Problemas de saúde mental são os que mais preocupam a Pediatria

Serviço recebe regularmente casos de tentativa de suicídio e falta capacidade de resposta

Longe vai o tempo em que o tratamento de casos de desidratação ou infeções graves preocupavam os médicos do Serviço de Pediatria. Casos destes continuam a existir, mas com pouca frequência, muito devido ao desenvolvimento de soros e também das vacinas, no entanto, está a aumentar uma outra problemática entre as crianças e jovens, a da saúde mental.

“A realidade é má, porque nós não temos resposta. No público [SNS] não temos resposta, porque as camas de internamento são pouquíssimas, e nós temos transferido, habitualmente, uma criança por semana, por tentativa de suicídio”, explicou Luísa Preto, diretora do Serviço de Pediatria da ULSO, à margem das XXX Jornadas de Pediatria de Leiria e Caldas da Rainha, que decorreram nos dias 13 e 14 de novembro, no CCC.

De acordo a responsável, àquele serviço hospitalar chegam apenas os casos mais graves, que envolvem tentativas de suicídio e que têm registos de crianças com nove anos e, sobretudo na adolescência, sendo que a maioria dos casos se registam entre os 14 e os 16 anos.

Entre os motivos, a médica fala do isolamento que vivem atualmente os adolescentes e jovens, fruto da pouca atenção dos pais, mas também da dependência e consumo exagerado das redes sociais. “O adolescente gosta de imitar, gosta de desafios. Às vezes geram-se grupos em que eles acabam por ter comportamentos de muito risco e depois, também, o pouco diálogo que existe leva a que se sintam abandonados”, explica Luísa Preto, alertando que os serviços de saúde não conseguem fazer um acompanhamento correto destes miúdos. Eles precisam de consultas frequentes e existem poucos pedopsiquiatras, avança a responsável, acrescentando que a ULSO não possui nenhum destes profissionais, apenas um protocolo com o Hospital de Santa Maria, que disponibiliza um profissional para dar consultas nos centros de saúde da região, mas que são “muito espaçadas no tempo”.

As Jornadas de Pediatria de Leiria e Caldas da Rainha juntaram cerca de 170 participantes de todo o país. Na cerimónia de abertura, o presidente da Câmara, Vítor Marques, lembrou o envolvimento da autarquia, assim como da sociedade civil, na tentativa de dar respostas às necessidades deste serviço e deixou a disponibilidade para “continuar a fazer parte da solução”. O autarca falou das dificuldades que atravessam os profissionais de saúde, destacou a sua resiliência e apelou a que não desistam porque “é muito importante que consigamos ter aqui, ao nível dos cuidados de saúde hospitalares, uma maior força”.
Pedro Carvalho, diretor clínico para a área dos Cuidados de Saúde Hospitalares da ULSO, caracterizou de “notável” o funcionamento do Serviço de Pediatria, que nunca encerrou o seu serviço de urgência, nomeadamente em períodos mais críticos como o Verão.
“É muito bom ver que os serviços se empenham e na ULSO temos excelentes profissionais”, disse o médico, que integra os quadros desta Unidade Local de Saúde.
Atualmente o serviço conta com 15 médicos. De acordo com Luísa Preto, a maior dificuldade prende-se com o atendimento, ao nível de médicos indiferenciados, pois continuam a receber muitos casos em que não havia necessidade de deslocação ao hospital se houvesse resposta ao nível dos cuidados de saúde primários.

O Serviço de Pediatria caldense recebeu recentemente a Certificação da Qualidade de “Nível Bom” pelo Departamento da Qualidade da Direção-Geral da Saúde, um reconhecimento externo que a responsável destaca pelo esforço e empenho que exigiu por parte da equipa, muito dele realizado fora do horário de trabalho.

Também presente na cerimónia, João Agro, diretor do Serviço de Pediatria da ULS da Região de Leiria, lembrou que começou a frequentar as jornadas quando era interno do primeiro ano, para apresentar uma comunicação livre. Voltou como especialista para fazer moderação de mesas e, nos últimos três anos, tem participado enquanto diretor de serviço na sessão de abertura. “Um percurso de 30 anos que eu e dra. Luísa Preto temos em comum”, concretizou.