A 11 de Dezembro de 2015 Óbidos recebia a distinção de Cidade Criativa da Unesco na área da literatura. Quatro anos volvidos continua a ser a única “cidade” de língua portuguesa na rede, que engloba 39 cidades neste sector. O presidente da Câmara, Humberto Marques fala em ganhos “inegáveis”, referindo-se à forma como a literatura se enraizou na comunidade e no tecido empresarial.
Festivais, prémios literários, ciclos de cinema, residências literárias, são alguns dos resultados desta estratégia que, a curto prazo, prevê a abertura de mais uma livraria na vila, desta feita com livros de autores portugueses traduzidos em várias línguas.

“Vocês fazem um trabalho tão importante. Ligam pessoas e destinos sob os belos céus de Óbidos, para que os corações se abram entre si e à literatura, e isso faz do mundo um lugar melhor! E se a palavra escrita, como Pessoa diz, é um raio de luz entre as estrelas, então vocês trouxeram muita claridade para as suas almas”. Foi com estas palavras que o escritor alemão Ralph Rothman, que este ano esteve no Folio, se referiu à Vila Literária. Foi exactamente esta estratégia que o município começou a desenvolver em 2011 – em parceria com José Pinho, da editora Ler Devagar – de criação de mais de uma dezena de livrarias que levou Óbidos a obter, a 11 de Dezembro de 2015, a chancela da Unesco de cidade criativa na literatura.
Volvidos quatro anos desta distinção, muitas têm sido as actividades e projectos desenvolvidos no território, mas também parcerias com redes internacionais. Ao nível da educação têm sido dinamizados vários projectos com ateliers criativos e a formação para a literatura. Os livros, que anualmente eram adquiridos para oferecer aos meninos pelo Natal, passaram a ser os próprios a fazê-los, em interacção com os seus familiares, numa actividade intergeracional.
Houve também o objectivo de ligar o Parque Tecnológico de Óbidos (PTO) ao conhecimento, mas na perspectiva da “literatura como fonte de acesso ao conhecimento, inovação e, sobretudo, a uma inovação no território e para fora dele”, explicou o presidente da Câmara, Humberto Marques, à Gazeta das Caldas.
Associados à cidade criativa nasceram os projectos My Machine (desafia as crianças a concretizarem as suas ideias através da construção de “máquinas” que são depois desenvolvidas por alunos de cursos técnicos e do ensino superior) ou a Academia deCode, um projecto de programação e robótica. Têm também sido dinamizadas outras iniciativas, como os utentes do programa Melhor Idade a ter formações dentro do PTO para combater a iliteracia digital.
Ao nível dos eventos que hoje integram a estratégica da Cidade da Literatura, temos o Latitudes, recentemente criado, e o Folio, na sua 5ª edição, que se juntaram ao Festival do Chocolate e à Vila Natal.
Nos últimos anos, Óbidos tem também desenvolvido um programa de residências literárias que procuram proporcionar aos escritores, nacionais e estrangeiros, um local de fuga do quotidiano e de inspiração. Nesse âmbito, foi estabelecida uma parceria com Granada (Espanha) – também cidade criativa de literatura da Unesco – tendo já recebido os escritores Alejandro Pedrejosa, Juan Domingo Aguilar, Cristina Galvez e Begona Callejon. Também Brígida Gallego Coin fez uma residência literária na vila, que resultou na edição de um romance histórico inspirado na vida de Josefa d’ Óbidos.
Entretanto foi instituído o Prémio Literário Armando da Silva Carvalho, que será concedido anualmente a um livro de poesia, escrito em português, cuja primeira edição tenha sido publicada em qualquer país de língua portuguesa.
Humberto Marques destaca que a cultura é hoje um importante motor para o desenvolvimento económico e social. As novas gerações, por exemplo, “ao terem mais conhecimento, estarão mais preparadas para os desafios do futuro, criando o seu próprio posto de trabalho ou, enquanto pessoa empregada, desenvolvendo mais riqueza no território”, disse.
À agenda económica foi aliada a do desenvolvimento comunitário, com a criação de novos produtos onde a literatura é a fonte da inspiração. “As pessoas já perceberam que é muito importante ter uma narrativa por detrás do produto para comunicar”, destacou.

A única cidade de língua portuguesa na rede

- publicidade -

Óbidos, com perto de 12 mil habitantes, era até há meses atrás a mais pequena da rede das cidades literárias. Em Outubro perdeu o “estatuto” para Kuhmo, na Finlândia, que tem cerca de oito mil habitantes. Humberto Marques considera que os ganhos de escala com a participação nesta rede internacional são “extraordinários” em termos de partilha de conhecimento e boas práticas. “Somos muitas vezes apontados como um exemplo que devem seguir outras cidades e convidados para expor aquilo que cá fazemos”, disse, fazendo notar que estão a acrescentar valor à marca Óbidos.
Carla Pinho é a técnica da autarquia que é responsável pela ligação à Unesco, que é acompanhada por uma equipa multidisciplinar. Tem ido às reuniões da rede e diz sentir orgulho porque é “atribuído valor ao que fazemos”, dando como exemplo o livro que foi feito entre avós e netos no complexo escolar e que foi apresentado numa reunião em Inglaterra. “Somos os mais pequenos, mas somos apontados a maior parte das vezes como o exemplo daquilo que deve ser feito”, concretiza.
Entre as 39 cidades criativas da literatura, Óbidos é a única de língua portuguesa na rede. “A nível mundial somos a quarta língua mais falada no mundo e sermos a única cidade de língua portuguesa é demonstrativo do que estamos a fazer”, destaca o presidente da Câmara, acrescentando que isso também aumenta a sua responsabilidade no programa UNESCO. Também por isso, em eventos como o Folio, há uma grande insistência para a articulação com os países de língua oficial portuguesa e de manutenção da matriz de língua oficial portuguesa.
“Assumimo-nos como cidade criativa da literatura a nível nacional. Somos a única cidade portuguesa e temos como missão divulgar a literatura e os autores portugueses e o nosso território”, acrescenta Carla Pinho.
Contudo, esta responsabilidade cultural não tem sido acompanhada pelo governo no apoio às acções desenvolvidas. O presidente da Câmara há anos que reclama apoio a esta estratégia e, especificamente ao Folio, que se tem concretizado com investimento da autarquia e parceiros institucionais. “Já andamos há tempo demais a viver nesta situação. Espero que finalmente o Ministério da Cultura assuma as suas responsabilidades, assim como o Turismo, porque o trabalho de quatro anos está à vista”, destacou.
O edil referiu ainda que Óbidos é dos poucos locais da rede de cidades criativas da Unesco que tem um modelo estritamente público, porque a grande maioria das outras cidades conta com a dinâmica da sociedade civil.
Desde Outubro que Óbidos integra, também, a Rede Portuguesa de Cidades Criativas, em conjunto com Amarante (Música), Barcelos (Artesanato e Artes Populares), Braga (Media Arts) e Idanha-a-Nova (Música). Esta parceria pretende fortalecer a colaboração num plano nacional, comprometendo-se os municípios a estimular em conjunto actividades, parcerias e intercâmbios culturais. Para Carla Pinho faz todo o sentido a criação desta rede, tendo em conta que já existe um grupo considerável de cidades classificadas no país e que é “importante promover a chancela da Unesco na transmissão de valor económico e sinergias para a comunidade”.
Entre as novidades para os próximos tempos estão a dinamização da Casa José Saramago e a criação de mais uma livraria em Óbidos, dedicada exclusivamente a escritores portugueses traduzidos noutras línguas. “Sendo nós um centro histórico onde circulam dois milhões de pessoas por ano, em que 70% são estrangeiros, temos essa responsabilidade”, assumiu o autarca.

“Uma oportunidade para se reforçar o território”

Caldas da Rainha foi recentemente classificada como Cidade Criativa da UNESCO das Artes e Ofícios. Humberto mostra o seu contentamento com esta distinção que vê como uma oportunidade para se reforçar o território. “Isto representa uma oportunidade para uma afirmação maior, do ponto de vista da região e de índole económica”, disse.
No mesmo dia em que soube do reconhecimento, o presidente da Câmara de Óbidos felicitou o seu homólogo caldense e deixou-lhe como conselho que promova um “forte enraizamento com a comunidade”, pois uma entidade pública sozinha não consegue levar por diante uma estratégia. Aconselhou ainda para não se “encapsularem em si mesmos e de se abrirem a outros territórios”.
Na opinião do autarca, a temática das Artes e Ofícios deve ser aproveitada pela autarquia caldense para “contaminar” outros sectores de actividade económica e aproveitara a chancela da Unesco para se internacionalizarem e tornarem mais fortes.

- publicidade -