
Gazeta das Caldas foi conhecer o museu vivo do peixe seco, criado em Dezembro na Nazaré, e que tem gerado algumas críticas. Na Praia do Sul, junto à antiga lota, encontrou meia dúzia de peixeiras no estindarte que deram a conhecer todo o processo de secagem e partilharam receitas e anseios.
Na praia da Nazaré, em frente à antiga lota, meia dúzia de peixeiras, sentadas atrás das bancas vão vendendo o seu peixe seco. “Quer alguma coisa?”, “Olhe para este lindo peixinho!”, exclamam.
As bancas onde vendem são dois pedaços de madeira que fazem de pés de bancada. Assente em cima desses pés, a bancada é a própria paneira (a rede das traineiras pregada numa estrutura de madeira onde o peixe é estendido) e é lá que estão várias espécies à venda.
Por trás de cada uma das peixeiras, vê-se uma fila de cerca de 20 metros, com uma estrutura em madeira onde assentam mais paneiras com peixe a secar. Por cima, uma rede protege o peixe seco dos ataques das gaivotas.
No total são 17 filas, seis a mais do que as 11 que existiam. Segundo a autarquia, restam apenas duas livres.
Francelina Quinzico vende peixe seco na Nazaré há cerca de 37 anos e elogiou a obra da autarquia. “O estindarte é bonito e tem outra apresentação, mas também precisamos da plataforma de tratamento, que deve ser inaugurada a 8 de Março”, alertou. É que, actualmente, esta vendedora trata o peixe num armazém sem luz eléctrica nas traseiras do centro cultural.
“Levanto-me às 4h00, vou comprar o peixe e depois vou a casa e às 6h00 ou 7h00 venho para aqui”, conta. Na praia monta a banca e estende o peixe com a ajuda do marido.
Nesta empreitada foi também criado um depósito para águas e uma torneira junto ao estindarte, o que também foi uma melhoria das condições.
Apesar de saber que apenas duas bancas estão vagas, Francelina contou à Gazeta das Caldas que “a fazer vida disto todos os dias são quatro ou cinco senhoras e os seus maridos”.
Quanto à arte de cozinhar o peixe seco, explica quem o vende: o carapau enjoado fica menos horas ao sol do que o seco e come-se grelhado, com pimento vermelho, azeite e cebola. Já o seco pode ser cozido com batata, azeite e cebola ou cru. Segundo a peixeira, a pescada pode ser cozida com batatas. Já a dourada, a raia, o cação e o safio devem ser demolhados como o bacalhau e o polvo pode ser comido grelhado, cru ou guisado com arroz e ervilhas.
Uma das mais recentes peixeiras é Marta Meca, que aproveitou o alargamento para começar a vender peixe seco. “Comecei a vender marisco no mercado e concorri para vir para cá, onde comecei há um mês”.
Enquanto vende o marisco na praça de manhã, desde as 6h00 ou 7h00, trata o peixe para o secar. “Às 11h00 venho estendê-lo para secar”, contou. Durante a tarde ali fica a vender o peixe seco a quem passa.
PEIXE DA NAZARÉ E SAL DE RIO MAIOR
O peixe é da Nazaré, comprado na lota, e o sal é de Rio Maior. Para secar o carapau, primeiro abre-se o peixe e depois, com os polegares na barriga, um sobe em direcção à cabeça e o outro desce em direcção à cauda, limpando-o com água salgada.
De seguida fica mergulhado na moira (água salgada). Se for enjoado, durante cinco a 10 minutos, se for para fazer peixe seco, de dez a 15.
Daí são estendidos a secar ao sol durante três a quatros horas para fazer o enjoado e três dias se for seco. Os peixes maiores, além de serem escalados com faca, demoram quatro dias a atingir o ponto e não passam pela moira, são apenas salgados e postos a secar. Durante a secagem, o peixe nunca é virado.
A vida destas peixeiras não é fácil. “Isto é só para mulheres rijas”, garante Francelina, lamentando-se: “necessidade a quanto obrigas”. O vento, a chuva e o frio são os principais adversários. Quando chove, é vê-las a correr para tapar o peixe, para não se estragar. “Nós podemos apanhar chuva, mas o peixe não”, explicou.
A seca do peixe foi uma forma encontrada para preservar o alimento e tornou-se numa fonte de rendimento. Actualmente é vendido um pouco por todos os mercados de peixe da região, desde as Caldas a Leiria.
Nem sempre houve um estindarte, como agora. Até meados do século XX colocava-se junco na areia, com o peixe a secar por cima. Nesse tempo as paneiras não ficavam na praia, como hoje.
E, entretanto, o tímido sol põe-se no mar e chega a hora de desmontar a banca e tapar o peixe com encerados (oleados), que amanhã também é dia.
Peixe seco pode ser produto gourmet
Walter Chicharro, presidente da Câmara da Nazaré, salientou durante a inauguração deste museu vivo (que teve lugar a 17 de Dezembro) que o antigo estindarte havia sofrido danos consideráveis com os Invernos de 2012 e 2013. Destacou a melhoria das condições das vendedoras e a maior interacção com os clientes que a plataforma de madeira permite.
A autarquia pretende elevar este produto a gourmet e preparar uma candidatura a Património Cultural Imaterial. Nesse sentido pretende continuar a divulgar o peixe seco em mostras gastronómicas e programas televisivos de culinária.
Outra das ideias de promoção foi a produção, por parte da Câmara, de um livro sobre a seca do peixe, que foi apresentado no dia em que inaugurou o museu vivo. As peixeiras, que deram o seu testemunho para o livro, foram as primeiras a recebê-lo e será agora entregue em cerimónias oficiais.
No Centro Interpretativo pretende-se explicar toda a história e o processo de produção do peixe seco. Além de posters com informação escrita e fotográfica, na pequena exposição há um vídeo e uma espécie de bancada com todos os objetos necessários para a preparação do pescado: as facas, o alguidar e uma candeia.
Não há, contudo, nenhuma informação preparada para os visitantes poderem levar consigo.
Críticas de associação cívica e da CDU
A 12 de Dezembro, a Associação de Defesa da Nazaré (ADN) criticou o projecto porque “retirou em absoluto a autenticidade, a alma e o carácter orgânico dos estendais de peixe seco”. Esta Organização Não-Governamental questionou se “o aumento da área dos estendais irá corresponder à total utilização dos mesmos”. Esta é aliás uma preocupação partilhada pela CDU da Nazaré, que recentemente questionou também se não se deveria ter começado a obra pela plataforma de tratamento do pescado.
Esta coligação defendeu a criação de uma cooperativa e apontou a processos semelhantes aplicados em Portugal para a seca do bacalhau que passaram a ser praticados em estufa.
Gazeta das Caldas contactou a Câmara da Nazaré, mas a autarquia informou que não iria responder às críticas.
































