Professores do Oeste denunciam que contribuintes estão a financiar os colégios privados

0
573
O Colégio Rainha D. Leonor recebe do Estado 85.000 euros por cada turma

Depois de ter reunido com a autarquia, o movimento de professores “Em Defesa da Escola Pública no Oeste” pretende agora ir à Assembleia Municipal mostrar as suas preocupações com a rede escolar neste concelho.
De acordo com João Pereira, um dos representantes deste movimento, além das mudanças na educação, que levaram ao aparecimento de horários zero e à não contratação de colegas que já fazem parte do sistema, nas Caldas da Rainha há uma especificidade que é o facto das escolas públicas estarem a perder alunos para os colégios do ensino particular e cooperativo. “Temos professores com horário zero, salas vazias, os recursos não estão a ser aproveitados e, por outro lado, temos os colégios cada vez com mais alunos, estando o Estado a subsidiá-los”, denuncia o docente, que é professor na Escola Secundária Raul Proença.
A questão dos horários zero é um problema nacional, mas comparando com o resto do país o número nas Caldas é muito superior, com 90 professores sem componente lectiva. A causa, de acordo com estes docentes, é a existência dos colégios, que fazem “concorrência desleal com os professores da escola pública”. Os representantes do movimento – eleitos em Julho numa reunião alargada de professores de vários concelhos do Oeste realizada na Raul Proença – possuem um estudo comparativo da rede escolar das Caldas entre os anos lectivos de 2006/2007 e 2011/2012 que mostra que nos últimos cinco anos os estabelecimentos de ensino público perderam 519 alunos e, no mesmo período, os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, com contrato de associação, ganharam 514 alunos. Para este ano os dados do Ministério previam a abertura de 206 turmas e apontavam o número de 162 turmas como a capacidade total das cinco escolas públicas caldenses, ficando as restantes 44 turmas a funcionar nos colégios particulares e cooperativos existentes (dois deles do grupo GPS).
No entanto, o que estes docentes verificaram é que nestes colégios estão 60 turmas, faltando 12 turmas às escolas públicas. A diferença traduz-se, segundo o movimento, em valores superiores a um milhão de euros que o Estado paga aos colégios privados (cada turma custa 85 mil euros) quando há lugar para esses alunos na escola pública.
Estes professores dizem que gostariam de saber quem toma as decisões de encaminhar os alunos directamente para o ensino privado e não para as escolas públicas.
“Há uma rede escolar que, a meio de um ano lectivo, determina quais são as turmas que vão para cada escola no ano seguinte e durante todos estes anos Colégio Rainha D. Leonor tem usufruído de um número de turmas que têm lugar no ensino público”, diz João Pereira, questionando-se sobre quem toma estas decisões e com que fundamento.
Os docentes esperam agora que quem toma decisões, desde a DREL ao Ministério da Educação, “esteja com muita atenção ao que está a acontecer porque o ensino público tem que ser respeitado”.
Manuela Silveira, outra das representantes do movimento,  recordou que os colégios apareceram nas Caldas em 2005 quando havia sobrelotação das escolas públicas, tendo o Estado celebrado um contrato com os dois colégios (Rainha D. Leonor e Frei Cristóvão) para fornecer esse serviço público de educação, evitando assim construir uma nova escola.
“Só deverá haver turmas nessas escolas financiadas pelo Estado se a oferta da rede pública não for suficiente”, diz a docente, que lecciona na Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro.
No entanto, o que se tem verificado é que há momentos em que os “privados estão a sobrepor-se à oferta pública em vez de a complementar”, refere A representante do movimento realça que nas Caldas não se pode falar propriamente de colégios privados porque as suas receitas provêm, na verdade, de financiamento do Estado, no pressuposto que este não tem nesta zona escolas públicas que lhe garantam essa oferta educativa. “Ora isso é falso”, afirma.

Escolas públicas subaproveitadas

De acordo com estes docentes, ao nível do secundário, as duas escolas públicas da cidade (Raul Proença e Bordalo Pinheiro) seriam suficientes para garantir as necessidades do concelho. “Temos uma escola secundária que foi requalificada pela Parque Escolar  [Bordalo Pinheiro] que está aquém das suas capacidades de resposta ao nível de turmas, assim como a Raul Proença”, dizem, acusando o Estado de pôr os contribuintes a pagar 85 mil euros por cada turma ao Colégio Rainha D. Leonor, quando há espaço e melhores condições nas outras escolas.
“É uma concorrência desleal”, faz notar João Pereira, que dá como exemplo as ilegalidades daquele colégio no que diz respeito às matrículas onde são afastados alunos que já lá fizeram o seu percurso escolar, em privilégio de novos alunos. O docente deu o exemplo da denúncia recente de uma mãe à Gazeta das Caldas onde o colégio admitiu não querer ficar com os alunos mais fracos.
Os docentes referem que numa altura de dificuldades económicas, em que a palavra de ordem é racionalizar, não parece nada lógico que continue este desperdício de dinheiros públicos. “Neste momento até se poderiam esgotar todos os recursos físicos das escolas públicas e ir mais além porque estamos em tempo de poupança e a opinião publica ia perceber muito bem a situação”, realçam. E ainda questionam: “quantos milhões terão ido já para as contas do GPS nas Caldas, quando havia possibilidade de ter os alunos nas escolas publicas?”.
Os representantes do movimento “Em Defesa da Escola Pública no Oeste” criticam ainda a má gestão da rede escolar no concelho, denunciado a falta de clareza nos procedimentos,  que os leva a pôr em causa a forma como está a ser gerido o dinheiro dos contribuintes.

Responsáveis nada esclarecem

- publicidade -

Contactado pela Gazeta das Caldas, o vereador da Educação, Tinta Ferreira, referiu apenas que não tem mais nada a acrescentar em relação ao comunicado publicado pelo movimento dos professores. No entanto, garantiu que está a trabalhar no levantamento da situação da rede escolar concelhia e que apresentará esses dados numa futura reunião na Direcção Regional de Educação e Vale do Tejo.
Contactado o colégio Rainha D. Leonor, a administração do grupo GPS escusou-se a responder às perguntas do nosso jornal, dizendo apenas que a administração considera que “qualquer esclarecimento só deverá ser dado à tutela ou se solicitado pela mesma”.
O Ministério da Educação também não respondeu às questões colocadas pela Gazeta das Caldas.

Fátima Ferreira
fferreira@gazetadascaldas.pt

- publicidade -