Chegou ao fim a direção de João Santos na ESAD.CR, após a realização de dois mandatos (um pouco maior por causa da pandemia). À Gazeta das Caldas conta que até continuaria se a lei permitisse mas agora terá oportunidade de regressar à pintura, ao desenho e também às salas de aula
Gazeta das Caldas: Sai ao fim de dois mandatos. O que deixa como marcas na ESAD.CR?
Durante os dois mandatos desta direção crescemos muito em número de alunos, professores e funcionários.
Ao todo temos atualmente 1650 alunos, 170 docentes e 35 funcionários e mais alguns dos serviços centrais, logo chegamos à meia centena de funcionários.
Fizemos também um caminho de estabilização da carreira dos professores, pois temos 75% no quadro. Apostámos na sustentabilidade energética e no rearranjo das áreas, ganhando espaço para mais salas de aula. Entre outras medidas, abrimos também uma turma do TESP de Audiovisuais e Multimédia, em Torres Vedras, que tem 20 alunos e que está a correr muito bem.
Como foi a relação com a direção do Instituto Politécnico de Leiria (IPL)?
O IPL tem muitos edifícios, equipamento e gente, espalhados por uma grande área territorial. Infelizmente não tem recursos suficientes, sobretudo financeiros, para fazer face a todas as necessidades.
Acha que a distância prejudica a relação entre entidades?
Sim, acho. Estamos nas Caldas, que fica mais longe e por isso, é mais difícil ter apoio técnico. Creio que o facto de não podermos estar todos os dias em comunicação e de ser difícil de uma vez contar tudo o que se passa aqui não ajuda. É preciso estar e sentir os sítios para os perceber.
Com a escola da Saúde somos uma das que tem maior procura, que ganha muitos prémios e que tem notas muito altas para se conseguir entrar.
Acho que o interesse do IPL pela ESAD.CR é proporcional ao que o país possui pelas áreas das artes, cultura e do design. É equivalente. Ou seja, há aqui uma secundarização do papel das artes que em vez de estar no centro está do lado dos passatempos.
E acha que é assim nos vários países?
Vivemos um momento em que atenção está focada na tecnologia e na digitalização e numa espécie de desumanização das comunidades. O papel das artes e design é importante mas foi colocado num plano das coisas que não têm utilidade. As artes ajudam-nos a pensar e a saber viver uns com os outros, mas é algo que está longe das Agendas e dos financiamentos.
A relação de Leiria com as Caldas traduz este estado do mundo. De qualquer modo, sempre tivemos boas relações com todas as presidências. Daí até sentir que devíamos ter a atenção equivalente às nossas necessidades, ainda há um longo caminho a ser feito.
Como é a relação da ESAD.CR com outras escolas? E com a Associação de Estudantes (AE)?
Temos boa relação com as outras escolas do IPL, de competição saudável. Estamos presentes em vários Conselhos Gerais das escolas caldenses, dando sinal que a ESAD.CR é uma escola aberta à comunidade.
Tem sido uma relação boa com a AE pois temos um subdiretor que há muitos anos se amarrou ao edifício para que a escola pudesse abrir. Sempre que reunimos com os responsáveis pedimos que façam manifestações, que exijam demissões…mas sem êxito. Os representantes são esforçados, sabem o que querem, mas não se conseguem mobilizar como antigamente. E é preciso ação por parte dos jovens ainda com sangue na guelra para mudar as coisas. Há causas globais como a crise climática ou da habitação. E locais também como a falta de habitação. Espero que isso aconteça, mas não basta só manifestar, é também trabalhar em conjunto para encontrar soluções.
Qual foi o momento mais tenso que viveu durante os dois mandatos?
Foi durante a pandemia pois foi tenso, mas também de grande união. Foi intenso e muito cansativo e toda gente deu muito. Foi um momento de grande mobilização e de generosidade. Soubemos reagir muito bem. Sob orientação do IPL e com o apoio da Câmara. Após o regresso, foi um momento emotivo e forte. Houve momentos muito bons, produção de exposições, eventos e catálogos que deixaram marca.
O que deseja que possa ter continuidade na gestão da ESAD.CR?
Creio que seriam importante duas coisas: garantir que a forma de lidar com os alunos seja a adequada ao tempo presente e ao futuro, ou seja, aos empregos que existem e que vão existir.
É ainda preciso consolidar os mestrados, alguns mostraram resiliência enquanto que outros foram fechados como o mestrado de Design de Saúde, por não ter tido o número de alunos suficientes.
A oferta dos TESPs também tem que ser repensada.
O LIDA (Laboratório de Investigação em Design e Arte) se tiver uma boa avaliação, poderemos começar a pensar em ter doutoramentos na área do design. Já temos um, com a Universidade de Aveiro e com o Politécnico do Porto, podermos no futuro ser parceiros que também outorgam doutoramentos em conjunto.
Houve também uma cedência para a ESAD.CR usar a Escola do Parque. Como correu esse protocolo com a autarquia?
O início foi um pouco atribulado, pois a escola do Parque foi cedida mas depois foi um centro de testes Covid – depois houve outra vaga e voltamos a entregar a chave…Entretanto tivemos algumas atividades letivas ligadas ao Mestrado de Design Gráfico e iniciativas pontuais de alguns cursos como o de Produção e Programação Cultural, assim como de Artes Plásticas.
Qual é o uso que dão atualmente à antiga escola?
Entretanto também temos em crescimento o número de investigadores do LIDA que irão também ter lá os investigadores que são bolseiros de doutoramento, ocupando de forma mais regular a escola do Parque.
Com as obras que estão neste momento a decorrer na EP2 precisaremos do espaço para atividades letivas. Até fevereiro teremos alunos que vão andar a pendular entre a ESAD.CR e a Escola do Parque.
A ESAD.CR poderia crescer, ou seja, ter mais edifícios?
Creio que seria bom para a cidade a escola ter noutra área uma zona mais central próximo, por exemplo, de alguma atividade industrial mas ao mesmo tempo, estaríamos mais longe da sede da escola e das suas oficinas e deste espírito. Como tal, não é uma decisão fácil.
Sim, seria trabalhoso mas é possível já que vamos ampliar a Ep2 – poderíamos se fosse necessário ampliar o edifício que foi hospital ou até criar uma estrutura de apoio à investigação… Claro que teríamos que pedir autorizações e de nos sujeitar ao tempo que isso leva. Se houver necessidade e oportunidade de aumentar espaço, se for necessário e houver financiamento para o fazer – ninguém dirá que não.
Se pudesse, continuaria na direção da ESAD.CR? Como foram as eleições a que concorreu?
Sim se pudesse, teria avançado para um terceiro mandato mas a lei não permite e ainda bem. Sim, há coisas que poderiam ter corrido melhor. O processo de eleição não foi conturbado como alguns anteriores que até envolveu Tribunal. Uma das vezes havia outro candidato na outra não, concorri sozinho, logo não teve graça nenhuma. Acredito que foi um bom sinal positivo e de confiança da parte da escola.
De qualquer modo uma escola de artes e design nunca é estável. Às vezes gostava que tivesse existido mais alguma contestação .
Há sempre a questão da aproximação da escola à cidade. Como acha que se vive essa questão atualmente?
Creio que neste momento, o esforço de aproximação está resolvido. Temos professores que vêm de fora, que são artistas e designers que trabalham com o município e temos alunos com relações muito próximas com entidades como o Centro de Artes, o Museu Malhoa ou os Silos.
Há relações entre instituições que são muito abertas e há muita franqueza no relacionamento. Temos também os nossos limites e somos uma escola e não podemos esquecer a componente pedagógica.
Com quem é que a escola de artes tem parcerias?
Nós temos uma boa relação com as Câmaras das Caldas, de Óbidos, de Leiria e de Torres Vedras . Esta última oferece bolsas a estudantes e tem estruturas culturais e artísticas para onde os alunos vão. Também há boas relações com os municípios de Alcobaça e da Marinha Grande. Há sempre espaço para desenvolver mais e ainda temos capacidade para cooperar melhor. Temos tido uma boa relação com várias entidades como o CCC, a Câmara, Centro de Artes e a Gazeta.
E o que falta por parte da região para com a ESAD.CR ?
Reconhecer que as artes e o design podem de facto contribuir para o desenvolvimento regional. O facto de termos estudantes e ex-estudantes fixados na região, é importante que possam ter por cá os seus negócios ou trabalhar nas empresas da região. É interessante ter pessoas que queiram vir viver para cá. Tem que haver mais massa crítica… Há pelo menos perto de uma dezena de professores que já se mudaram para o Oeste, que oferece uma qualidade de vida interessante.
Creio que há, de parte a parte, vontade de cooperar.
O que dizem os professores e alunos estrangeiros quando visitam a ESAD.CR?
As Caldas é uma cidade desconhecida com uma escola de artes no meio do mato. É sempre impressionante a reação de quem nos visita. Não estão à espera.
Estas escolas por toda a Europa estão a digitalizar-se muito e nós também, mas mantemos as oficinas onde se trabalha com ferramentas. Para quem visita é sempre uma surpresa que lhes permite enriquecer o seu percurso.
Com este sucesso tivemos que disciplinar as entradas e os muitos pedidos de Erasmus, garantindo a qualidade do ensino para quem vem (e traz outra forma de estar) e de igual modo para quem cá está.
Em que ponto está a Cátedra Unesco de Gestão Cultural?
Está num ponto estável dado que estamos a desenvolver um conjunto de atividades de investigação, uma delas, a nível internacional, com outras cátedras e a preparar um projeto com a Academia Internacional de Cerâmica, na sequência do Congresso Internacional que se realizou por cá.
Estamos ainda a trabalhar na Adenda à Cátedra de Porto Santo e em parceria com o Plano Nacional das Artes.
Na área da produção cultural estão a ser preparados vários encontros. De qualquer forma ainda não temos resultados para apresentar. A Cátedra Unesco na área da Gestão Cultural teve um papel importante de João Serra e estamos também a ultimar a edição de um dos seus últimos livros sobre as gárgulas da Torre do Tombo. Temos também colaborado, sempre que nos solicitam, no âmbito das atividades da Cidade Criativa, assim como com a rede de Cidades de Cerâmica.
Um dos aspetos a melhorar é a comunicação pois fazemos muita coisa mas nem tudo é comunicado para fora.
O que fará de seguida? Vai regressar à sala de aula?
Neste momento tenho saudades de férias e sim, das salas de aulas também. pois leciono apenas algumas horas.
Vou querer voltar também à investigação e também ao atelier para regressar à pintura. É preciso retomar estes assuntos e depois voltar preparado para lecionar no ano seguinte. ■

João Santos
Artista, docente e diretor da ESAD.CR nos últimos oito anos
Tem 56 anos e formou-se em pintura nas Belas Artes do Porto, tendo terminado o curso em Lisboa.
Doutorado em Desenho com a utilização de Tecnologias Digitais, o artista que assumiu funções de gestão na escola de artes caldense, voltará em breve às salas de aula.
Casado, pai de dois filhos, João Santos vive em Leiria e percorre diariamente 124 quilómetros para vir trabalhar para as Caldas da Rainha.































