Um vulcão a resistir…!

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Brava1- Voltei ao Fogo passados 19 anos. Tinha aqui estado em 1995, depois da erupção desse ano. Ainda vi, na altura muitas fumarolas, mas a lava já estava consolidada e a vida prosseguia em Chã das Caldeiras, as suas gentes mantinham o seu viver, recordo conversa na taberna, com um queijo de cabra e uns copos de manecon, vinho morangueiro, e umas voltas pela agora Portela soterrada.
Estive agora 15 dias em Cabo Verde e cinco no Fogo. A ilha está relativamente na mesma. Talvez mais sobrados recuperados, para hotéis e casas de charme, talvez outros a precisar de recuperação, um simpático museu, onde tive ocasião de conhecer um dos homens bons de Cabo Verde, Fausto do Rosário, e também um vento de insegurança, que tem que ver com as condições gerais da economia e sociedade.
Dei uma volta à ilha, para rever as lavas que chegaram até ao mar e as plantações de café na zona de Mosteiros, onde revi o aeroporto de terra, em terra, onde aterrei na altura e hoje já abandonado, e em S. Filipe, almocei e jantei em diversos locais mais ou menos populares, sempre peixe e sempre fresquíssimo.
Mas é sobre o desastre que foi e continua a ser a actual erupção que quero falar. Foi ela que aqui me trouxe. Os vulcões são uma das fontes de vida no nosso planeta, mesmo tendo sido responsáveis por grandes extinções no mesmo. (Grandes extinções histórico-geológicas! Foram motivadas pela actividade vulcânica) Também são fonte de vida ao permitirem nos solos férteis deles resultantes o desenvolvimento de várias formas de vida e vegetação.
Na Chã das Caldeiras, nas aldeias da Portela e da Bangaeira, a vida … vivia-se. Declaradas zonas não edificante, já tinham uma escola, além das inevitáveis igrejas, e fazendo juz à orientação de planeamento (a tal que interditava a construção!) sem luz eléctrica (algumas casas tinham geradores!), com telefone instalado.
As orientações do Estado são, resultantes do colonialismo  português? Da inércia? Do deixa andar? Do jeitinho?, contraditórias…
Tudo, quase tudo está hoje debaixo da lava, seja a escola, as igrejas (protestante e católica), seja a cooperativa vinícola, que ainda tentou salvar as barricas, hoje a degradarem-se ao ar livre ao lado do rio de lava que sepultou o edifício onde estavam.
No meio da outrora aldeia encontrei um paisano a tentar recuperar a sua casa, assim como o filho do cantor local Ramiro, cuja casa, na ponta da aldeia escapou.
Este povo continua agarrado a esta terra madrasta, camponeses aqui se dirigem para tratar das cabras e de algumas vinhas todos os dias. Encontrei-os no caminho, que tive que fazer de madrugada, para evitar a polícia que interdita a vinda até à Chã… mas só montam guarda a partir das seis ou sete da manhã. Eu pelas quatro saí de S. Filipe e pelas 5h30 estava à “porta” do inacreditável caminho para este povo hoje completamente lunar.
Li o Orlando Ribeiro, meu mestre na Faculdade de Letras, e o seu texto fundamental sobre a “Ilha do Fogo” e encontrei, no dia em que fui dar uma conferência à escola Teixeira de Sousa, em S. Filipe, outro livro com esse título do meu antigo colega e amigo Daniel Pereira.

2- Terra vulcânica como o Fogo, visitei a ilha de Cabo Verde onde ainda não tinha estado, a Brava. Ilha pequena, com cerca de 5000 habitantes, deixou-me muito impressionado. Pelo trabalho do homem nestas terras escalavradas, pela simpatia e beleza das suas gentes, pelo esmero com que tratam o verde e os seus arranjos, e por ainda não estar pervertida por um turismo selvagem e sem qualidade.
Tive ocasião, nesta terra do imortal Eugénio Tavares, cujo sobrado/museu visitei por gentileza de uma funcionária municipal (Sara) e do excelente guia/ motorista (Dé), pode ouvir o chefe da policia local (Lito), cantar mornas primeiro com um grupos de amigos, que me haviam incluído e depois durante cerca de 3 horas numa tocatina, magnifica e excelente voz a dele. Um desenvolvimento sustentável deveria ser receita para aqui, onde felizmente os emigrantes (nos States), que reinvestem na sua terra têm visão.
Sustentabilidade que julgo possível também no Fogo!
3- Já julgo que no Sal mataram a galinha dos ovos de ouro. Construções sem sentido nem plano, hotéis abandonados, depois de farta utilização, com esqueletos a morrer e outros na mesma sem terem chegado a ser realidade.
Um pavoroso Mélia, que até assusta, excrescência na ilha, condomínio fechado que nem vê a praia, casas abandonadas e construção de mais  casas que continua, aluga-se e vende-se por todo o lado, numa ilha cheia de italianos, onde só se pode comer, salvo em 2 ou 3 restaurantes locais que sobrevivem, ou nos hotéis (tudo incluído!) ou pizzas, spaguettis, carbonaras, cozinha internacional e mais nada.
Os sinais de decadência estão por todo o lado, até nos senegaleses que a invadiram a vender o que se vende em todo o lado e tabaco chinês de contrafacção.
Julgo que já não há solução para esta, outrora, formosa ilha.

4- Não posso deixar de registar a minha passagem por Santiago e ida à Cidade Velha, onde a mão de Siza Vieira e os dinheiros da Cooperação Espanhola, contribuíram para a recuperação possível da história e memoria construída e também do astral deste povo. Muito bem. Na Praia verifiquei que o português, o que confirmei noutras ilhas, vai escasseando. No hotel falavam-me em inglês… noutros locais era italiano…

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Textos e Fotos António Eloy

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