Transição digital e cultural pede empresas mais focadas nas pessoas

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Fórum organizado pela Gazeta das Caldas e pelo Grupo Sentidos Dinâmicos aponta o caminho para empresas mais próximas dos trabalhadores e, consequentemente, mais atrativas e produtivas

Cerca de 130 pessoas assistiram ao fórum “Uma (Nova) Visão da organização do trabalho nas empresas”, que a Gazeta das Caldas realizou em parceria com a Sentidos Dinâmicos, no passado dia 13 de abril no auditório Paulo Vasques, na Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro. Onze oradores falaram dos desafios que as empresas enfrentam, com especial enfoque na necessidade de manter os recursos humanos motivados e, dessa forma, produtivos numa era de grande transição na sociedade.

“As pessoas são o motor das organizações e, por isso, é importante valorizá-las e que se sintam felizes para desenvolver o seu trabalho da melhor forma”, sintetizou Pedro Duarte, da Sentidos Dinâmicos, na sessão de abertura.

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O bem-estar no trabalho é, assim, um aspeto que as empresas têm que ter cada vez mais em conta para captar e reter talento. Esta é uma das principais conclusões dos trabalhos. E, para conseguir esse desígnio, existe um conjunto crescente de ferramentas que podem ajudar.

Ainda na sessão de abertura, Joaquim Beato, vice-presidente da Câmara das Caldas da Rainha, sublinhou que hoje existe para empresas e trabalhadores “o desafio de adaptar a consciência do saber”. “Qualquer pessoa pode ser o que quiser, se tiver competências de aprendizagem”, sublinhou.

Para Orlanda Pereira, da Autoridade para as Condições do Trabalho, a palavra-chave é “crescimento”. “Deve haver um compromisso com o enriquecimento, inclusivamente o económico, para nós próprios, mas também para, assim, contribuirmos para o enriquecimento da sociedade humana”, disse.

Para conseguir esse enriquecimento, das pessoas e das organizações, é fundamental responder a três questões básicas: “Quem somos? Onde estamos? Para onde vamos?”, apontou.

Orlanda Pereira realçou que, em Portugal, 96% do tecido empresarial é composto por microempresas, com níveis de produtividade “muito baixos” e salários “em consonância”. “Aumentar a produtividade é uma responsabilidade de cada um”, continuou, mas não vem sem custos. E um dos que mais se aponta nos dias que correm é a saúde mental, com défices associados a “elevada taxa de esforço e ritmos de trabalho excessivos”. Além disso, os níveis de stress também aumentam com o que temos mais dificuldades em fazer, pelo que “aumentar a competência” é algo que se torna necessário.

Olhando para o futuro, as mudanças que estão a ocorrer na sociedade, com as transições digital e climática, são dificuldades e, ao mesmo tempo, oportunidades.

A transição digital foi mote para a apresentação de Célia Roque, diretora do Centro de Emprego Oeste Norte. “Estamos a caminhar para a Inteligência Artificial, os chatbots, é algo que se fala como algo de futuro, mas já está aí e é importante que as organizações percebam e se ajustem”, afirmou.

Mas a automatização não deve ser vista como um obstáculo, mas sim um aliado, defendeu. A automação deverá tomar conta das tarefas repetitivas, que as máquinas podem desempenhar com maior índice de produtividade, libertando as pessoas “para tarefas mais complexas”, incluindo as criativas, gerando diferenciação, adianta.

Mas a transição digital não altera apenas a realidade das empresas, mas sim a sociedade em geral, incluindo a forma como as gerações mais novas olham para a vida, trabalho incluído. Introduzir meios tecnológicos aumenta a capacidade de retenção de talento nas empresas, sublinha Célia Roque. As novas gerações “valorizam o bem-estar”, algo que as empresas têm forçosamente que implementar.

É aqui que entram os dois temas seguintes: a felicidade no trabalho e a inteligência emocional.

Da primeira falou Álvaro Cidrais, da empresa de consultoria Acidrais, que, aplicando uma metáfora com o mundo do futebol, entrou a pés juntos: “estamos numa sociedade profundamente desumanizada”, afirmou, “o que está a prejudicar de forma impressionante” empresas e pessoas. E concretizou: “a improdutividade [das empresas] não tem a ver com improdutividade [das pessoas], tem acima de tudo a ver com a questão que nós não os preocupamos com os outros, não trabalhamos a felicidade dos outros”. E isso é um problema nas organizações.

Citando Soichido Toyoda, antigo presidente da Toyota, Álvaro Cidrais disse que “é possível obter resultados brilhantes com pessoas normais”, e o inverso também se aplica. Aplicar este princípio parte muito da liderança das empresas. “A felicidade cultiva-se, é fator de desenvolvimento e resiliência, também nesta transição digital”, e “nada é mais produtivo do que um funcionário feliz”, refere Álvaro Cidrais, acrescentando que há três eixos fundamentais da liderança para a felicidade. Estes passam por organizar processos, atribuindo funções bem definidas, nas quais as pessoas se sintam seguras e autoconfiantes. Estabelecer objetivos claros e alinhados entre a equipa. E criar um ambiente de trabalho positivo.

Neste processo, a emoção pode ser “a grande energia criativa de tudo”, disse Álvaro Cidrais, mas também pode ser o contrário, se for excessiva, sugeriu Filipe Ferreira, da Associação Portuguesa de Superação e Desenvolvimento Humano. É então que tem que entrar em campo a inteligência emocional, que nada mais é que gerir as emoções, com a razão, ou os “valores”, como indicou Filipe Ferreira.

A gestão das emoções é fundamental numa empresa porque o nível de exigência “está a originar pessoas mais competitivas, mais isoladas, mais individualistas e mais frustradas”, considera, e essa gestão tem que partir da liderança das organizações. “Líderes mais focados na gestão emocional estão mais abertos ao porquê” do seu negócio, a razão de ser que torna o produto como um meio e não como o fim e, deste modo, único e diferenciado.

A relação com o trabalho já não é para a vida, como era há alguns anos. Eo trabalho temporário, do qual falou Hernâni Pessoa, da Eurofirms, pode ser uma solução para empresas e trabalhadores. Ainda no período da manhã, o orador apresentou o lado B do trabalho temporário, muitas vezes visto como trabalho precário, e apresentou-o como “uma boa forma de entrar no mercado”. Para as empresas, esta modalidade é uma forma de encontrarem mão-de-obra especializada e previamente selecionada para substituir alguém, ou responder a súbitas necessidades, como grandes encomendas ou trabalho sazonal. Para quem procura trabalho, “garante flexibilidade na gestão do onde, quando e por quanto tempo”, além abrir perspetivas de integração na empresa.

O período da tarde foi dedicado às organizações. A contabilista Luísa Oliveira, da empresa Oliveira- Apoio à gestão, que abordou os benefícios extra-salariais, como é o caso dos quilómetros em viatura própria, ajudas de custo, gratificações de balanço, subsídios de refeição ou abonos para falhas. Também o teletrabalho, remunerações em espécie e a utilização de viatura própria podem contar com estes benefícios.

E, porque a segurança e saúde no trabalho são fundamentais, Luís Amorim, da Fermabe, falou sobre os riscos psicossociais, que “decorrem de deficiências na conceção, organização e gestão do trabalho, bem como de um contexto social de trabalho problemático”, e podem originar stress, esgotamento ou depressão. Entre os factores que podem contribuir para estes problemas estão as cargas excessivas de trabalho, falta de clareza na definição das funções, insegurança laboral, ou o assédio psicológico ou sexual.

Problemas de saúde mental, como a depressão ou a ansiedade, doenças cardiovasculares, dependências ou mesmo o desequilíbrio entre a vida profissional e pessoal foram apontados como os principais perigos para os trabalhadores. Luís Amorim deu mesmo o exemplo do aumento de 10 milhões gastos em antidepressores, entre 2017 e 2022, em Portugal. Mas também para as empresas os riscos prisossociais têm custos, que se prendem com a diminuição da motivação, desempenho e produtividade, do compromisso com a empresa, o aumento dos riscos de conflito e também de absentismo. O responsável apresentou um programa de saúde e bem-estar psicológico, denominado Flex saúde, que estuda a saúde das organizações e visa combater os riscos psicossociais.

A ligação da universidade às organizações esteve em destaque nas intervenções de Cristina Simões e de Sandrina Leal, diretora científica e pedagógica e professora coordenadora e investigadora do Instituto Superior D. Dinis, respetivamente. A partilha de saberes entre a academia e o mundo profissional foi evidenciado por Cristina Simões, que deu o exemplo deste estabelecimento de ensino superior na Marinha Grande, que possui 300 empresas parceiras.

“Não consigo conceber o ensino superior em Portugal se não tiver uma interligação absoluta com o mercado de trabalho”, disse a responsável, destacando que o mercado busca “profissionais completos”. Já Sandrina Leal abordou as novas realidades do trabalho e as preocupações com o bem-estar e o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. As consequências da pandemia e a transição para futuros trabalhos de forma inclusiva, justa e sustentável, também estiveram em foco. ■

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