
Indignados com a “humilhação” que estão a sofrer por parte do Ministério da Educação, cerca de 150 professores reuniram-se, no passado dia 18 de Julho, na Escola Secundária Raul Proença, para reagir contra as medidas do governo que levaram milhares de docentes a ficar com horário zero.
A maioria dos professores eram das Caldas, mas muitos vieram também do Cadaval, Lourinhã, Peniche, Bombarral, Nazaré e até do Cacém. Aos professores do quadro que agora se vêem com horário zero e têm que concorrer a outras escolas, juntaram-se os docentes contratados que lutam há anos pelo vínculo ao Ministério da Educação. Todos questionam o financiamento a colégios privados quando há recursos públicos humanos e físicos na região para responder às necessidades.
Do encontro resultou a criação de uma comissão, com representantes de todas as escolas, que irá reunir já esta semana, assim como um grupo no facebook com a designação “Em defesa da Escola Pública no Oeste” que, em três dias atingiu os 2200 inscritos.
“A maré negra apanhou alguns agora e vai apanhar outros no futuro, por isso a solução não é encolhermo-nos, mas fazermos um dique”. A imagem apresentada por João Pereira, porta-voz na reunião dos professores, apela à luta dos docentes contra as medidas do governo e à tomada de uma posição de força pela defesa da escola pública. Do encontro, que durou pouco mais de uma hora (porque depois a escola ia receber exames) resultou a constituição de um movimento, com uma comissão composta por docentes de todas as escolas da região, assim como a criação de um grupo no facebook, denominado “Em defesa da Escola Pública no Oeste”.
João Pereira disse que Portugal é o país da OCDE onde “menos se investe na educação” e chamou a atenção para a degradação “profunda e evidente” da profissão e a proliferação dos horários zero que “humilha não só os professores que estão indicados como não tendo componente lectiva, mas toda a gente”.
A contestação refere-se também ao aumento de alunos por turma, à nova revisão curricular e organização do ano lectivo, assim como a diminuição do crédito horário atribuído às escolas e a redução do número de cursos profissionais.

“Também lamentamos a forma como foram impostas aos directores de escolas as decisões respeitantes à indicação de professores sem componente lectiva”, disse João Pereira, acrescentando que esta situação causa sofrimento aos professores, mas também aos seus familiares.
De acordo com os professores que estavam presentes na reunião, no concelho das Caldas da Rainha deverão ficar com horário zero cerca de 140 professores. Em Óbidos serão 15, no Bombarral perto de 70, no Cadaval 20, em Alcobaça 42, na Lourinhã mais de 10, em Peniche 26 e na Atouguia da Baleia 13 docentes.
Professor na Raul Proença, João Pereira disse que no ano passado foram criadas menos turmas naquele estabelecimento de ensino do que as que estavam previstas na rede escolar, enquanto que abriram mais turmas no colégio Rainha D. Leonor. “Segundo informações que recolhemos no início do ano lectivo passado, e para nossa surpresa, abriram mais sete turmas do que aquilo que estava previsto”, referiu, acrescentando que é importante garantir que isso não volte a acontecer.
“Se houver menos horários nas escolas, acontece que os que ficarem vão ter muito mais turmas e alunos, e é a própria qualidade do ensino que está posta em causa”, denuncia, acrescentando que estas situações desmotivam os docentes.
TURMAS DE 30 ALUNOS
“O senhor ministro da Educação não deve saber o que é dar aulas a 30 alunos”, disse o professor, explicando que ter turmas deste tamanho com todos os alunos bem comportados e dispostos a aprender é uma coisa raríssima.
Para João Pereira, os professores já não conseguem aguentar a humilhação a que estão sujeitos. A leccionar Português há 18 anos, este professor ficou com horário zero no último ano lectivo, sentindo que está a “ser descartado como se fosse um pano do pó usado”.
Na internet circula também uma “Carta de um professor do ensino secundário a um professor do ensino superior” onde se historia, ao longo de 22 páginas, a implementação no concelho das Caldas dos colégios Rainha D. Leonor e Frei Cristóvão. Apesar de privados (pertencem ao grupo GPS), estes estabelecimentos de ensino são financiados pelo Estado em função do número de alunos e de turmas. Entre os docentes do concelho caldense cresce a indignação pelo facto de professores da escola pública estarem com horário zero, ao mesmo tempo que o Estado despende mais dinheiro para colégios privados.
Apontando as baterias aos colégios privados, os professores criticam o Ministério da Educação, numa deliberação aprovada na reunião (ver Divulgação Institucional), por ter “privilegiado a atribuição de turmas aos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, pagando cerca de 85.000 euros por turma, em prejuízo das escolas públicas do concelho”.
O mesmo documento contesta ainda o encaminhamento obrigatório de alunos para os colégios privados “uma vez que já não se verificam as condições de sobrelotação das escolas públicas que estiveram na origem da celebração dos contratos entre o Estado o grupo privado [GPS]”
Alguns dos professores, depois da reunião, juntaram-se na Praça da Fruta, à semelhança do que aconteceu em muitas cidades do país, num protesto contra os horários zero, o despedimento de professores e a degradação do ensino e em defesa da escola pública.
Fátima Ferreira
fferreira@gazetadascaldas.pt
O que representa para um professor ficar com horário zero
TERESA MENDES
“Todo o trabalho feito até agora foi desvalorizado e desconsiderado”
Professora de Filosofia há 17 anos, os últimos três na Escola Secundária Raul Proença, Teresa Mendes está pela primeira vez com horário zero e vai ter que concorrer a outras escolas.
“Isto significa que todo o trabalho feito até agora foi desvalorizado e desconsiderado”, disse, acrescentando que os professores que agora se encontram com horário zero “empenharam-se e deram tudo pela escola, pelos alunos, pelo país, e isso está a ser desconsiderado por meras considerações económicas”.
Teresa Mendes lembra que quando era estudante as turmas tinham mais de 30 alunos e a maior parte dos professores não sabia o nome dos alunos nem o que se passava com eles, questionando se é isso que o ministro da Educação, Nuno Crato quer que volte a acontecer no ensino.
A docente pergunta ainda porque é que se sobrecarregam professores, quando há outros com horário zero, “com vontade de trabalhar”, que poderiam leccionar as mesmas disciplinas.
FERNANDA CALDAS
“De repente já não sou precisa em lado nenhum”
Fernanda Caldas faz parte do quadro da Escola Secundária Bordalo Pinheiro e há sete anos que tem horário zero. Era professora de Tecnologia e Cerâmica dos antigos cursos técnico-profissionais, que entretanto terminaram, e passou a integrar o terceiro ciclo de Educação Tecnológica, tendo ficado com horário zero. “Estive três anos na escola D. João II e depois fiquei com horário zero novamente, passei para a Atouguia da Baleia e fiquei de novo com horário zero, até que desapareceu do currículo a disciplina”, relata a docente.
A Educação Tecnológica passara a ser disciplina de oferta, não fazendo parte do currículo, pelo que a escola pode, ou não, adoptá-la.
“Um professor nesta situação sente desespero, de repente já não sou precisa em lado nenhum”, conta a docente que não compreende esta situação.
“Há 32 anos que dou aulas e com uma dedicação extrema”, conta Fernanda Caldas, natural do Porto, que deixou a sua terra natal e veio para as Caldas por gostar de cerâmica.
No primeiro ano em que ficou com horário zero, Fernanda Caldas criou ateliers e várias oficinas para ocupação dos tempos livres, na Escola Bordalo Pinheiro. No entanto, o gosto pelo ensino levou-a a concorrer para outras escolas onde tinha horário.
Agora está a pensar concorrer novamente, mas nem sabe para que escolas pois a disciplina que lecciona pode nem sequer existir no currículo dos estabelecimento de ensino para os quais concorre. “É mais desesperante do que nunca”, conclui.
Contratados e maltratados
ANA REGO
“Tive que meter dinheiro do meu bolso para trabalhar”
Ana Rego, professora de Biologia e Ciências no Bombarral, há 16 anos que exerce a sua profissão como contratada. Já leccionou no Algarve, no Alentejo e já teve que ir “diariamente para Lisboa, em que tinha que meter dinheiro do meu bolso para trabalhar, de modo a ter tempo de serviço”, contou à Gazeta das Caldas.
A docente salienta que os contratados já lutam por melhores condições desde 2000 e é da opinião que se tivessem tido mais “ajuda dos efectivos do quadro, se calhar nunca se teria chegado a este ponto”. Ainda assim, junta-se agora ao protesto dos seus colegas porque “se não houver horários para os professores do quadro, muito menos hipóteses há-de haver para mim”.
ISABEL PEREIRA
“Agora é que vai começar a luta”
Na mesma situação está Isabel Pereira, professora na Escola Secundária Henriques Nogueira, em Torres Vedras. Contratada há 16 anos no grupo de Português, tem tido sempre horário completo, mas nunca entrou para o quadro. Participou na reunião e considera que, “pela primeira vez muitos outros colegas estão a sentir na pele o que há muitos anos”. Isabel Pereira acredita que “agora é que vai começar a luta”.
Fátima Ferreira
fferreira@gazetadascaldas.pt































Ficou espantada…professores…professores. Já alguém parou para ouvir os pais, os alunos. É possivel uma escola publica reter os processos de trasnferencia de escola, escolha livre dos pais, porque causa dos professores. E os pais … que tem que fazer mais de 40 horas de trabalho, percorrer distancias longas…ninguem quer saber. Estes colégios ofereçem outras condições. $$$ este tanto vai para o colegio privado como para a escola publica. quem o consegue gerir melhor?