Debate organizado pela JS/Caldas mostra apreensão com fenómeno crescente do discurso do ódio alimentado pelo populismo
“Cada vez que escrevo sobre comunidades ciganas no Facebook sou atacada por todos os lados”, partilhou a antropóloga Catarina Marcelino num debate promovido pela JS/Caldas. E acrescentou que lhe respondem com uma violência tal que há algum tempo não seria possível porque existia “vergonha social”.
A antiga secretária de Estado lembrou que o discurso de que os “ciganos recebem rendimento social de inserção e vivem à conta do Estado” é muito fácil de alimentar neste momento, e que vozes populistas dizem que é necessária mais fiscalização, quando é a prestação social que é mais fiscalizada. “A prestação social onde há mais fraude é na baixa médica, a que a maior parte das pessoas recorrem”, afirmou, dando nota que estes “mitos”, alimentam o populismo, que recorre também a um “discurso simplificado, de apreensão muito fácil e que colam às necessidades de combater as frustrações de cada um”.

Catarina Marcelino considera que é importante falar sobre os perigos do populismo e discurso do ódio e lembra que, até 2019, não havia no Parlamento “quem desse voz a este fenómeno, embora já houvesse alguns indícios, o que significa que a nossa direita também está a dar passos de radicalização”. Os democratas do centro têm mantido uma postura de não pôr em causa as regras democráticas e encarar o Chega! dentro delas, no entanto, a socialista tem outra visão. “Devia haver uma cerca sanitária a esta força política, que não permitisse que acontecessem situações como a que aconteceu nos Açores”, referindo-se ao acordo com o PSD. “O PS deve afirmar os seus valores sem medos”, disse, acrescentando que o politicamente correto deve ser respeitado porque é o que respeita os valores da constituição.
A vice-presidente do Instituto de Segurança Social salientou ainda que a pandemia é “perigosíssima” para o aceleramento dos movimentos de extrema direita, porque criou uma situação de desordem, que vai -se transformar numa crise social e económica. “Há pessoas a passar muito mal”, reconheceu, particularizando em pessoas com habilitações elevadas que, perdendo os rendimentos, “ficaram à deriva”. Uma opinião também partilhada pelo antropólogo e professor catedrático, Miguel Vale de Almeida, que, suportando-se em inquéritos, revelou que a maioria dos apoiantes diretos do Chega “são pessoas licenciadas, da classe média e urbanas”. Esta “aparente contradição” é explicada com a existência, cada vez maior, de pessoas que “não viram cumprida a promessa que lhes foi feita pelo 25 de Abril, a social democracia e pelas próprias dinâmicas do capitalismo contemporâneo”.
“Devia haver uma cerca sanitária a esta força política, que não permitisse situações como a que aconteceu nos Açores”
Catarina Marcelino, antropóloga e ex-deputada

Situação aflige esquerda e direita
O especialista considera que tratam-se de pessoas que estão no sistema mas profundamente frustradas por ele, e que utilizam sobretudo as redes sociais, recolhendo e processando informação, “falsa, errada, preconceituosa”. De acordo com Miguel Vale de Almeida, o discurso de ódio é um programa de ação e entende que é aí que a discussão política se deve centrar. O combate a este discurso não tem nada a ver com questões sobre liberdade de expressão ou censura, justamente porque ele “age sobre a realidade e provoca coisas”. Deu o exemplo do Uganda, em que todo o discurso do ódio como movimento político organizado foi feito em torno da homofobia, porque resultava naquele país, enquanto que em Portugal, “a extrema direita foi pegar, sobretudo, pela comunidade cigana e pelo racismo”.
Ao nível político esta é uma situação que “aflige” a esquerda e a direita, diz o antigo deputado do PS na Assembleia da República. “A esquerda tem mais proteção ética e moral e remete-se a um relativo silêncio, enquanto que a direita sente-se muito mais pressionada e deixa acontecer o encosto do discurso de ódio organizado politicamente, nomeadamente da extrema direita”, dando como exemplo, a escolha de candidatos autárquicos por parte do PSD.
Este debate, de cerca de duas horas, foi a primeira iniciativa de maior visibilidade organizada pela JS/Caldas. Também presente no encontro, que decorreu online, a presidente da concelhia socialista, Sara Velez, destacou que esta questão do discurso do ódio tem vindo a ser “uma evidência” na atual legislatura, com um deputado eleito por uma força político-partidária extremista e populista, André Ventura. “Tem, inclusivamente, trazido para o debate na Assembleia da República temas que considero distantes da casa da democracia, nomeadamente normativos legislativos que visam perseguir determinadas etnias”, concluiu a também deputada. ■






























