O amor, os amores proibidos, a paixão, estão quase sempre ligados aos doces e às bebidas. Se em Alcobaça se revive e perpetua o drama amoroso de D. Pedro e de D. Inês, também, desde há muito, a paixão pelos doces aqui se cultiva, a partir do momento em que se instalaram as ordem religiosas.
Não porque haja uma relação directa, mas porque, como é sabido, os conventos produziam grandes quantidades de ovos e era uma forma de os aproveitar e de obter rendimentos para as ordens e seus residentes.
Por esse mundo fora, outras histórias de amor proibido e de doces marcam cidades que aproveitam esse facto para hoje captarem turistas e investimentos. Basta recordar Verona com o seu drama trágico de Romeu e Julieta, imortalizado por Shakespeare, ou – como hoje fazemos – Teruel, na província de Aragão em Espanha, com os seus inconsoláveis amantes.
Teruel esquecida no reino de Aragão
Teruel foi terra do esquecimento durante muitos anos no interior profundo do país vizinho. Situada entre Valencia e Saragoça, na meseta de Teruel, estava afastada das grandes vias de ligação entre os principais centros económicos e populacionais espanhóis. A falta de acessos dignos e as dificuldades na travessia daquelas formações montanhosas, afastavam os visitantes.
Só com os dinheiros europeus, que permitiram abrir rapidamente estradas e caminhos-de-ferro em todo o território espanhol, a cidade voltou a estar acessível com facilidade, apesar da distância. Hoje é uma das atracções turísticas do interior nordeste ibérico.
Mas antes de descrevermos a história dos amantes de Teruel, recordamos que ali se encontram como doces típicos (e ligados aquela narrativa) os beijos e os suspiros dos amantes ou os sonhos de Teruel, tal como em Verona podemos encontrar o chocolate e os beijos dos amantes Julieta e Romeu, ou o doce do cupido.
Alcobaça não foge a esta regra e encontram-se também nas pastelarias locais, onde se preserva a tradição dos doces conventuais, os segredos de D. Pedro ou os diários de Inês, para não falarmos nos outros doces conventuais como a divina gula, os fradinhos, os ovos do paraíso, o manjar dos deuses, o toucinho do céu ou torrão da abadessa, que não praticam títulos muito profanos.
Mas tanto em Verona como em Teruel, também o vinho é dedicado aos amantes, uma vez que em ambas as cidades se pode provar o prosseco Romeu, o rosé Julieta ou o vinho dos amantes.
Teruel conhecida “terra de amantes”
Teruel é uma cidade monumental de média dimensão, se a compararmos com as principais cidades espanholas, mas reúne um conjunto arquitectónico interessante, ligado à colonização mudjedar. A maioria dos museus tem entrada gratuita em muitos dias. Contudo, o pequeno Museu dos Amantes de Teruel obriga ao pagamento de 4 euros por cada visitante. Apesar do custo, é uma das atracções da cidade mais visitadas.
O picante e o proibido da lenda dos amantes é um chamariz que os responsáveis locais não esquecem e exploram alegremente. A história dos amantes não está ligada à alta nobreza de Aragão, um dos reinos mais importantes da Espanha medieval, mas a dois jovens – Juan Diego Martínez de Marcilla e Isabel Segura – que representam para as gentes da região o símbolo do amor puro, casto e trágico, tendo inspirado a imaginação de escritores, poetas, músicos, pintores e cineastas, que ultrapassaram fronteiras. É exemplo o filme Luna de miel de 1958 de Michael Powell, com música de Mikis Theodorakis.
A história dos amantes
A história meia lendária passa-se no ano 1212 em que Teruel era nesses tempos uma praça cristã, conquistada no século XI pelo Rei Afonso II aos ocupantes “infiéis”, fazendo fronteira com as taifas muçulmanas do Levante.
Numa casa existente na hoje denominada rua dos Amantes vivia o fidalgo Martin Martinez de Marcilla, Juiz de Teruel, e Constanza Perez Tizon, que do casamento tiveram três filhos: Sancho, Diego e Pedro.
Próximo vivia a família de Pedro Segura, outro fidalgo menos prestigiado, mas que havia conseguido poder pelos seus êxitos comerciais, tendo-se convertido numa das famílias mais poderosas de Teruel através do casamento dos respectivos filhos. A filha única de Pedro Segura, Isabel, enamorou-se desde a adolescência por Diego. Contudo, como era o segundo na linha de descendência, não tinha direitos de herança nem fortuna pessoal para oferecer à sua amada. Os pais da rapariga desejavam alguém com poder económico idêntico ao que tinham. Diego ainda arriscou o pedido da mão de Isabel, ao que o pai negou drasticamente o casamento, por mais súplicas da filha e do namorado.
Entretanto Diego e Isabel, que nunca casariam sem autorização dos pais, fizeram um pacto: ela esperaria cinco anos, período durante o qual Diego abandonaria a cidade e iria procurar fortuna, para voltar a Teruel e pedir novamente a mão de Isabel. Caso ele não regressasse nesse prazo, ela ficaria livre e podia casar com outro, mas prometeu fidelidade durante esse período.
Diego alistou-se nas tropas do rei de Aragão, D. Pedro II, com o objectivo de regressar a Teruel coberto de glória e com o dinheiro suficiente para cumprir o seu desígnio ou, se não o conseguisse, morrer no campo de batalha.
O tempo passava e Isabel nunca mais teve notícias de Diego, pelo que a esperança se ia esfumando, pensado o pior e consumindo o seu tempo a rezar nas igrejas da cidade.
Aproxima-se a tragédia
Vários anos depois, o pai, cansado da promessa da filha e querendo dar continuidade ao seu legado, obrigou-a a aceitar uma proposta de casamento de outro fidalgo de Teruel, também rico e ilustre, de nome Pedro de Azagra.
Isabel que manteve a sua fidelidade a Diego durante esse tempo, foi assim obrigada a quebrá-la na falta de Diego. A boda foi marcada para o dia em que se cumpria o final do prazo do juramento, cinco anos depois.
Mas a má sorte fez com que nesse dia Diego regressasse, com fortuna e vitorioso, sem ter avisado previamente da sua chegada, pois queria fazer uma surpresa a Isabel.
O primeiro e último beijo
Uma das lendas conta que, já a meio da tarde, quando Diego entra na cidade montando num cavalo na direcção da casa da sua namorada, é surpreendido pela boda comemorada por muita gente, tendo sabido que Isabel se tinha casado.
Louco de amor e trespassado pela amargura, entra em casa dos sogros para saber a verdade da boca de Isabel, pedindo para falar com ela a sós, o que aconteceu, tendo Diego prometido partir para sempre de Teruel depois de dar um beijo que seria o primeiro e o último. Mas Isabel, fiel ao compromisso assumido momentos antes, recusou três vezes esse beijo, o que provocou uma comoção imensa em Diego, fazendo-o cair morto a seus pés.
Como Isabel tardava em regressar, o marido foi procurá-la, encontrando-a junto do cadáver de Diego. Pegou nele e foi deixá-lo na rua perto da casa dos seus pais.
O funeral de Diego e o beijo de morte
Conhecedores do que ocorrera, a família de Diego fez os funerais. Nesse dia, Isabel, trespassada pelos remorsos por haver negado o beijo a Diego, acercou-se da igreja onde velavam o seu corpo e deu-lhe em morte o beijo que havia negado em vida, tendo morrido repentinamente a seu lado.
Depois de ambas as famílias terem conhecido o desenlace trágico, decidiram enterrá-los juntos em dois túmulos numa das capelas da Igreja de S. Pedro de Teruel, ficando a ser conhecidos pelos “Amantes de Teruel”.
Desde 1955, ano em que se celebrava o 4º centenário da tragédia, o escultor Juan de Ávalos concebeu um mausoléu imponente em alabastro e bronze onde repousam os restos dos amantes, com as mãos a roçarem-se mas sem se tocarem, como símbolo do amor fracassado, que é hoje uma das atracções maiores da região.
Na casa onde se encontra o mausoléu, concebido pelo arquitecto Alejandro Canada, existe uma parafernália de recordações, que vão dos CD´s, fotografias, livros, vinhos, doces, roupas, chapéus de chuva, etc…
O edifício tem várias salas que abordam temas diversos como o amor em tempos difíceis, a história dos amantes, os amantes fonte de inspiração e o repouso dos amantes onde estão os túmulos.
Anualmente comemora-se na cidade de Teruel, em honra dos amantes, as bodas de Isabel de Segura, no terceiro fim de semana de Fevereiro, com a representação nas ruas da cidades de histórias e lendas medievais que atraem o público.
José Luiz A. Silva
jlas@gazetadascaldas.pt






























