todos da mesma casa e, senão vimos cedo, quando cá chegamos já não há consulta”.

“Não se justifica ir de madrugada para a porta do Centro de Saúde”

Gazeta das Caldas falou com a directora do ACES Oeste Norte, Ana Pisco, que explicou que as 32 vagas para consultas de situações de doença aguda – quatro por cada um dos oito médicos – são suficientes e que não se justifica ir de madrugada para a porta do centro de saúde.
A directora do ACES acredita que “o processo de marcação de consultas tem funcionado”, mas que há uma “falta de percepção de como é que as coisas funcionam e, por outro lado, a falta de percepção do que é urgente”, que explicam que haja filas de madrugada.
As consultas são para situações de doença aguda e, para o médico, urgente é precisamente isso. Mas para o utente pode ser um atestado para a carta de condução, a renovação da medicação, a marcação de análises ou uma baixa, por exemplo. Todas estas situações podem ver as consultas recusadas, porque não são situações de doença aguda, podem ser programadas.
Ana Pisco diz ainda que muitos utentes desconhecem que há um serviço ao fim do dia para atender situações urgentes que não tenham dado entrada da parte da manhã.
Assim, segundo Ana Pisco, isto também é resultado da maneira de viver portuguesa, que “deixa tudo para a última hora” e que “nunca está satisfeito com aquilo que tem”. Por outro lado, considera que há um “hábito português de levantar cedo para ir marcar lugar”.
A directora do ACES Oeste Norte refere ainda uma insegurança latente a muitas pessoas. “O facto de as pessoas não terem a certeza de que vão ter consulta, de viverem naquela incerteza de “se calhar não vou ter”, cria-lhes um estado de ansiedade e angústia que muitas vezes as leva a dizer que uma coisa é urgente, ou a vir para cá às cinco da manhã por uma coisa que não tem carácter de urgência. Eu não culpo as pessoas por isso”, referiu.

“As vagas não têm sido totalmente preenchidas”

Para Ana Pisco, “se o doente precisar, raro será o profissional que não o vai ver, mesmo que não tenha vaga”.
Admitindo que “em períodos de gripe, de férias, que algum médico esteja mais tempo impossibilitado, pode haver maior constrangimento”, Ana Pisco esclareceu que “isso não é o habitual”.
Por exemplo, no Centro de Saúde das Caldas, houve “situações de médicos que estiveram ausentes por doença e a situação da Foz, que não tinha médico. Nessa altura eu posso admitir que possa ter havido algum constrangimento na marcação de consultas, mas neste momento, de há duas semanas para cá, as vagas não têm sido totalmente preenchidas”.
O concelho das Caldas tem 60.013 utentes e, segundo uma listagem retirada esta semana, 918 não têm actualmente médico de família. Ana Pisco considera que esta “é uma percentagem pequena e é preciso considerar que podem ser utentes esporádicos: estudantes, familiares de outros”.
A directora explica que houve uma médica que esteve de atestado prolongado e está agora a reiniciar a actividade com alguma irregularidade. Por isso, Ana Pisco estima que, no máximo até ao princípio do próximo ano, consiga ter esse problema resolvido, com a médica a assumir os 918 utentes.
Por outro lado, na Unidade de Saúde Familiar Rainha D. Leonor, que tem capacidade para oito médicos, um faleceu e enquanto não é substituído, “o ficheiro está a ser assegurado pela unidade”.
Assim sendo, “tirando esta situação não há necessidade de contratar novos médicos, nem podemos, porque, por lei, têm de ser 1900 utentes para poder justificar a inclusão de um novo médico”.
A directora esclareceu ainda que as consultas da internet (eAgenda no Portal da Saúde) só podem ser marcadas para a semana seguinte, o que permite que todas as vagas que não sejam preenchidas na própria semana, sejam ocupadas com consultas programadas.
O próximo passo para acabar com as filas de madrugada pode passar pela desmaterialização da receita, ou seja, o doente passa a poder pedir a medicação crónica por e-mail ou internet, o médico prescreve, mas o doente já não tem de ir levantar a receita e vai directamente à farmácia. “Estava previsto que este ano pudesse começar”, lembrou Ana Pisco, que acredita que será “um grande salto porque liberta muitas tarefas”.

“Caldas tem poucos utentes sem médico de família”

O ACES Oeste Norte é “o agrupamento de centros de saúde da ARLVT que têm a percentagem mais baixa de utentes sem médico de família e o concelho de Caldas é dos que tem menos utentes sem médico de família”, afirmou, antes de lembrar o caso de Peniche, onde vários médicos se reformaram e onde as vagas a concurso não são preenchidas.
Há também uma situação no concelho de Alcobaça, de uma médica que saiu e uma situação no Bombarral que “não é tão dramática”, por ser um edifício centralizado, que permite “gerir melhor os recursos”.
Segundo a directora do  ACES, e já não olhando ao crescimento e envelhecimento populacional, um dos problemas “é termos muitas portas abertas” e distantes. Outro é o facto de o mapa de pessoal que foi criado para o ACES na década passada, não ter o preenchimento completo. “Temos falta de recursos humanos em todas as áreas profissionais (enfermeiros, médicos, assistentes técnicos e operacionais)”, disse Ana Pisco.
Por exemplo, as vagas que vão a concurso para médicos em Peniche “não são preenchidas porque não há médicos”. Isto aconteceu porque o tempo necessário para formar um médico com especialidade em medicina geral e familiar “não foi acautelado e colidiu com uma fase em que houve permissão para que muitos médicos se reformassem”. Isso criou “um decréscimo que se prevê que a partir de 2017 esteja ultrapassado”. Na opinião de Ana Pisco, “houve aqui uma clara falta de planeamento e daí não conseguirmos ocupar as vagas porque não há candidatos”.

Isaque Vicente
ivicente@gazetadascaldas.pt

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1 COMENTÁRIO

  1. Ola Boa Tarde! Essa senhora esta fora da realidade! Pois as coisas nao acontecem como ela diz!!!!! Por ex nem todas as pessoas tem internete e tão pouco sabem mexer )idosos) !!! Quanto a medicos , isso nao e problema dos idosos: e sim das pessoas que coordenam!