O julgamento do etarra Andoni Fernandez, que teve início na passada terça-feira nas Caldas da Rainha sob fortes medidas de segurança, projectou a cidade a nível internacional na sequência das notícias então veiculadas e que prometem continuar pois haverá pelo menos mais uma sessão a 4 de Outubro.
Nas Caldas da Rainha uma parte da cidade viu a sua rotina alterada, com o trânsito proibido em redor do tribunal. As comunicações móveis estiveram bloqueadas dentro do edifício, mas afectaram vários quarteirões em redor.
Eram 10h02 quando Andoni Fernandez entrou na sala de audiências do tribunal caldense, rodeado de fortes medidas de segurança. À sua espera tinha na assistência cerca de 30 familiares e amigos que fizeram questão de lhe manifestar o apoio.
O agora arguido terá sido um dos dois ocupantes da casa da Avarela onde, em Fevereiro do ano passado, foram descobertos 1500 quilos de explosivos. Andoni Fernandez, que se encontra em prisão preventiva em Monsanto, é acusado pelo Ministério Público de dois crimes de furto qualificado, nove crimes de falsificação e um crime de detenção de arma proibida com vista à prática de terrorismo e de um crime de resistência e coação sobre funcionário.
De acordo com a acusação o arguido pertence à ETA, “um grupo que pratica o terrorismo, designadamente através de homicídios, atentados bombistas, detenção de armamento e explosivos, com o intuito de subverter o funcionamento das instituições do Estado espanhol, tudo como meio de alcançar a independência do País Basco”.
Ao colectivo – presidido pelo juiz Paulo Coelho – Andoni Fernandez disse apenas a sua identificação, apresentando-se como estudante e tendo por nacionalidade o País Basco, remetendo-se ao silêncio sobre as acusações que lhe eram feitas.
No primeiro dia foram ouvidas 11 das 36 testemunhas do processo, entre elas Eduardo Firmino, chefe da PSP das Caldas e vizinho dos dois etarras, com residência no nº 2 da Rua do Gesso, a quem o advogado de defesa do arguido, José Galamba admite processar judicialmente por contradições no testemunho.
O incidente deu-se perto das 13h00 depois desta testemunha ter afirmado em tribunal reconhecer Andoni Fernandez como um dos residentes na casa onde foram encontrados os explosivos, apesar de no depoimento prestado em Fevereiro de 2010 à Polícia Judiciária não conseguira descrevê-lo.
O advogado de defesa, José Galamba, requereu a confrontação das declarações feitas por Eduardo Firmino nos dois momentos do processo, o que se viria a traduzir em mais de três horas de audição ocupando assim uma parte da manhã e quase toda a tarde, obrigando o julgamento a ser prolongado, para já, por mais um dia.
Entre as testemunhas que tiveram contacto com os dois alegados etarras foi unânime um melhor conhecimento de Oier Gomez Mielgo (posteriormente detido em França). “Via mais o outro [Oier Gomez Mielgo], porque ia buscar o pão ao padeiro e colocar o lixo”, disse Eduardo Firmino, que também o chegou a ver a andar de bicicleta.
Também a funcionária da imobiliária caldense que arrendou a casa da Avarela lembra que o alegado etarra se apresentou como Ernesto e que lhe pagava a renda de 450 euros mensais sempre a horas. Mónica Silva lembrou ainda que Oier Gomez Mielgo lhe terá perguntado se tinham algum armazém nas redondezas para arrendar, mas que tinham pressa, e o negócio não se chegaria a consumar.
Já as testemunhas que se deslocaram da Lousã, onde os dois etarras também chegaram a residir, falaram do arguido e da sua presença na terra, mas sem o conseguirem reconhecer.
Entre os arrolados pelo Ministério Público figurava também José Sanches, o proprietário da carrinha Citroen que os etarras terão roubado em Castelo Branco, em Fevereiro de 2009, e que foi encontrada depois, abandonada no Bairro das Morenas, nas Caldas da Rainha. José Sanches viria a encontrar o seu veículo um ano depois “em más condições, com bastantes riscos e quatro pneus carequíssimos”, resultado dos 48 mil quilómetros andados durante esse tempo.
O julgamento terá prosseguido na quarta-feira com a audição de mais 10 testemunhas arroladas pela acusação.
Uma aparato policial invulgar na cidade
O aparato policial foi enorme e nada discreto nas Caldas da Rainha. Desde a véspera que a polícia impedira o estacionamento de veículos na Praça 25 de Abril na rua António Sérgio. “Parece o dia sem carros”, comentava um transeunte, surpreendido por ver tão “limpa” uma zona da cidade habitualmente congestionada e com carros mal estacionados.
Segundo o comissário Nuno Carocha, da PSP, estiveram presentes na cidade uma centena de efectivos daquela policia e do Grupo de Intervenção dos Serviços Prisionais (GISP). A PSP esteve representada com todas as unidades especiais daquela corporação, inclusivé especialistas em inactivação de engenhos explosivos, brigada cinotécnica (com cães-policia) e, naturalmente, o Corpo de Intervenção.
Enquanto decorria a audiência eram feitas operações stop dentro e nos arredores da cidade, “algumas já por nós planeadas e outras que entendemos realizar agora”, explicou a mesma fonte, que começou a planear esta operação com um mês de antecedência.
Nas ruas circularam também agentes à paisana em operações de vigilância e a PSP das Caldas da Rainha foi reforçada com efectivos das esquadras de Peniche e Alcobaça.
“Pode parecer exagerado este aparato todo, mas mais vale pecar por excesso do que por defeito”, dizia, sob anonimato, um agente daquela polícia. “Imagine que havia um problema e a coisa corria mal! O que seria da imagem do país lá fora porque estão aí as televisões estrangeiras. Assim, já que temos os meios, só custa deslocá-los”.
Mais do que um atentado ou tentativa de fuga do arguido, a preocupação das autoridades centrava-se na possibilidade de ocorrer manifestações de apoiantes da ETA, mas os cerca de 30 bascos (na sua maioria jovens) que estiveram presentes no tribunal para demonstrar solidariedade com o arguido, couberam todos na sala de audiências, bem integrados por agentes do Corpo de Intervenção, que não lhes tiravam os olhos de cima.
Os jovens assistiram à sessão entre bocejos, até porque as testemunhas falavam baixinho e eles não entendem português. Só o momento em que uma testemunha contava que a vizinhança dos dois bascos da vivenda de Óbidos chegou a pensar que estes “faziam vida conjunta” provocou alguns sorrisos.
Begoña, mãe de Andoni Zengotitabengoa Fernandez disse à Gazeta das Caldas que vieram quase todos da localidade de Elorrio (Biscaia) e que estavam ali na qualidade de familiares e amigos do arguido para “demonstrar o apoio a um rapaz que deveria estar livre e em casa”.
A maioria viajou de carro e de comboio desde o País Basco e ficou alojada no parque de campismo da Foz do Arelho. O grupo esteve sempre junto e mostrava grande cumplicidade com José Galamba, que, fora do tribunal, fez questão de usar uma boina basca, perante o apoio entusiástico dos jovens bascos.
“Sou um apoiante da independência do Pais Basco, mas sou contra a linha político-militar da ETA”, disse ao nosso jornal. José Galamba foi, de resto, a figura do dia durante o julgamento. Irónico, muito atreito a considerações e apartes, soube abrir brechas no processo criando dúvidas nas testemunhas sobre se estas conheciam ou não o arguido, dado que Andoni era o mais discreto dos dois alegados etarras que viviam em Óbidos.































