Já são 50 as pessoas que trabalham nos Silos. Nas mais diversas áreas, desde as artes plásticas, joalharia, fotografia e da cerâmica. Onde antes se moíam cereais, há agora estúdios de cenografia, de música, de dança, duas igrejas evangélicas e até uma loja de roupa. É um novo microcosmo urbano onde de dia trabalham os ateliers artísticos e profissionais e à noite são frequentes os eventos culturais como exposições e concertos.
O espaço, que pertence à família Paiva e Sousa, passou recentemente a ser gerido por Gonçalo e Miguel, filhos de Manuel Paiva e Sousa, um dos principais rostos da Sociedade Industrial Ceres, que ali laborou entre 1966 e 2003. Os herdeiros querem que o projecto ligado àquela antiga área industrial continue a crescer e está previsto um investimento de 20 mil euros já no próximo Verão na manutenção do próprio edifício que já tem uma taxa de ocupação na ordem dos 80%.

“Tendo em conta o contexto das Caldas, gostaríamos de fazer por cá o que está a ser feito na LX Factory”, disse Gonçalo Paiva e Sousa que quer ver a antiga Ceres crescer enquanto pólo criativo.
Em Lisboa, a fábrica que se dedicava desde o séc. XIX à produção e fiação de tecidos foi transformada numa ilha criativa, que é ocupada por profissionais da indústria, sendo também cenário para acontecimentos nas áreas da moda, comunicação, multimédia, arquitectura e música, levando muitos visitantes a redescobrir zona de Alcântara.
Na antiga Ceres “queremos melhorar os espaços que podem ser desde 10 a 400 metros quadrados”, disse o responsável que, a médio prazo, quer investir também na segurança e na melhoria das infraestruturas. “Temos tido apoio da autarquia”, disse Gonçalo Paiva e Sousa, que é advogado e que divide com o seu irmão Miguel Paiva e Sousa (economista), a gestão da antiga Ceres. Esta laborou naquele espaço até 2003 e, passados estes anos, muita coisa reclama atenção e novos usos. São também à escala industrial a resolução de problemas relacionados com a electricidade (tinham capacidade a mais instalada) e de esgotos para a qual foram decisivos os equipamentos da Câmara para os solucionar.
Os espaços nos Silos são arrendados por valores que variam entre os 75 e os 1700 euros, consoante a sua área e o estado de conservação.
Há negociações caso a caso e vão acertando com o inquilino as necessidades de renovação dos lugares. O objectivo passar por, no futuro, tornar o projecto auto-sustentável.
“Coordenar os Silos é muito mais do que apenas arrendar espaços e tentar recuperar outros”, disse Gonçalo Paiva e Sousa, que sublinha a importância de dar aos inquilinos as melhores condições gerais, desde o conforto até ao acesso à Internet.
Ao todo, na Ceres são 23 inquilinos, sendo um dos maiores arrendatários o projecto Silos Contentor Criativo, liderado desde 2010 por Nicola Henriques. Este projecto conta com 15 a 20 espaços, maioritariamente dedicados às artes e ao design. Inclui até um grupo de teatro.
“Queremos fazer a comunicação do espaço como um todo”, disse o advogado, que sabe que vários ateliers cooperam entre si, algo que considera importante para a política de comunicação integrada que pretende implementar.
O problema que agora se põe é o de arranjar espaço para os interessados. “Ao nível térreo já não temos nada”, disse o gestor que está a pensar em fazer o aproveitamento de mais áreas que ainda não estão em utilização. O problema é que se vai subindo em altura e, portanto, torna-se necessário investir em elevadores que permitam um acesso mais facilitado aos andares cimeiros dos silos.
Preparados para arrendar estão várias áreas no 5º e no 6º andar e há outras que serão recuperadas com a mesma finalidade.
O braço direito da família Paiva e Sousa é Ângela Santos, que coordena os alugueres dos espaços e estabelece a ligação entre os arrendatários e os gestores. Já era funcionária da Sociedade Industrial Ceres e agora é o elemento fulcral da antiga Ceres, sempre pronta a ajudar na resolução dos problemas que surgem num espaço que é arrendado por 23 inquilinos.
Segundo Gonçalo Paiva e Sousa, o objectivo deste projecto é também contribuir para fixar as pessoas nas Caldas. Além do valor patrimonial, os Silos “têm um grande valor afectivo”, referiu o novo gestor.
Reinvestir constantemente

“Nós não damos prejuízo desde Agosto passado e já contamos com uma certa folga”, disse Gonçalo Paiva e Sousa, acrescentando que os 2000 euros por mês que têm de lucro são reinvestidos. Além dos imprevistos, as necessidades são várias: criar casas de banho, arranjar elevadores e renovar as janelas.
Só para colocar o asfalto no próximo Verão são necessários 12 mil euros, “o que equivale a cerca de meio ano de proveitos”, afirmou.
Cada uma das janelas custa entre os 150 e os 250 euros e todo o edifício deve ter 300 janelas. “A manutenção num edifício destes nunca acaba…”, disse, acrescentando que têm sido feitos vários investimentos que não são visíveis como, por exemplo, o isolamento de um terraço no sétimo piso que custou 3000 euros. No Verão passado, foram gastos 16 mil euros em trabalhos de manutenção. Para 2017 prevê-se um investimento de cerca de 20 mil euros nesta área.
Do Algarve para trabalhar nos Silos

O arquitecto Elísio Costa Graça, 36 anos, é do Algarve e há dois anos que instalou o seu gabinete nos Silos. Gosta de trabalhar neste espaço de matriz industrial que, apesar de ter algumas condicionantes, “também tem as suas qualidades”, afirmou. Elísio Graça salientou o facto de os Silos acolher projectos de vários artistas, criativos e técnicos que acabam por dar um pulsar diferente àquele espaço da cidade.
A sua mulher é caldense e também desenvolve o seu negócio nos Silos. Vivem próximo das Caldas e querem continuar a trabalhar neste edifício que diz que é “fabuloso” e que permite “andar sempre à descoberta”.
Elísio Graça trabalha para todo o país, fazendo colaborações com outras empresas. É também músico em part-time e toca contrabaixo na Banda Comércio e Indústria.
Memórias do património industrial caldense

A Sociedade Industrial Ceres laborou na moagem de trigo nos Silos, entre 1966 e 2003. Esta firma foi fundada pelo bisavô de Manuel Paiva Sousa em 1921 em Vendas Novas. Depois foi instalada em Montemor-o-Novo e, em 1966, após dois anos de construção (negociada com o então presidente da Câmara Botelho Moniz), começou a laborar nas Caldas da Rainha. Chegou a empregar 38 funcionários e ,nos bons tempos, produziu 90 toneladas de farinha por dia. Houve épocas em que o trabalho era contínuo, 24 sobre 24 horas, incluindo em muitos fins de semana.
A Moagem Ceres chegou a comprar trigo da Califórnia (EUA) pois era o mais adequado para a confecção dos pastéis de Belém. “Tínhamos um silo só para esse trigo”, recordou Manuel Paiva e Sousa, acrescentando que aquela farinha “era óptima” e até tinha sacas próprias. A moagem das Caldas tinha a sua unidade de investigação “e já se fazia farinha própria para a pizza e até com aromas”.
O antigo proprietário destaca como era avançada a investigação naquela época, dando como exemplo a fabricação de uma farinha especial para frituras.
Paiva e Sousa conta que faziam um trabalho muito direcionado: “era parecido ao de um alfaiate, à medida de cada necessidade e de cada cliente e isso hoje não existe”, rematou Manuel Paiva e Sousa. Este engenheiro agrónomo tem a mesma profissão do seu irmão, o falecido Luís Paiva e Sousa que foi duas vezes presidente da Câmara das Caldas: na Primavera marcelista e depois da Revolução dos Cravos.
Glossário
Ceres – A Sociedade Industrial Ceres era uma empresa de moagem de trigo que laborou nas Caldas entre 1966 e 2003. Mantém-se activa com atividade de aluguer de espaços e de estacionamento.
Silos – Contentor Criativo – Projecto de aluguer de ateliês para trabalho de alunos e ex-alunos da ESAD, designers e artistas. É coordenado desde 2010 por Nicola Henriques (antigo aluno de Design de Ambientes na ESAD) que subarrenda o rés-do-chão, o primeiro, o segundo e o sétimo andar dos Silos para instalar projectos criativos.
Família Paiva e Sousa – os netos do fundador da Ceres são também sobrinhos do antigo presidente da Câmara das Caldas, Luís Paiva e Sousa. Gonçalo é advogado e Miguel é economista. São agora os gestores deste projecto que aproveita as instalações industriais.
Quem está nos Silos
Artistas plásticos – 20
Ceramistas – 4
Igrejas – 2
Espaços de dança – 2
Estúdios musicais – 2
Joalheiro – 1
Arquitecto – 1
Massagista – 1
Grupo de teatro – 1
Músico-cenógrafo-Vj – 1
Loja de roupa – 1
Fotógrafo – 1
Designers – 8
Bar – 1
Preço do arrendamento: desde os 75 aos 1700 euros, consoante a área.






























