Se os seus filhos ou netos ainda acreditam no Pai Natal, não os deixe ver este artigo. Fala dos homens que vestem a “pele” de Pai Natal e são a principal atracção da animação de rua e eventos durante esta quadra, levando a que as crianças cheguem a estar horas na fila, à espera, para lhes pedir um desejo. Mas quem são estes senhores que dão vida ao velhinho das barbas brancas e que preocupações têm com os meninos que os procuram? Gazeta das Caldas falou com um Pai Natal de Óbidos e outro das Caldas que, curiosamente, acabam por contar histórias muito idênticas.
Francisco Salvador orgulha-se das suas barbas brancas autênticas que dão credibilidade ao personagem
O Pai Natal de Óbidos
Pai de cinco filhos, ajudou a criar mais dois e tem 11 netos. Francisco Salvador, de 66 anos, residente em Peniche, veste a farda de Pai Natal na Óbidos Vila Natal pelo segundo ano consecutivo, mas já se sente neste papel “há muito tempo”.
O convite feito pela empresa municipal não continha requisitos, mas Francisco Salvador tem alguns, como usar a sua própria barba (que dá mais credibilidade à personagem), a sua experiência de vida e o bom senso para dizer às crianças o que naquele momento precisam de escutar.
“Não me limito a tirar a foto, falo com os que me procuram em busca do que precisam e não é só de prendas”, explica, acrescentando que este ano faz questão de dizer que só lhes dará um único presente, numa tentativa de dissuadir o consumismo desenfreado.
Antes de encarnar o personagem, Francisco Salvador fez o trabalho de casa, verificando os preços dos brinquedos da moda e, quando lhe chegam alguns pedidos, diz aos meninos que “não sabe se os conseguirá satisfazer” e olha para os pais para ver da sua anuência.
O Pai Natal de Óbidos tem também uma preocupação pedagógica, aconselhando-os ao nível do comportamento, a comer a sopa e a dormir sozinhos, pois muitos tardam em largar a cama dos pais. Curiosamente, este ano tem recebido dos meninos dezenas de chupetas, como sinal de agradecimento aos conselhos do ano anterior. Embora contente com o gesto, Francisco Salvador faz questão de salientar que nunca pede às crianças para deixar qualquer vício, apenas lhes aconselha uma alternativa.
A experiência tem sido bastante divertida mas também muito cansativa. “É minha norma atender do primeiro ao último como se fosse só um, porque todas merecem a minha atenção”, disse o Pai Natal que chega a ter filas de três horas de espera para as crianças poderem entrar na sua casa.
Entre os pedidos há os mais excêntricos, como um moto-serra, ou uma cozinha do IKEA, mas também alguns dramáticos, como os de filhos que pedem para que o pai deixe de bater na mãe. Francisco Salvador procura o mais possível resolver e encaminhar essas situações, conforme lhe é possível.
No ano passado houve um caso invulgar de uma menina que lhe pediu uma prenda porque nunca tinha recebido nenhuma. “Fiquei desconsolado e disse-lhe que iria ter nesse ano”, recorda. Francisco Salvador percebeu que a menina estava integrada num grupo e, com a ajuda da equipa da Óbidos Criativa, encontrou o ATL em que ela tinha vindo, pediram fotografias da experiência em Óbidos e conseguiram detectar a menina, que provinha de uma família com grandes dificuldades financeiras. Dado que naquela zona havia outras crianças em situação semelhante, gerou-se uma onda de solidariedade entre os elementos da Óbidos Criativa, que arranjaram vários brinquedos que enviaram para esses meninos. De retorno receberam postais de agradecimento.
“Alguns olham para mim e dizem: és mesmo o Pai Natal porque tens barba verdadeira” e Francisco Salvador não se desmancha: “pois sou!”, destacando que é enternecedor o entusiasmo das crianças.
Jorge Capinha é Pai Natal há três anos e já conhece muitas das crianças que o procuram
O Pai Natal das Caldas
Jorge Capinha, de 62 anos, é o Pai Natal que recebe milhares de crianças no centro da cidade durante esta quadra. O electricista reformado, residente na Cadarroeira (Alfeizerão), não encara esta actividade como um trabalho e diz que encarna realmente a personagem. “Eu visto de alma e coração o Pai Natal. A partir de 24 de Dezembro vou para casa e vou ficar a pensar se de facto os meninos receberam o que lhes prometi”, conta à Gazeta das Caldas.
Natural das Caldas, Jorge Capinha sonhava em pequeno ser professor primário, mas a vida trocou-lhes as voltas e aos 11 anos teve de deixar a escola e ir dar serventia a pedreiro. No entanto, o gosto pela arte e o contacto com as crianças levaram a que, com apenas 14 anos, começasse a fazer espectáculos como palhaço, actividade que manteve ao longo da vida a par de electricista.
O convite por parte da Associação Empresarial das Caldas da Rainha e Oeste (ACCCRO) surgiu há três anos e desde então tem sido o Pai Natal que percorre as principais ruas da cidade durante esta quadra. Jorge Capinha confessa que no início estava indeciso pois não sabia se conseguir fazer este papel diariamente, mas acabou por aceitar e diz que o saldo é “muito positivo”.
Embora esteja um dia inteiro de pé, por vezes chega a casa mais cansado psicologicamente do que fisicamente porque as crianças contam-lhe ao ouvido coisas que não dizem a mais ninguém. E nem sempre são histórias felizes, diz, lembrando que a primeira que ouviu foi a de um menino que, como prenda, lhe pediu que os pais deixassem de bater um no outro. “Não lhe prometi nada, mas disse que ia tentar e só espero que esses pais tenham acabado com essa violência”, conta.
O ano passado um menino pediu-lhe uma consola Wii, mas a família não tinha recursos para lha dar. “Disse-lhe que iria tentar, mas que havia muitos pedidos”, recorda, acrescentando que mais tarde os pais foram ter com ele e disseram que iriam fazer um grande sacrifício para satisfazer a vontade do filho. “Este ano voltaram, a criança não me pediu nenhum presente e os pais disseram que ela tem um cuidado extremo com a prenda”, rematou.
Jorge Capinha procura desenvolver sempre um papel didáctico com as crianças, incentivando-as a comer sopa e fruta. Fala-lhes também dos valores da solidariedade e da partilha, explicando-lhes que há meninos que vivem em guerra e em locais onde o Pai Natal nem consegue chegar.
“Nestes últimos dois anos há pais que me vêm dizer que os filhos passaram a fazer aquilo que o Pai Natal lhes disse para fazer”, conta, satisfeito com o trabalho que está a realizar.
Em 90% dos casos os meninos pedem presentes, mas este ano tem encontrado alguns pedidos para oferecer as prendas a meninos que não têm, o que considera ser fruto do trabalho dos educadores e pais.
“Sinto-me feliz por fazer os outros felizes”, remata Jorge Capinha, casado, com três filhos e sete netos, que também é dirigente associativo, integrando a direcção da Casa do Povo de Alfeizerão.
A história do Pai Natal que nasceu com um bispo da Anatólia
Um dos símbolos do Natal, a personagem do Pai Natal terá sido inspirada na figura de S. Nicolau, bispo de Mira (Turquia) que viveu no século IV e que oferecia anonimamente presentes aos mais necessitados. Reza a história que ele colocava moedas nos sapatos que eram deixados à porta das casas, ajudando assim os mais pobres.
Este santo é representado como um homem sério de longas barbas brancas, com a capa e mitra vermelhas correspondentes ao seu cargo eclesiástico. S. Nicolau terá morrido a 6 de Dezembro, data que muitos anos foi celebrada na Europa, mas actualmente só nos Países Baixos é que parte da população continua a trocar presentes.
A imagem que actualmente se tem do Pai Natal, de um velhinho de barbas brancas e vestido de vermelho, que conduz um trenó puxado por renas e cheio de presentes, teve origem num poema que Clement Clark More, um ministro episcopal, fez para as suas filhas.
Mas foi a Coca Cola que deu um impulso a esta personagem quando realizou, na década de 40 do século passado, uma campanha publicitária utilizando o Pai Natal, com ilustrações de Haddon Sundblom. No entanto, o Pai Natal como hoje é conhecido já tinha ganho forma quase um século antes, nos cartoons de Thomas Nash para a Harper’s Weekly, ainda que o manto e calças ainda não fossem vermelhos, mas com as cores da bandeira dos Estados Unidos. Houve também quem representasse o Pai Natal com roupas verdes, amarelas ou azuis.


































