Ranchos folclóricos persistem em manter vivas as tradições

0
921

Dos 12 ranchos existentes nas Caldas, 3 ainda não retomaram a atividade após a pandemia e 1 já tinha parado. Em Óbidos, apenas o rancho (infantil e juvenil) do Arelho ainda não voltou ao ativo

O livro editado pela Gazeta das Caldas “Ranchos Folclóricos e Etnográficos dos concelhos das Caldas da Rainha e Óbidos”, da autoria de Maria Beatriz Raposo, dava conta da existência de 12 ranchos folclóricos e etnográficos ativos no concelho das Caldas e 5 em Óbidos, em 2018. Hoje, apenas 8 ainda se mantêm ativos no concelho termal, e 4 em Óbidos.
Nas Caldas, estão ativos: o Rancho Folclórico “Danças do Arnóia” de A-dos-Francos, o Rancho Folclórico e Etnográfico “Os Azeitoneiros” de Alvorninha, o Rancho Folclórico e Etnográfico “Os Oleiros” das Caldas da Rainha, o Rancho Folclórico “Esperança na Juventude” do Nadadouro, o Rancho Folclórico e Etnográfico “As Ceifeiras” da Fanadia, o Rancho Folclórico “Flores da Primavera” do Guisado, o Rancho Folclórico e Etnográfico “Apanha da Azeitona” da Ramalhosa e o Rancho Folclórico e Etnográfico do Reguengo da Parada.
Parados e sem previsão de reabertura estão o Rancho “Alegria da Nossa Terra” das Trabalhias, o Rancho Folclórico “Os Pimpolhos” do Coto (encerrado ainda antes da pandemia), o Rancho Folclórico e Etnográfico “Os Amigos da Associação de Barrantes” e o Rancho Folclórico e Etnográfico “Vale Choupinho” das Relvas.
Em Óbidos, já em ensaios e com atuações estão o Rancho Folclórico e Etnográfico da Capeleira, o Rancho Folclórico (já não infantil) “As Caiadeiras” das Gaeiras, o Rancho Folclórico e Etnográfico “Estrelas do Arnóia” da Sancheira Grande e o Rancho Folclórico e Etnográfico “Os Populares” de Olho Marinho. Com a pandemia, o Rancho Folclórico e Etnográfico do Centro Social, Cultural e Recreativo do Arelho encerrou e ainda não retomou a atividade.
Mas nem tudo são más notícias. Se, por um lado, a pandemia veio mudar muitas vidas, levando a mudanças no posto de emprego ou mesmo no local de residência, e, por conseguinte, a baixas nos elementos, por outro, também incentivou a novos ingressos, de miúdos e de graúdos. Houve até um rancho que voltou a ativar o seu grupo infantil/juvenil.
“Nós não tínhamos rancho infantil [antes da pandemia] e passámos a ter [desde o ano passado]”, explicou Célia Marques, membro da direção do Rancho Folclórico e Etnográfico da Capeleira e irmã da presidente, Tininha Santos, filhas do seu fundador e dirigente, até 2019, ano do seu falecimento.
A obidense acrescentou que se tratou de uma reativação do grupo, parado há vários anos. “Temos muitas crianças a aprender, e para o rancho dos adultos também vieram mais jovens”, adiantou, satisfeita, concluindo, portanto, que houve um acréscimo do número de elementos, perfazendo mais de 40, incluindo a tocata, no “rancho dos adultos” e contando o das crianças com 12 pares.
A juntar a estes, há ainda o Grupo de Danças Antigas Josefa d’Óbidos, que apresenta danças medievais com música da mesma época ao vivo, e que é dinamizado por elementos do rancho, maioritariamente jovens, tanto músicos como dançarinos, contando-se, no total, entre 25 a 30.
Atuações agendadas não faltam: já para abril e também para o verão, como atuações já confirmadas em Penamacor e em Estarreja, com novos contactos que “começam a aparecer”. Presença habitual é no Mercado Medieval de Óbidos, ao qual já no ano passado levaram dança e música da Idade Média.
“Voltámos normalmente e não tivemos dificuldade nenhuma, felizmente”, concluiu Célia Marques.
Já no Nadadouro, no concelho das Caldas, a esperança na juventude comprovou-se acertada, porque jovens elementos deram entrada, permitindo ao grupo registar um “acréscimo” no número de elementos, partilhou a dirigente.
“Mantivemos os mesmos, entre dois ou três que, por motivos profissionais, não podem estar a comparecer, mas entraram cerca de seis ou sete pessoas [dançarinos] e mesmo mais novinhos. Temos crianças com 5/6 anos a experimentarem, mas temos jovens de 60 (risos)”, explicou a diretora do rancho e presidente da Associação Cultural e Recreativa do Nadadouro, Rosário Duarte, que pertence ao rancho fundado em 1981 há 30 anos, mais de 20 dos quais também como ensaiadora.
Assim, são cerca de 40 elementos no total, cerca de 25 dos quais dançarinos. “É comum que andem os filhos, os pais e os avós, temos várias gerações dentro do grupo”, adiantou.
E estavam todos desejosos para retomar os ensaios, o que aconteceu em 2021, quando se começaram a levantar algumas restrições, e, depois de nova paragem, cerca de junho de 2022. “Várias vezes me enviavam mensagens para saber quando é que retomávamos os ensaios”, conta, acrescentando que estavam “todos famintos de dançar, de estarem juntos”.
Desde o verão passado, têm tirado a barriga da miséria através das atuações, que agora vão surgindo em catadupa, “o telemóvel não para de tocar”. Em setembro do ano passado, realizaram o seu 40.º Festival de Folclore, com convidados de norte a sul do país, e para este ano já têm marcadas atuações de maio em diante, estendendo-se por todo verão, com a primeira a ter lugar em Mafra.
Infelizmente, houve grupos que, por falta de elementos ou de membros para a direção, ainda não conseguiram retomar a atividade. Salir de Matos foi a freguesia que mais se ressentiu, porque, dos seus três ranchos, dois encerraram.
Nas Trabalhias, por falta de membros para a direção da Associação Cultural e Desportiva, em cujas instalações o rancho ensaia, esta viu-se obrigada a fechar portas em março do ano passado, indo-se realizar nova assembleia para eleição da direção já neste mês de março, de cujo resultado estará dependente o retomar do rancho.

Pandemia usada para investigação
Na Fanadia e no Guisado, o tempo de descanso da dança foi ocupado com recolhas a nível dos trajes, das danças ou das composições musicais e letras.
O rancho folclórico do Guisado, por iniciativa de Davide Rebelo, de 27 anos, diretor e ensaiador, iniciou, uns anos antes da pandemia, o trabalho etnográfico de recolhas para os trajes, trabalho a que na pandemia teve tempo para se dedicar, estando praticamente concluído.
“Decidi que devíamos inovar e mudar os trajes que tínhamos na altura, para ir mais ao pormenor do que se usava antigamente”, explicou. O grupo ensaia na sede da associação do Guisado, que apenas está a servir de casa para o rancho, que, assim, tem de assumir os custos de manutenção, com o apoio dos subsídios autárquicos.
No entanto, os dois assaltos vividos nos últimos tempos vieram apresentar uma despesa inesperada. Se o grupo tinha o intento de recuperar a zona de arrecadação para fazer uma sala de reuniões e para guardar e compilar os trajes, espalhados pelas casas dos diversos elementos, a fim de não perder nenhum, o roubo dos fios de eletricidade daquele espaço veio atrasar os planos. E a máquina de lavar a loiça, utilizada aquando dos almoços e lanches nos dias de festival, também foi saqueada. “Mas vamos para a frente.”
Já na Fanadia, Sérgio Pereira, diretor e ensaiador e fonte do Rancho do Guisado e sempre que a matéria se trata de folclore, procedeu igualmente à escrita de textos relativos a recolhas realizadas, como sejam as de danças, para preservação e organização do conhecimento obtido e para envio para a Câmara.
Este rancho só começou a atuar quando foi dada permissão pelo governo para se retirarem as máscaras. “Nós não atuávamos com máscara por uma questão de imagem, se representamos uma determinada época, não fazia sentido andar com um traje e depois andar com uma máscara na cara. Era quase uma diretiva da Federação [do Folclore Português] que evitássemos estar com o traje e ter a máscara, que não fazia parte do traje de maneira nenhuma”, explicou.
“As meninas estão sempre mais abertas a este tipo de coisas”, confessou Paulo Bernardo, do Rancho de Alvorninha. “Os nossos elementos mais novos são as meninas que têm entre 4 e 5 anos, que vêm acompanhadas pelos pais e pelos avós, e os nossos elementos com mais idade terão na casa dos 85 anos”, conta o diretor.
A seu ver, era comum pensar-se que, “se não vou hoje para o rancho, vou para o mês que vem, ou se calhar até só para o ano que vem (quem diz para o rancho diz para outras associações)”. Mas “a pandemia trouxe-nos ao pensamento que podíamos perder coisas que dantes dávamos como garantido”. E “as pessoas, ao terem esta sensação, talvez tenha despertado nelas a vontade de aproveitar e participar neste tipo de iniciativas”.
E é a dançar que seguem, sempre, estando recetivos a novos elementos, com ou sem experiência, que se deixem render às tradições e se interessem pela preservação deste património imaterial português. ■

- publicidade -