Um cidadão holandês ocupou indevidamente terreno junto ao mar na falésia da Gralha e recusa-se a retirar a vedação. A Agência Portuguesa do Ambiente confirma ilegalidade, mas diz que o processo está em “tramitação”. Câmara de Alcobaça e Junta de Freguesia de S. Martinho assobiam para o lado.
Esta é uma história bem portuguesa, embora também tenha como protagonista um cidadão estrangeiro. Uma ilegalidade cometida em domínio público marítimo que existe desde há três anos, que é do conhecimento da Capitania do Porto da Nazaré, da Câmara de Alcobaça, da Junta de Freguesia, da Agência Portuguesa do Ambiente e até do actual secretário de Estado do Ambiente, Paulo Lemos, sem que ninguém tenha capacidade para intervir.
A história começa há cerca de três anos quando Erik Meisen, de nacionalidade holandesa, colocou uma vedação coroada de arame farpado que impede a passagem de pessoas pela arriba da Gralha. Na sequência disto, tentar circular pelo que foi antes a crista da arriba é hoje uma aventura perigosa porque, simplesmente, não há espaço entre a vedação e a falésia.
Quem comprou este terreno julgou que o seu perímetro do lado do mar só terminaria até onde fosse fisicamente possível construir uma vedação. Mas em Portugal existe uma lei, relativa ao domínio público marítimo, que impede os particulares de se apropriarem de uma faixa de território de 50 metros a contar da linha máxima da praia-mar (ou da crista da arriba como aqui se verifica). Acresce que, neste caso, a própria crista da falésia foi destruída com a colocação de blocos de rocha no alto da arriba e com o alisamento do terreno para construir um sistema de drenagem.
Como a vedação está precisamente no topo da arriba, parece não haver quaisquer reservas de que a mesma é ilegal. Disso não tiveram dúvidas os responsáveis da Capitania do Porto da Nazaré que em Setembro de 2012 visitaram o local e reportaram o assunto à Agência Portuguesa do Ambiente. Nesse mesmo dia, a autoridade marítima chamou a atenção do proprietário, que tem uma casa nas proximidades, de que este deveria retirar a vedação, o que não veio a acontecer.
Pacientemente, os responsáveis por esta denúncia – a Associação de Defesa do Ambiente de S. Martinho do Porto (ADASMP) – esperaram que o Estado de Direito que parece existir em Portugal funcionasse. E bem puderam esperar sentados porque não aconteceu nada.
Ainda assim, em Abril de 2013, e de acordo com o vice-presidente da ADASMP, António Costa, esta associação voltou a contactar a Agência Portuguesa do Ambiente. Sem sucesso.
Também a Quercus teve conhecimento do assunto e apresentou a denúncia à mesmíssima Agência Portuguesa do Ambiente. Sem resultados.
Um Túnel Privado
Entretanto, na zona da Gralha, o empresário holandês resolveu construir um túnel pedonal entre a sua casa e o terreno, sob uma estrada municipal. Desconhece-se se o dito túnel está licenciado porque a Câmara de Alcobaça – entidade a quem compete licenciar e fiscalizar uma infra-estrutura deste tipo – não quis falar sobre o assunto.
Estamos agora em Setembro de 2013. Contactada a Agência Portuguesa do Ambiente, Filipe Távora, chefe da Divisão de Relações Públicas daquela instituição, diz que o proprietário do terreno, apesar de instado a fazer prova da área que este ocupa e de ter sido notificado para retirar a vedação que está em domínio público marítimo, ainda não o fez.
Remoção Coerciva?
“Neste momento o processo está nos jurídicos e aguarda decisão legal e até financeira”, explicou, o que significa que a Agência poderá vir ela própria a encarregar-se da remoção da vedação de forma coerciva.
Num nível hierárquico superior, o próprio secretário de Estado do Ambiente, o caldense Paulo Lemos, tem conhecimento do assunto. Mas não respondeu à Gazeta das Caldas sobre o andamento do processo.
AUTORIDADES INERTES
Francisco Lobo, presidente da ADASMP, lamenta “a falta de actuação das autoridades” e diz que “não sabemos explicar estas anomalias”, referindo-se à lentidão de quem deveria cuidar por um espaço que pertence a todos.
“Há pessoas que não têm consciência ambiental, ignoram as leis e só procuram os seus interesses”, acrescentou, referindo-se ao proprietário do terreno. No entanto, sublinha que a associação que representa pauta-se por “usar de muita diplomacia” e por tentar obter resultados através das “vias legais e de muitas reuniões”.
Carlos Veríssimo, que também faz parte da ADASMP, relata que no início de 2013 já aconteceu um acidente em que um cidadãos inglês, residente em S. Martinho, caiu durante um passeio pedonal pela encosta da arriba, precisamente num local onde o espaço de circulação foi reduzido para cerca de 20 centímetros de largura entre a vedação e a falésia. E não esconde a sua indignação com a situação de perigo na falésia para quem ali se atreva a passar. “Foi aqui cortado um acesso que era público desde tempos imemoriais”, diz.
Na Holanda a legislação de protecção da costa é ainda mais restrita do que em Portugal porque uma grande parte da superfície daquele país está mais baixo do que o nível do mar. Na Holanda, apesar de não haver falésias, não é possível ocupar uma área tão perto do mar.
O terreno em causa destina-se à construção de uma escola de golfe, de acordo com testemunhos locais, mas que não foi possível confirmar porque, igualmente, também não foi possível contactar o empresário holandês.
Também difícil de contactar é a Câmara de Alcobaça. Sucessivos telefonemas e envio de mails a pedir informações sobre esta situação redundaram num muro de silêncio por parte do executivo presidido por Paulo Inácio.
E o próprio presidente da Junta de Freguesia de S. Martinho do Porto, Joaquim Clérigo, também se revelou pouco interessado no assunto, remetendo explicações para a Câmara e recusando responder a quaisquer perguntas.
Carlos Cipriano
cc@gazetadascaldas.pt































