Antes da homenagem do município, recordamos algumas histórias da História da centenária e icónica empresa caldense e do seu fundador
Conheço, como testemunha, mais ou menos próxima, a história de aproximadamente dois terços da vida da empresa centenária caldense Thomaz dos Santos.
Durante um período importante, quando o trânsito rodoviário ainda não era tão denso como na atualidade, uma caraterística que sobrelevava era encontrar sempre, em qualquer ponto do país a transitar, uma camioneta ostentando a marca “Thomaz dos Santos”. E, especialmente entre Lisboa e Caldas da Rainha, havia um trânsito permanente de veículos pesados transportando barras de ferro e aço.
A empresa caldense Thomaz dos Santos, fundada em 1922 pelo casal Thomaz, nascido em 1899, e Maria Joaquina, sua esposa, foi e é uma das principais empresas do tempo da idade industrial portuguesa, negociando um bem central da reconstrução do país – o ferro, aço e outros metais como a folha de flandres, o cimento e a cerâmica de construção, e outros materiais para as obras urbanas, de que foi o agente dos principais fabricantes e exportadores nacionais e internacionais.
Interessante o seu marketing inicial nos idos anos 20 do século passado, patente nas páginas do nosso jornal – também quase centenário – em que os seus produtos eram apresentados como “os melhores e mais baratos de todos com qualidade garantida” e com preços “especiais para revendedores”. Este foi o slogan na edição especial da Gazeta do 15 de Maio de 1928, a primeira “publicidade” da empresa neste jornal.
Thomaz dos Santos, a partir do seu pequeno estabelecimento, aproveitou a oportunidade da fase inicial da “modernização” do nosso país, com a colocação de “água em casa”, através do fornecimento de canalizações e, como se dizia na época, também se podia encarregar de “instalações completas com pessoal competente, porque também tinha sido a “quem foi adjudicada a construção dos respetivos ramaes e que em breves dias começam a ser colocados” na via pública (como se lê em anúncio na Gazeta de 15 de Agosto de 1928).
Recorde-se igualmente que a introdução na construção pública e privada da folha de flandres (um laminado a frio, revestido por estanho puro, para evitar a corrosão e ferrugem, com alta resistência e maleabilidade), constituiu um dado novo na sociedade a partir dos anos 20 em Portugal, antes do alumínio. Sendo a Bélgica (Flandres é uma região daquele país e da Holanda) o principal país de proveniência deste material, não admira que, em 1972, nas comemorações do cinquentenário da empresa, Thomaz dos Santos tenha sido distinguido pelo rei belga Balduíno com o Grau de Cavaleiro da Ordem da Cova, como “reconhecimento daquele país pelo homem que com o seu esforço conseguiu estreitar as relações comerciais” com Portugal.
Nesta mesma edição lembrava-se que “há precisamente 50 anos, um rapaz que não tinha mais nada do que uma vontade férrea de vencer na vida, começou, cautelosamente, a travar uma luta gigantesca contra o destino”. E continuava o texto referido que “devido às suas qualidades de trabalhador, hoje, pode-se orgulhar de ter vencido, proporcionando não só aos seus, como a todos os funcionários, uma satisfação íntima de bem-estar”.
E, no que era a responsabilidade social da época, no dia do seu 73º aniversário, a empresa ofereceu a todos os seus trabalhadores um almoço, distinguindo simultaneamente os seus mais antigos empregados, Mário Rebelo da Silva e José Nobre, que os caldenses conheceram bem, pelos seus 41 e 37 anos de serviço, com uma “viagem de avião”, como era sublinhado, à Bélgica e Holanda. Nessa homenagem “realçaram as qualidades natas do homenageado, qualidades essas que o elevaram à posição cimeira no comércio de ferros, não só no nosso país, como no estrangeiro”.
As colunas deste jornal testemunham também os avanços e os passos fundamentais da transformação de uma pequena empresa familiar criada no Largo Heróis de Naulila, 26, depois do seu fundador ter iniciado o seu percurso de vida “logo após a instrução primária, como marçano (aprendiz de caixeiro) enquanto concluiu com aproveitamento o curso noturno da Aula Comercial, cujos conhecimentos se revelaram muito importantes no desempenho da sua atividade”.
Na edição do nosso jornal de janeiro de 1957 pode ler-se a constituição da Sociedade por Quotas com o nome do fundador, com a segunda geração de herdeiros, com um capital de 1000 contos (hoje 5.000 €), e, na edição de 15 de Julho de 1988, a empresa passou a Sociedade Anónima, com um capital de 260 milhões de ações de mil escudos (1,3 milhões de euros), mantendo sempre o seu cariz familiar, agora com o capital repartido pelos sócios da segunda e terceira geração da família.
Voltando ao início e com o arranque das obras públicas no país, especialmente depois da 2ª Grande Guerra, a empresa cresceu sustentada e permanentemente, criando na margem direita do Tejo, perto de Lisboa, um grande entreposto, onde era recebido por via marítima o ferro importado dos principais mercados internacionais, nomeadamente europeus, e depois distribuído pelo país ou ainda enviado para outros países, nomeadamente para as colónias africanas.
Interessante que a partir de certo momento nas suas campanhas a empresa dizia que “nem só de ferro vive a nossa firma”, juntando à sua extensa gama de produtos, artigos tão especiais como materiais agrícolas e prensas para o vinho, solas e cabedais, artigos de caça, tintas, pneus, pólvora (da “Fábrica do Estado”) e acrescentando, logo na final da década de 20 e depois em 30, uma extensa lista de representantes em Peniche, Bombarral, Óbidos, Nazaré, S. Martinho do Porto, Rio Maior, Alcobaça e Leiria, a que se seguiram outros por todo o país.
Recordo, não sei se como lenda da época ou história verídica, o casal fundador da empresa, à noite, nos anos 60, no café Marinto e noutros estabelecimentos próximos da sua residência, jantando e levando a fruta produzida pelos próprios na sua propriedade agrícola na freguesia de Vidais. Era um sinal de poupança e exigência de produtos genuínos de produção própria.
Outras histórias se contavam pelos seus contemporâneos, para atestar a sua capacidade de resiliência nos negócios, como hoje se diria, pelo que foi muitos anos e ainda é para muitos, a empresa de referência das Caldas da Rainha.
Ainda hoje é uma referência para grandes obras públicas, onde o abastecimento impõe grandes fornecimentos de materiais estruturais, continuam a pontuar na vida económica das Caldas.
Foi também uma empresa que pagou sempre os seus impostos nas Caldas da Rainha, não fugindo às obrigações com a sua terra e região, fator que é estimável e definidor da sua caraterística original. O município distingue-a agora, e em boa hora, com a Medalha de Honra da Cidade pelo seu centenário. Gazeta das Caldas saúda-a por tal distinção!
O ferro nas grandes obras públicas
Estamos em junho de 1963 e, nas páginas da Gazeta das Caldas encontramos um anúncio da Thomaz dos Santos Lda. onde se lê que os armazenistas e importadores de ferros, ferragens e materiais de construção e agrícolas, com instalações em Caldas e Sacavém, são “o fornecedor de ferro para betão armado aplicado na Ponte da Arrábida (o maior arco do mundo em betão armado)”. Mas esta imponente (e, ao seu tempo, avançada) obra sobre o rio Douro, assinada pelo arquiteto Edgar Cardoso, que com quase meio quilómetro ligava o Porto (na zona da Arrábida) a Vila Nova de Gaia, foi apenas uma das que foram construídas com ferro da icónica empresa caldense.
O fundador da empresa é uma personalidade que se destacou pelo empreendedorismo, mas não só! Nascido a 19 de março de 1899, nas Caldas, sobre Thomaz dos Santos ainda hoje se ouvem muitas histórias. A distribuição das moedas de 2 escudos e 50 centavos (os chamados 25 tostões) às crianças pela ocasião do Pão por Deus é uma memória comum a muitas gerações de caldenses e que é, anualmente, relembrada.






























