Um jovem caldense na Sérvia. Por amor.

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Com 25 anos, Pedro Querido, é um dos raros portugueses que fala correctamente a língua sérvia. Vive em Belgrado, cidade onde se sente como em casa, feliz e rodeado de gente simpática. E não é só por estar apaixonado e nessa capital viver uma história de amor que dura há dois anos. “É também porque é uma cidade vibrante, com carácter, onde se sente uma estranha atmosfera de segurança”, diz, apontando as pessoas que gozam o sol de Verão nas esplanadas da capital.

Nascido nas Caldas da Rainha, Pedro dos Santos Querido fez o secundária na Escola Secundária Raul Proença. Depois das aulas, e antes de rumar para a Torre (Salir de Matos), escapulia-se para a Loja 107 para ler livros. Aos 15 anos publica um “Folha em Branco”, apresentado no Pópulos num dos cafés literários organizado por Isabel Castanheira.
Em Lisboa foi para a Faculdade de Letras cursar Estudos Germanísticos. Uma licenciatura destas não podia dispensar um Erasmus na Alemanha, mais propriamente em Potsdam, perto de Berlim. Corria o ano lectivo de 2007/2008, mas Pedro já não era um estreante nas viagens ao estrangeiro. Antes disso viajara pela primeira vez sozinho para Freiburg. E nessa altura já tinha muito claro que o seu futuro não sei iria confinar ao rectângulo luso.
“Os meus pais levaram-nos, a mim e à minha irmã, a vários países quando ainda éramos muito pequeninos, e é mesmo verdade que é daí que se torce o pepino. Fomos aos EUA, a Cuba, a Cabo Verde e ao Brasil, assim como a muitos países europeus. Se eu hoje tenho alguma autonomia, coragem e espírito de aventura, devo tudo a eles, porque a minha natureza é muito mais tranquila e insegura, para não dizer preguiçosa”, conta.

UM MESTRADO EM LONDRES

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Com a licenciatura concluída, o jovem caldense decide fazer em Londres um mestrado em literatura inglesa com uma tese sobre Samuel Beckett, que defende na Universidade Queen Mary. Regressa a Portugal, mas – para desespero dos pais – parte novamente, desta vez para França, onde faz voluntariado na Maison Robert Schuman, trabalhando com jovens de várias nacionalidades.
De novo em Portugal conclui um segundo mestrado vocacionado para o ensino em língua inglesa e alemã. E chega a dar aulas de alemão no Colégio Alemão. Antes disso, faz uma incursão na Irlanda onde trabalha alguns meses numa quinta.
A estabilidade durou pouco. Num dos intercâmbios que realizou em Berlim, conhece Ana, uma jovem sérvia, por quem se apaixona. Promete-lhe que em seis meses estariam juntos em Belgrado. E cumpriu: “uma semana depois de escrever a minha tese de mestrado e quatro dias depois de passar o exame de condução estava no avião destinado a Belgrado. Fui por amor à moça, portanto. Não conhecia mais ninguém lá nem tinha nenhuma ocupação à minha espera, mas a prioridade era estar com a Ana, pelo que vi esses contratempos como assuntos prosaicos que se resolvem com o tempo.”
E o tempo revelou-se, como sempre, um grande mestre. Durante quase três meses, Pedro Querido procura trabalho, mas não encontra. “Fartei-me de andar a pé para responder a entrevistas, mas o trabalho acabou por me encontrar a mim”.
Como foi isso?
Entusiasta do xadrez, Pedro tinha um grupo de “jovens” amigos (cuja média de idades é superior a 70 anos) com quem jogava no parque Kalemegdan, um local aprazível com uma vista soberba para os rios Sava e Danúbio. Nos países de Leste é usual esta prática de se jogar xadrez nos sítios públicos, da mesma maneira que os reformados portugueses jogam às cartas no jardim.
E foi através de um dos seus amigos que um casal de empresários, tendo ouvido falar de “um português que sabia muitas línguas”, o contactou e o contratou em menos de uma semana. Meses depois o jovem e descontraído Pedro Querido voava para o Brasil, em viagem de negócios, como representante de uma empresa sérvia.

UM MUSEU NOSTÁLGICO DA JUGOSLÁVIA

Voltemos a Belgrado. Este é um museu recém-inaugurado destinado a mostrar como era a vida na antiga Jugoslávia. Desde a iconografia do regime, aos objectos mais banais do quotidiano, encontra-se aqui a memória de vários gerações de homens e mulheres que foram jugoslavos e mais tarde acabaram sérvios, croatas, eslovenos, bósnios, montenegrinos e macedónios. Pedro fala que existe uma “yugo-nostalgia” dessa Jugoslávia de Tito.
Hoje os cacos desse antigo país vão-se concertando e duas das novas repúblicas já pertencem à União Europeia – a Eslovénia e a Croácia – senda esta última o mais recente estado membro. Na calha poderá estar a Sérvia como o próximo país a aderir à UE.
O caldense que fala sérvio faz sorrir os locais que reagem com simpatia ao verem o jovem estrangeiro falar a sua língua e servir de intérprete para outro português.
Sobre Belgrado: “Quando trabalhei como voluntário numa ONG francesa tive a oportunidade de co-organizar intercâmbios de jovens de várias nacionalidades, e um deles foi feito em Belgrado. Foi a primeira vez que estive num país dos Balcãs. Mesmo em pleno Verão, com o calor sufocante que agora conheço tão bem, reparei que Belgrado não é propriamente uma cidade para turistas. Museus há poucos, estrangeiros idem, e o centro, apesar de ser simpático, fica visto numa tarde. Contudo, algo me atraiu desde o início: as pessoas.”
E o que têm os sérvios assim de especial?
“São extrovertidos, muito acolhedores e extremamente sociáveis. Podem estar em crise financeira perpétua, mas os cafés de Belgrado estão sempre com gente. Há quem diga que Belgrado tem uma das melhores ‘noites’ da Europa. Os parques da cidade estão sempre cheios, não só de estudantes mas também de famílias e casais de todas as idades“.

EM DEFESA DA SÉRVIA

Mas não foram eles os maus da fita durante a guerra das Balcâs? Pelo menos, foram desta forma apresentados à comunidade internacional. Pedro acha, obviamente, que não é bem assim:
“Essas guerras dos anos 90 são muito mais complexas do que se pensa. É claro que aconteceram muito longe de Portugal e entre povos cuja existência muitas vezes ignoramos, mas não se pode pensar que sabemos tudo sobre um assunto quando a nossa única fonte de informação consiste num conjunto de notícias e reportagens concebidas a partir de uma narrativa con veniente e inacreditavelmente tendenciosa”.
Tendenciosa? Não se pode jogar xadrez e falar da guerra das Balcãs ao mesmo tempo. Nesta altura, o autor deste texto já tinha perdido dois a zero. Pedro Querido cumprimenta os seus amigos sérvios que se aproximam da mesa no Parque Kalemegdan. Estes não entendem o teor da conversa entre os dois portugueses. O jovem explica porque acha tendenciosas as notícias sobre o papel dos sérvios no conflito dos anos 90. Mas também admite que foi influenciado pelos relatos da namorada, que viveu os bombardeamentos pelas forças da NATO sobre Belgrado.
“Uma grande parte dos media dos EUA, empenhados numa campanha de legitimação da sua intervenção militar, fizeram tudo para reduzir as guerras a uma batalha entre ‘os bons’ e ‘os maus’, mas a situação no terreno e toda a história que a antecede vai contra qualquer um dos nossos esforços de definir o conflito em termos simplistas e moralistas”, diz Pedro Querido.
Uma realidade que foi só há 14 anos e que agora parece tão distante. Para quem esperava ver gente carrancuda e antipática, a coexistir mal com o seu passado e a assumir o papel de grande derrotada da guerra das Bálcãs, surpreende-se com o ambiente desinibido, intenso e até alegre de Belgrado. Uma cidade jovem, com muita gente nova, inúmeras crianças e casais jovens com bébés, não deixa de parecer estranho a quem vem de um país envelhecido como Portugal.
E o que pensam os sérvios dos portugueses?
“Eles sabem de nós graças, não só ao inevitável futebol, mas também à fama das nossas praias e do bom clima, e muito de vez em quando devido ao fado. É mais difícil saber o que pensam sobre nós. Suponho que não tenham uma ideia formada. O que eu mais ouço é ‘Nunca lá estive, mas parece que é muito bonito’. Aliás, parecem ter uma boa impressão dos países da Europa Ocidental em geral. Têm opiniões muito mais complexas relativamente aos seus inúmeros vizinhos imediatos, e normalmente negativas relativamente aos EUA”.
Já quanto à Alemanha, apesar desta ter uma política externa claramente anti-sérvia (o que gera algum ressentimento na atitude das pessoas em relação aos alemães), é vista como um país de oportunidades devido à sua economia sólida. Pedro diz mesmo que não é raro ver-se nos anúncios publicitários a expressão “qualidade alemã”.

PRÓXIMO DESTINO: ALEMANHA

A Alemanha deverá ser, aliás, o próximo destino deste casal luso-sérvio. Pedro e Ana pensam ir viver para Berlim, onde se conheceram.
Aos 25 anos costuma dizer-se que se tem a vida pela frente. A de Pedro Querido será, para já, no estrangeiro. E quando se salta de país em país, de que é que se tem mais saudades? O que é que Portugal tem que não se encontra em mais lado nenhum?
“De todos os países em que já estive, o clima português é de longe o melhor, e a comida também. E as praias. De vez em quando tenho saudades de falar em português diariamente, mas por outro lado a distância faz-me apreciar muito mais a nossa língua, por exemplo os nossos diminutivos, como ‘cãezinhos’ e ‘livrecos’, ou exclamações divertidas como “ Tás aqui, tás ali!” e “A pensar morreu um burro!”. Por vezes fico triste quando não me lembro de alguma palavra em português, mas é natural. De qualquer maneira Portugal nunca está assim tão longe. Sigo com muita atenção o meu Benfica (que ainda por cima agora está cheio de sérvios) e a situação política e económica de Portugal. Eu de Portugal nunca me esqueço. Volto sempre.
Mas os meus pais e a minha irmã, os meus avós, enfim, a minha família, é sem dúvida o que mais me faz falta. Os cães e os gatos também. Pelo Verão aperta a saudade da praia, e no Inverno a saudade de serões à frente da lareira.”

Carlos Cipriano
cc@gazetadascaldas.pt

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