João Seixas explicou a mecânica quântica e como a sua descoberta tem fortes impactos quer na nossa perceção do mundo da física, como em termos filosóficos, que defende estarem sempre interligados
A descoberta da mecânica quântica e de como funciona não veio só alterar o conhecimento científico, ela também tem implicações filosóficas. Esta é uma das principais conclusões a que pôde chegar quem assistiu, na passada sexta-feira no auditório da Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro, à conferência “Um Quantum de Quântica”, com o professor João Seixas.
A física clássica aponta a uma Natureza que é determinista. Segundo esta, uma ação determina sempre o mesmo resultado (por exemplo, se eu bater uma bola sempre da mesma forma e eliminar todas as condicionantes, como o vento, ela vai sempre cair no mesmo local). No entanto, a física quântica é probabilística, o que significa que disparar uma partícula sempre da mesma forma vai gerar um conjunto de resultados prováveis e não apenas um resultado.
Isto abre novas perspetivas. Se o determinismo colocava de parte o livre-arbítrio na Natureza, ou seja, desde o Big Bang, tudo o que acontece no universo está pré-determinado, incluindo possivelmente, num campo filosófico, o rumo das vidas de cada um de nós, uma Natureza probabilística devolve esse livre-arbítrio e indica, ao mesmo nível, que as escolhas que fazemos todos os dias podem ser, de facto, escolhas.
“A ciência tem que coexistir com a nossa visão do mundo e como o interpretamos. A mecânica quântica tem um papel essencial, não julguem que é uma coisa menor”, afirmou João Seixas.

Embora não tenhamos essa perceção, já há um conjunto de aparelhos, sem os quais a vida quotidiana como a imaginamos não seria possível, que aplicam a mecânica quântica. “A primeira aplicação acontece nos anos 1950, com a descoberta do transístor, dos semicondutores, que revolucionaram as telecomunicações, os computadores, os lasers, tudo e mais alguma coisa”, disse João Seixas.
A descoberta da mecânica quântica aconteceu em finais do século XIX. James Clerk Maxwell tinha descoberto que magnetismo e eletricidade são dois aspetos da mesma coisa. Isso abriu a curiosidade para perceber como é que a luz, um fenómeno eletromagnético, interage com a matéria. Através dos princípios do eletromagnetismo e da termodinâmica, que serviam de base à física clássica, Kirchhoff conduziu a experiência do “corpo negro”, na qual se projetam ondas de luz para dentro de uma cavidade, da qual esta não pode sair. Aquecer o “corpo negro” deveria explicar a relação da luz com a matéria, mas os resultados causaram choque na comunidade científica, uma vez que indicavam uma emissão infinita de energia em altas frequências. “A física que se conhecia na altura não conseguia explicar os resultados obtidos, por isso, alguma coisa estava profundamente errada”, disse o orador.
Max Planck conseguiu “martelar” a lei da termodinâmica de forma a que os resultados previstos fossem apresentados, explicou o professor, “mas isso obrigava a que a troca de energia entre as paredes da cavidade e a luz que lá estava dentro devia ser feita por pacotes [quantum, em latim] de energia, não havia distribuição contínua, como na física clássica”, explicou. Assim nasceu a mecânica quântica.
A pesquisa de Heinrich Hertz permitiu novos avanços. Numa experiência em que projetou luz numa placa de zinco, Hertz descobriu que a luz ultravioleta (UV) produzia movimento de cargas elétricas na placa. “Com outras gamas de luz, não havia movimento de cargas, por mais forte que fosse a luz, mas com UV, por mais fraca que fosse, havia corrente, o que era mais uma coisa completamente fora da física clássica”, apontou.
A explicação do fenómeno veio com Albert Einstein. A energia do fotão depende do comprimento de onda e esta só consegue movimentar eletrões se a energia for superior à da ligação do eletrão com a matéria. O problema que isso levantou foi que, assim, o fotão umas vezes é onda, outras vezes é partícula.
Mais tarde, Clinton Davisson e Lester Germer pegaram na experiência de dupla fenda de Thomas Young. Na experiência de Young, provou-se que é possível determinar onde a luz é projetada. Porém, o mesmo não aconteceu com o feixe de eletrões na experiência de Davisson e Germer. “O resultado começa com um padrão aleatório, definem-se sítios onde é mais provável o eletrão ir ter, mas não sabemos com certeza absoluta onde um dado eletrão vai ter, o que faz desta uma teoria que prevê probabilidades”, explicou.
A partir daqui, construíram-se modelos que permitem explicar todos os fenómenos conhecidos que têm estas propriedades, os postulados, que são o equivalente às três leis de Newton para a física clássica. Mas enquanto as leis de Newton descrevem o movimento dos planetas ou de objetos no nosso dia a dia com previsibilidade absoluta, os postulados da mecânica quântica lidam com um mundo onde as partículas têm comportamentos imprevisíveis.
“É como se Deus estivesse a jogar aos dados connosco, mas de uma forma viciada”, ilustrou o professor, recorrendo a uma célebre frase de Albert Einstein. Mas Deus não deixa tudo ao acaso. Apesar de a posição ou a velocidade de uma partícula individual serem imprevisíveis, a evolução da função de onda — que descreve as probabilidades de onde ela pode estar — é determinística. “Se eu souber onde o eletrão está agora, consigo prever a probabilidade de onde estará a seguir”, explicou João Seixas.
É essa convivência entre probabilidades e determinismo que desafia a intuição e muda a forma como entendemos a realidade.
O primeiro postulado da mecânica quântica afirma que o estado de um sistema é descrito por uma função de onda, que contém toda a informação possível sobre ele. Mas há um detalhe intrigante: “a Natureza contém toda a informação, mas não nos deixa aceder a ela por completo”, afirmou.
Isto significa que medir uma propriedade, como a posição de uma partícula, limita o que podemos saber sobre outra, como a velocidade. E se medirmos essas duas propriedades, importa a ordem em que as medições são feitas, porque inverter a ordem dará resultados diferentes, o que aponta para o princípio da incerteza, de Heisenberg.
João Seixas comparou esta situação à leitura de versículos de um texto religioso. A mecânica quântica é, muitas vezes, tão contraintuitiva que exige quase um ato de fé para aceitar os seus resultados. “Mas os dados experimentais confirmam-na. Não é só uma questão de acreditar, é uma questão de ver e testar”, garantiu.
Então, se Deus joga aos dados connosco, fá-lo segundo regras que ainda estamos a decifrar, mas que têm permitido criar tecnologia revolucionária, como a computação quântica. Apesar de ser uma tecnologia extremamente complexa, a vantagem desta é ser muito mais… simples. Enquanto a computação convencional tem que percorrer todos os caminhos possíveis para chegar ao correto, a computação quântica utiliza a superposição e o entrelaçamento quânticos para explorar múltiplas soluções simultaneamente, tornando-a muito mais eficiente a resolver problemas complexos. João Seixas explicou, também, que a encriptação quântica é 100% segura, ao contrário da encriptação que temos hoje, que pode ser quebrada.
É esse, então, o futuro que nos espera… se até lá a Natureza não nos pregar mais partidas. ■































