Bem depois de dois dias de pânico o país está agora amedrontado mas tentando voltar ao normal. Há 430.000 pessoas desalojadas, mais de 10.000 desaparecidas e mais de 2.000 mil falecidas. “JPtv terramoto no Japão” é a página da facebook com informação em português. De momento, na minha zona (Zuchi) incluindo o acesso para Tokyo, a maior parte dos comboios não estão em funcionamento, os supermercados ou estão fechados ou vazios. Na zona mais afectada continua a procura e o resgate dos sobreviventes.
Milhares de grupos profissionais nacionais e internacionais estão ajudando. Os sobreviventes estão refugiados em estádios e ginásios mas há bastante falta de água, comida, aquecimento.
Os tremores continuam ainda com a grande probabilidade (de 70%) de haver um sismo de grau 7 na mesma zona causando então o rompimento total da central nuclear e contaminado milhares de quilómetros à sua roda. Por enquanto dos sete núcleos das centrais dois já foram afectados e é interdita a estadia de pessoas num raio de 20 quilómetros.
Os sismos não estão concentrados na zona norte porque simultaneamente atingem a zona montanhosa de Nagano, etc. Significa isto que, de momento, tanto do mar com na montanha a mais de 500 quilómetros de distância os sismos estão a ocorrer.
As televisões passam informação 24 horas por dia, desde a zona de Kanto (Tokyo etc.) para norte, apesar de todos terem restrições no abastecimento de electricidade, das 3 horas de manhã às 3 horas da tarde, mudando o horário dos cortes todos os dias.
O momento do Terramoto
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Eu estava em Tokyo. Tinha saído da embaixada de Portugal momentos antes e ia para a estação de TV onde participo semanalmente num programa de noticiário. Entrei no metro e mesmo antes das portas se fecharem toca um alarme forte. Ninguém estava a entender até anunciarem que estava a ocorrer um terramoto. Sai da carruagem a correr em pânico, com as escadas e paredes tudo a tremer e eu a gritar pelo nome da minha filha. Ficar trancada no fundo da terra era mesmo a última coisa que eu queria.
Saí para a rua como milhares de outras pessoas todos já com máscaras na boca, como já é costume no Japão, para nos protegermos das gripes em recintos fechados.
Cá fora os arranha céus balançavam como torres de lego altas de mais. Não sabendo para aonde correr, fui para o meio do cruzamento, juntar-me já a um grupo que lá estava(as ruas, passeios, etc., são muito mais estreitos no japão).
É interessante em toda esta acção ninguém fala nem grita. Tudo em silêncio. Logo todos a tentar pelo telemóvel contactar com os seus. Mas claro os telemóveis não funcionam.
Soube depois que há uma linha – 171 – própria onde cada pessoa pode deixar mensagem avisando da sua situação. Eu pus-me na bicha numa cabine telefónica – única forma de contacto no momento.
Entretanto o chão pára e volta a tremer durante as três horas seguintes. Tal como muitos outros, eu fiquei na rua pois entrar em edifícios não parecia nada seguro. Acabei por ouvir que o epicentro tinha sido mais no norte mas sem detalhes sobre a magnitude ou tamanho dos danos.
Depois de três horas na rua decidi andar até a estação de TV onde ia trabalhar. Claro que o nosso programa estava cancelado e todo o pessoal a correr para filmar os arredores. Os escritórios mais desarrumados que nunca.
Como moro a 70 quilómetros de onde estava, não poderia regressar pois os transportes estavam parados. Contactei uma amiga em Tokyo e dirigi-me para sua casa onde passei a noite ajudando a apanhar e arrumar todo o estrago causado. Milhares de pessoas na rua se dirigiam a pé para suas casas a maior parte a cinco, seis ou 10 horas de caminhada.
Depois de uma noite de abalos de terra consecutivos, todos os canais televisivos com imagem do desastre, sobretudo do maior Tsunami já visto.
Ondas de mais de um segundo a terceiro andar altura em linha recta e perfeita de uma ponta a outra do horizonte. Uma atrás da outra, as ondas avançam em alta velocidade e engolem totalmente as vilas costeiras.
Imagens filmadas por helicóptero. Carros a fugir pelos campos plantados e o mar a alta velocidade a segui-los até os ultrapassarem e continuar levando tudo, completamente tudo à sua volta.
É impressionante como também o mar escolhe as estradas por onde avança ainda com mais velocidade. Imagens horrorosas de completa destruição causada pela força do mar. Casas, carros, navios, tudo varrido em segundos.
Durante a noite respondi a muitas entrevistas telefónicas com Portugal que logo me contactou após o desastre (o telemóvel acabou por só receber chamadas do estrangeiro).
Decidi partir de volta a casa. Os comboios e as estações estavam num caos total. Mas depois de três horas, enlatada em diversos comboios, pois directos não havia, cheguei de volta a minha terra Zushi. Fui ter com a minha família que tinha passado a noite sem luz e sem notícias sobre o desastre.
E depois
Dois dias depois a população está dividida em dois grupos: os que já partiram ou para o estrangeiro ou para o sul do Japão e o grupo que estando sempre alerta aqui ficou esperando que a situação se acalme.
O meu marido, como Quiropractor, continua a trabalhar com os pacientes que necessitam pois se bem que felizmente houve muito pouco estrago nesta cidade de Zushi, o stress é interior é extremo como devem imaginar. Eu felizmente, por enquanto, não tenho de ir trabalhar, estou em casa, acalmando a minha filha, com a vizinhança ajudando, conversando, partilhando o apoio mútuo.
E rezando para que não chova pois aí o derrame nuclear irá alastrar-se junto.
As temperaturas são de máximo 13…14 graus, com ventos do Sul e sudoeste de 10 metros máximo (detalhe de doença de oficio: eu sou uma windsurfer)
Cá em casa já preparamos as mochilas cheias com água, enlatados, chocolate, mantas, lanternas, remédios, baterias e rádio, luvas e máscaras prontos para uma eventual fuga em caso extremo sobretudo de derrame nuclear.
Como não haverá transportes temos também um mapa com a rota destino Sul. E as nossas bicicletas estão a postos para a partida.
Segundo o mapa, 300 quilómetros poderão ser percorridos em dois dias e três horas a pé. Mãe, Pai e filha de oito anos a postos para o que der e vier.
O povo japonês continua calmo, mas cada um vendo a TV, ouvindo noticias, aprendendo o que puder, observando o que pode para causar o menos inconveniente possível e sair salvo desta infeliz situação.
Please wish Japan luck! And please pray for the best results! (Rezemos pela rápida segurança de todos.) Sónia Ito
Sónia Ito
Sónia Ito com a filha Júlia Ito numa rua de Zushi onde vivem
Sónia Ito é uma luso-japonesa filha de um casal também luso-japonês, que vive há 30 anos no Japão. A ligação às Caldas deu-se em 1997 quando visitou pela primeira vez a cidade para servir de intérprete de um ceramista japonês que ministrou um curso de raku no CENCAL. Depois viria outra vez às Caldas no ano seguinte com um grupo de vários ceramistas japoneses e de uma professora de ikebana para ministrarem vários cursos também no CENCAL.
Nessa altura os pais adquiriram uma casa na Foz do Arelho, para onde passaram a vir fazer férias em Portugal a partir desse ano.
Hoje, a mãe de Sónia Ito, Maria de Lourdes Takeishi, que é leitora da Gazeta das Caldas, considera Caldas da Rainha, cidade adoptiva, onde fez grandes amigas e amigos, e pelo grande gosto e prazer que tem de passar cá alguns dos meses em que o clima japonês é mais inclemente.
Pelo grande gosto que tem pela região, realizou o casamento da sua filha mais nova em Óbidos, seguindo-se a festa no restaurante S. Rafael. Do Japão vieram vários convidados, que assim contactaram com vários aspectos marcantes da cultura local.
Sónia Ito fez a sua formação nas Universidades do Japão e da Austrália, na área da Antropologia, tendo como actividade a tradução japonês-português e inglês e servir de intérprete em inúmeros eventos, especialmente nas corridas de automóveis no Oriente. Também produz e participa em programas de rádio e televisão, um dos quais foi referido há vários anos no nosso jornal, sobre visitas a locais célebres do mundo.
É, pois, com imensa ternura que publicamos o seu depoimento pungente sobre a tragédia que se abateu sobre o Japão e cujas consequências ainda não se conhecem na totalidade, dada a incerteza que rodeia o que se vai passar com as centrais nucleares atingidas pelo terramoto e pelo tsunami.
Gazeta das Caldas agradece o envio deste testemunho, desejando que tudo acabe melhor do que as expectativas deixam entender, e que o Japão recupere rapidamente desta tragédia, apesar das imensas perdas humanas e materiais.
Para esta família luso-japonesa e nossa conterrânea de certa forma, até ao momento nada aconteceu para além do tremendo susto, mas mesmo assim queremos transmitir o nosso pesar e solidariedade pela tragédia no seu pais.