Maria Emília Henriques é uma mulher de armas que teve uma vida profissional dedicada à enfermagem. Exerceu a profissão e passou vários anos em cargos de chefia, chegando a representar o país em comités internacionais. Uma vida profissional intensa de uma caldense que se manteve ligada à região
Nasceu nas Caldas, no número 29 da Avenida da Independência Nacional, em 1930, quando era habitual nascer-se em casa. Filha de um armazenista com loja aberta ao público, conta que foi por causa da Assistência ao Lar que descobriu que queria seguir enfermagem. Quando visitava as famílias pobres, “sentia que as queria ajudar nos cuidados relacionados com a saúde”, relembra Maria Emília Henriques, que louva a atitude do pai a deixar prosseguir estudos numa época em que as senhoras de famílias privilegiadas optavam por não prosseguir estudos.
A caldense tirou o Curso Geral de Enfermagem que funcionava no IPO, onde começou a exercer, assim que terminou a formação em 1952. Fazia “enfermagem de cabeceira” aos doentes oncológicos e havia pouco pessoal para as grandes alas onde estavam os doentes acamados. “Cheguei a desejar ter patins para chegar mais depressa onde era precisa no serviço”, contou a nonagenária, que acabou por deixar o IPO para integrar a equipa do Hospital Santa Maria três meses antes daquela unidade hospitalar abrir. Começou por ficar responsável pelos serviços de internamento, a partir de 1954, e foi naquela unidade que alcançou o topo da carreira de enfermagem. Teve, ainda, um papel importante não só na valorização da profissão como também professora de muitas futuras enfermeiras. Fez inclusivamente trabalhos pioneiros que levaram à constituição da Associação Portuguesa de Enfermeiros, bem como ao reconhecimento internacional da enfermagem em Portugal.
Sem poder casar nem ter filhos
Nos primeiros anos da década de 1960, as enfermeiras não podiam casar nem ter filhos, algo que muito desejava. O seu enlace decorreu a 3 de dezembro de 1955 e a sua única filha, Margarida Araújo, nasceu no ano seguinte.
Mas era preciso mudar de serviço, pois as enfermeiras que trabalhavam nos hospitais civis não podiam casar. Era algo que não fazia sentido, mas a chefia da caldense descobriu que existia uma alínea que permitia o casamento às enfermeiras que trabalhavam nos serviços externos. “Sempre que alguma casava, oficialmente passava para esse serviço”, recordou Maria Emília, aludindo àquela formalidade que se fazia no Santa Maria, apesar de todas as profissionais se manterem nas suas áreas de trabalho. A dada altura, já eram 70 as enfermeiras naquela “modalidade”. No entanto, a alteração da lei só foi possível alcançar em 1963…
Entre as histórias que guarda do percurso profissional recorda-se de ter sido avisada, por volta das 7 da manhã do dia 25 de abril de 1974, por uma amiga da família Maldonado Freitas, de que a revolução estava em curso.
Dirigiu-se “às pressas” para o Hospital por prevenção e para verificar stocks, pois àquela hora “não se sabia que se poderia haver vítimas”, frisa a nonagenária, recordando que, felizmente, a revolução dos cravos não conduziu a um estado de emergência hospitalar. No pós-revolução, sentiu necessidade de atualizar conhecimentos e, como tal, regressou à Faculdade para tirar uma pós-graduação em Administração e Ensino na Escola de Enfermagem Maria Fernanda Resende. A caldense chegou a chefiar 1500 enfermeiras das suas e de outras unidades hospitalares do país.
Caldense representou o país em comités onde se debatia o combate às bactérias hospitalares
Em 1977, deixou o Santa Maria para abraçar um novo desafio: passou para a Direção-Geral dos Hospitais. Entre as novas funções, pertenceu a task-forces que reuniam engenheiros e arquitetos aos profissionais de saúde para decidirem quais os equipamentos necessários para os novos hospitais. Conhecida pelo seu dinamismo, Maria Emília foi convidada para integrar um comité internacional que discutia a higienização e o controlo das bactérias em ambiente hospitalar, promovido pelo Conselho da Europa.
“Os cuidados que hoje temos que ter com este vírus são os mesmos que recomendávamos já naquela altura”, disse a caldense, destacando a importância da desinfeção das áreas e a lavagem das mãos. Estes grupos multidisciplinares dedicados à prevenção das infeções hospitalares reuniram ao longo de três anos na Turquia, Suíça, Itália, França, Senegal e também em Portugal. As recomendações eram posteriormente introduzidas nas unidades hospitalares. Após 40 anos de carreira, a enfermeira reformou-se e recebeu um louvor público, em 1993, que lhe foi atribuído pela Direção-Geral dos Hospitais.
Dedicada à cultura e à pesca

Além de ter tido sempre uma vida cultural intensa, com idas regulares ao Teatro S. Carlos, Maria Emília sempre apreciou literatura e poesia. Tinha o mesmo ritmo de leitura do marido, “o que possibilitava a leitura conjunta das obras”.
Mas toda a vida teve um passatempo especial. “Comecei a pescar em miúda em São Martinho do Porto com a ajuda do ‘senhor Viegas’, antigo comandante da marinha mercante”, evoca.
O amigo da família levava Maria Emília e o irmão, com 15 e 12 anos, respetivamente, no seu barco para pescar na baía “salmonetes da pedra” e besugos, tendo também ensinado ambos “a fazer bom engodo com sardinhas gordas”. Com o pai e irmão, chegou a passar a barra e a pescar moreias. Na Foz do Arelho – e em mar alto – a caldense capturava douradinhas e choupas.
“Apanhava peixe grande nas Berlengas. Era o meu paraíso!”
Maria Emília Henriques
“Onde sempre pesquei peixe grande foi nas Berlengas. Era o meu paraíso!”, recordou a enfermeira, que ia todos os anos para a ilha com o marido, ficando alojados num dos poucos quartos que ficavam por debaixo do restaurante do Bairro dos Pescadores.
“Era ao anoitecer que era a melhor altura para apanhar pargos. Gostávamos de pescar tendo como cenário as festas de Peniche, apreciando da ilha, o festivo fogo de artifício!”, rematou a nonagenária.
Há uma outra característica que Maria Emília gosta de referir: é muito casamenteira e, como tal, há entre os seus amigos vários casais que foram apresentados por esta caldense, que é uma verdadeira mulher de armas, que se dividia entre os cargos diretivos ligados à enfermagem e a pesca, passatempo que sempre a acompanhou. E que continua com o livro de memórias bem vivo. ■































