A Câmara e a Assembleia Municipal caldenses reconheceram o interesse público municipal para a actividade de 25 pecuárias no concelho, permitindo assim que estas comecem o seu processo de legalização. Esta medida resulta de uma nova legislação que visa legalizar as explorações, protegendo as populações e permitindo que as empresas do sector possam avançar com projectos de investimento e criação de emprego. No entanto, isto é apenas o início de um processo que poderá levar ao encerramento de umas explorações e legalização de outras.
Em 2014 o volume de negócios destas empresas no concelho das Caldas da Rainha somou quase 12 milhões de euros. Representantes do sector falam das dificuldades que este atravessa, sobretudo ao nível do preço da carne e dificuldade de escoamento, enquanto que moradores nas proximidades de algumas explorações queixam-se dos maus cheiros e do aumento de insectos nas suas casas.
Nuno Baptista, de 32 anos, gere uma exploração pecuária nos Casais da Marinha (Santa Catarina). O negócio, familiar, foi começado pelo pai com o arrendamento de uma exploração em Tornada, tendo depois, em finais da década de 90, se fixando nos Casais da Marinha, onde permanece agora dedicada quase em exclusividade à produção de leitões.
À frente da exploração desde 2010, o engenheiro zootécnico conta que já apanhou anos melhores que outros, mas que , nos últimos tempos o sector tem tido “oscilações muito grandes”. Actualmente nesta exploração trabalham com cerca de 250 porcas reprodutoras a fazer produção de leitão, que depois comercializam para dois restaurantes da região e para um intermediário que abastece restaurantes da Mealhada.
As instalações no Casal da Marinha foram construídos de raiz e “completamente legais”, conta Nuno Baptista, acrescentando que ao longo dos anos tiveram que fazer algumas alterações a nível interno, pois mudaram o tipo de produção de engorda de porcos para a criação de leitões. Já a partir de 2013, e com as novas normas relativas ao Bem Estar Animal, houve a necessidade de colocar as reprodutoras todas em parque e isso obrigou a um aumento de área, pelo que fizeram um acrescento na exploração. “Comecei as obras e depois tentei legalizar”, disse, destacando que se tivesse feito o processo ao contrário, provavelmente teria que ter parado a produção, pois não lhe era diferido o pedido.
Entretanto ficou à espera de uma fiscalização que nunca veio e, quando soube do decreto-lei 165/2014, que estabelece o regime de regularização de estabelecimentos e explorações existentes que não disponham de título válido de instalação, de título de exploração ou de exercício de actividade, deu entrada com o processo na Câmara.
No caso da exploração de Nuno Baptista, trata-se apenas de legalizar a ampliação de instalações, pelo que não se trata de um processo dispendioso. No entanto, nos casos em que a exploração não está legal, é necessário apresentar um projecto, assim como entregar vários documentos, o que acarreta custos elevados e alguma burocracia para os proprietários que, na sua maioria já têm alguma idade, refere.
“Nesses casos é muito mais dispendioso, mas também ao longo dos anos nunca trataram de nada”, salienta Nuno Baptista. Na sua opinião, há que valorizar esta legislação que permite às pessoas continuar a trabalhar. No entanto, ressalva: “não quer dizer que todos os casos fiquem resolvidos porque agora várias entidades da administração pública irão dar o seu aval”. No fundo, o que a Câmara deu foi permissão para o processo arrancar, uma vez que muitas não podiam sequer começar pois estavam em desconformidade com os planos de ordenamento do território vigentes.
Nuno Baptista reconhece que a maior parte dos problemas prendem-se com questões ambientais. Uma situação que não afecta esta exploração que foi construída logo com uma estação de tratamento de efluentes. “Na altura já era obrigatório e foi também uma mais valia pois assim não temos problemas com vizinhos ao nível dos cheiros”, garante o empresário, acrescentando que actualmente a estação até está subaproveitada porque, com os leitões, produzem menos de metade dos efluentes de antes.
O produtor salienta que há muitas explorações no concelho que não têm estações de tratamento mas, ainda assim os concelhos de Alcobaça e de Leiria estão piores do ponto de vista ambiental. No seu entender, esta é uma situação que parte muito da consciência de cada um, destacando que tem que haver um trabalho de limpeza diário para resolver os problemas. “O Verão é sempre pior por causa do aumento de temperatura, mas o que condiciona muito é a concentração de animais”, explica.
Por outro lado, Nuno Baptista revela que existem casos de reclamações das pessoas relativamente aos cheiros provocados por explorações que já existiam no local onde depois construíram as casas de habitação.
Os maus cheiros e os insectos
O destacamento caldense da GNR tem recebido algumas denúncias sobre maus cheiros e tem averiguado as situações em causa. “Maioritariamente as explorações cumprem os preceitos legais”, referiu fonte do comando do destacamento à Gazeta das Caldas.
Na Assembleia Municipal de 24 de Novembro do ano passado, a munícipe Patrícia Oliveira queixou-se dos maus cheiros provocados por uma vacaria situada na Portela, em Santa Catarina. Trata-se de uma vacaria a céu aberto que funciona desde antes de 2002, “sempre ilegal, que causa muitos distúrbios, principalmente nocturnos”, queixava-se a moradora, que já chamou a atenção do proprietário por várias vezes, de modo a corrigir o que estava mal. Também já reuniu com a autarquia e participou às delegações de saúde e do ambiente, sendo que o parecer foi sempre que a vacaria não reunia condições para funcionar.
Na reunião seguinte, mais dois munícipes, António Santos e Gracinda Rodrigues, fizeram-se também ouvir, destacando sobretudo o mau cheiro que a vacaria provoca.
Já anteriormente, no verão de 2013, um surto de moscas, provocado por uma exploração de aviários de perus situados na zona do Bairro da Senhora da Luz (Óbidos), obrigou à intervenção das autoridades. O surto de insectos causou graves prejuízos na vila e no concelho de Óbidos com turistas a debandarem dos estabelecimentos hoteleiros.
Ou cumpre a legislação ou fecha as portas
O decreto-lei 165/2014 foi criado pelo governo PSD/CDS-PP e contou com a colaboração do então deputado caldense na Assembleia da República, Manuel Isaac, que integrou a comissão de agricultura no Parlamento. De acordo com este responsável, esta legislação veio ultrapassar obstáculos com que os produtores se viam, nomeadamente ao nível do Plano Director Municipal que não permitia a licença das explorações por se encontrarem em zona de Reserva Agrícola ou de Reserva Ecológica Nacional.
O diploma foi criado em 2014 e com a vigência de um ano, mas os interessados só em Novembro e Dezembro de 2015 é que começaram a tratar dos processos. Foi o que aconteceu nas Caldas da Rainha, em que os casos foram para aprovação nas Assembleias Municipais de finais de Novembro e Dezembro, tendo inclusive, que se realizar uma extraordinária no final do ano para apreciar dois pedidos. As propostas foram aprovadas com a abstenção do Movimento Viver o Concelho.
Dados fornecidos pela autarquia caldense dão conta de que o volume de negócios das 26 empresas que apresentaram o pedido de reconhecimento de interesse publico municipal soma quase 12 milhões de euros.
Manuel Isaac chama a atenção para o facto de a Câmara declarar interesse municipal não querer dizer que todas essas unidades sejam legalizadas. Quem toma essas decisões é o Regime de Exercício da Actividade Pecuária (REAP), que envolve entidades ligadas ao Ambiente, a Direcção Regional de Agricultura e CCDR. No final do processo, que andará sempre nos dois anos, a exploração ou cumpre a legislação a nível ambiental e de saúde, ou então fecha as suas portas.
“Este decreto-lei foi muito importante, mas tem que ir mais longe, eu prefiro criar normas que facilitem a legalização das coisas do que não o fazer e mantê-las ilegais, sendo que o prejuízo pode ser muito grande”, disse, dando como exemplo o facto dos seguros não pagarem danos em explorações que se encontrem em situação irregular. Também para a obtenção de apoios comunitários, as explorações têm que estar legalizadas.
Conhecedor do sector, Manuel Isaac, acredita que é possível a maioria das explorações serem legalizadas até porque, “para estarem a laborar, é porque cumpram as regras nas outras entidades”.
O autarca destacou ainda que este é um sector que emprega sobretudo famílias. É também gerador de emprego secundário, ao nível das rações, medicamentos, veterinários, entre outros.
































