
“Não podemos esquecer a nossa responsabilidade no fluxo de refugiados actual”, defendeu Pedro Cordeiro numa tertúlia de comemoração do 35º aniversário da AIRO, celebrado no dia 11 de Novembro. Mais de cem pessoas estiveram presentes no jantar e na conversa que contou também com Rosário Farmhouse (ex-Alta Comissária para as Migrações), no bar do CCC.
Recordando que Portugal deve receber dez mil refugiados, Pedro Cordeiro, jornalista do Expresso, fez notar que existem neste país 3092 freguesias. Em média, cada uma deve receber três refugiados. “Quem não consegue fazer isso, mais vale arrumar as botas e ir embora”, defendeu.
Isto porque “não há muros ou cercas que parem este fluxo pela sobrevivência pelo que, por cada muro erguido, surgirá uma nova rota”.
É que, se já é mau ter de sair do país por razões económicas – uma situação que os portugueses conhecem bem -, muito pior é ter de sair porque se corre risco de vida.
“Nós de países prósperos não podemos esquecer a nossa responsabilidade na situação de muitos outros e no fluxo de refugiados actual”, afirmou.
Depois da eleição de Donald Trump é precisa “ainda mais coragem e crença num futuro e num mundo melhor”, disse o jornalista, que lembrou a História e a paz que a queda do muro de Berlim trouxe ao mundo. Lembrou como a paz foi abalada pelo 11 de Setembro e pela Primavera Árabe e como de imensos candidatos a entrar na UE, passámos a ter um país a querer sair, e como de opções moderadas a vencer eleições, passámos a ter opções extremistas no poder.
Se em Portugal ainda não estamos muito despertos para o populismo porque não surgiu nenhum fenómeno deste tipo, também não estamos livres. Portanto, “mais do que catalogar os apoiantes, é útil perceber porque aparecem estes fenómenos radicais e porque conseguem apoio”. É preciso perceber que vícios de corrupção e conluio, que processos de igualdade e justiça levaram à rejeição das operações moderadas.
Acusou as tecnologias de, ao oferecerem aos utilizadores coisas relacionadas com os gostos e hábitos de consumo, fecharem as mentes à diferença. A terminar elogiou António Guterres e a forma como foi escolhido para secretário-geral da ONU.
EM PORTUGAL HÁ UM RACISMO SUBTIL
Rosário Farmhouse apelou a uma maior educação cultural, fazendo notar que “todos temos preconceitos”. Com uma apresentação dinâmica e apresentando casos concretos, argumentou que “muitas vezes estranhamos o diferente e esquecemos que nós também somos estranhos para os outros” e que vemos o mundo apenas do nosso prisma.
Alertou que em dez anos o número de refugiados subiu dos 36 milhões para os 60 milhões e que “a Europa só acordou agora porque lhe bateram à porta”.
Portugal recebeu no último ano quase 900 pedidos de asilo, um aumento para quase o dobro face a 2014. E é também um dos países que, proporcionalmente, mais refugiados irá receber.
A oradora apontou a “um racismo subtil que existe em Portugal e que é muito difícil de combater porque os discursos são politicamente correctos”.
Pediu que a Educação Intercultural faça parte do currículo de ensino desde o primeiro ano de escola e fez notar que há muito a ganhar com a vinda dos refugiados, tanto do ponto de vista demográfico como dos saberes. E exemplificou esta última ideia: em Alfeizerão, na Casa do Pão de Ló, já há Baklava, um doce típico dos países que se formaram com a queda do Império Otomano.
Além disso partilhou alguns dos sentimentos que os refugiados lhe disseram sentir em Portugal: o ambiente é pacífico e sem animosidades e os portugueses são um povo mais aberto para ouvir e ajudar. Noutros países da Europa existe respeito, mas não interacção.
A terminar, a ex-Alta Comissária para as Migrações, mostrou esperança de que, com os jovens que viajam e têm uma mente mais aberta, se resolva a confusão entre caridade e solidariedade. É que, como disse alguém da plateia, “gostamos muito de ajudar um desgraçadinho, de ter o nosso desgraçadinho de estimação, mas quando ele passa a ter uma exigência maior, como um trabalho ou uma casa, já achamos que está a exigir demais”.
Ana Carneiro Pacheco, presidente da AIRO, citou o Papa Francisco, quando falou na globalização da indiferença e apontou à indústria do armamento como desestabilizadora da paz.
Como o homenageado era António Guterres, Ana Carneiro Pacheco aproveitou para dizer que o novo secretário-geral das Nações Unidas “é um refúgio de equilíbrio neste mundo”.































