
Cerca de 70 pessoas deslocaram-se à Biblioteca Municipal na passada sexta-feira, numa noite de frio e de futebol, para debater a exploração de petróleo, não só na costa entre Peniche e Nazaré, como em todo o país. O ambientalista António Eloy, a docente universitária Júlia Seixas e o antigo secretário de Estado da Energia, Nuno Ribeiro Silva, foram os palestrantes presentes nesta iniciativa do Conselho da Cidade. A Partex, que detém um contrato com o Estado para a prospecção e exploração de petróleo nesta região, faltou ao debate, bem como os presidentes de Câmara locais.
Há quem recuse por completo a hipótese do petróleo na região e quem até gostasse de saber se há ou não o precioso líquido no Oeste e, num sentido mais abrangente, em Portugal. Os motivos de ambos os lados são conhecidos e óbvios.
Contra, pelo impacto ambiental, porque o tempo do petróleo foi o século XX e porque, ainda que existisse e que gerasse benefícios económicos para o país, seriam pouco expressivos.
A favor, porque temos de saber que recursos temos, porque ainda se usa muito petróleo e porque isso traria claros benefícios à economia, não só directa como indirectamente.
Mas o que o debate permitiu, foi perceber que a questão é muito mais complexa e que há muito mais coisas a ter em conta.
A iniciativa do Conselho da Cidade juntou à mesa António Eloy, Júlia Seixas e Nuno Ribeiro da Silva. A sala estava composta, com perto de 70 pessoas a quererem ser esclarecidas. Na mesa faltou um palestrante que havia confirmado a sua presença: Luís Guerreiro, da Partex. Esta é a empresa a quem o Estado português concedeu a prospecção e exploração petrolífera desta região.
Ana Costa Leal, presidente do Conselho da Cidade, explicou a ausência, esclarecendo ter recebido um e-mail dois dias antes, a avisar que o referido responsável não poderia estar presente devido a uma viagem profissional. A dirigente associativa contou que ainda insistiu para que outro representante estivesse presente, mas tal não aconteceu.
Ausentes estiveram ainda os presidentes de Câmara de Nazaré, Peniche e Caldas, que foram convidados para a sessão. “O presidente de Peniche não respondeu, o da Nazaré avisou que tinha assembleia municipal, portanto, nem ele nem ninguém ia estar presente e o das Caldas avisou há três horas que não vinha, nem ninguém da Câmara”, esclareceu a presidente do Conselho da Cidade.
“Consulta pública é uma treta”
Júlia Seixas, do Movimento Futuro Limpo, afirmou-se contra as prospecções de petróleo, principalmente por três razões: a primeira é pela coerência de valores e políticas, visto que esta medida vai contra o Tratado de Paris. A segunda é porque não faz sentido começar agora a investir nos fósseis. E a terceira porque não é o petróleo que vai resolver os problemas económicos do país.
“São um bom negócio para o Estado? Nada mais errado!”, exclamou Júlia Seixas. Isto porque as rendas de superfície e as contrapartidas que o Estado irá receber só chegarão “daqui a muito tempo e os valores não são assim tão significativos”.
Júlia Seixas considerou que “não deveria ser possível tomar estas decisões entre gabinetes de ministros e presidentes de empresas petrolíferas, sem ouvir, já não digo o pescador ou o surfista, mas pelo menos os autarcas”.
Referiu que o movimento é contra a prospecção porque caso as empresas encontrem recursos interessantes, para parar o processo será necessário pagar-lhes indemnizações que tenham em conta, não só os gastos com a fase de prospecção, como também com a expectativa de lucros não recebidos.
Apontou à confidencialidade dos documentos, que nunca irá permitir aos cidadãos portugueses perceber quais os recursos que existem e acusou que “a consulta pública é uma treta”. Isto recordando que quando a Galp requereu um Título de Utilização Privativa do Espaço Marítimo (TUPEM) para um furo de prospecção em Aljezur houve 42 mil entradas contra e quatro a favor na consulta pública. “Qual foi o resultado da consulta pública? Zero, o título foi atribuído”.
A única possibilidade para saber quais os recursos “é entregar dinheiro público a geólogos para prospectarem”. Além disso, tal como a associação a que pertence, defende que devia haver uma lei de bases dos recursos naturais de Portugal.
“FAZ SENTIDO CONCEDER LICENÇAS”
Já Nuno Ribeiro da Silva, antigo secretário de Estado da Energia (entre 1986 e 1991), defendeu que “Deus é bom, mas o Diabo também não é mau”, pedindo que não fosse esquecida a complexidade das questões.
Na sua óptica, “faz sentido o Estado conceder licenças porque a necessidade de gás e petróleo tem um peso dominante no mundo e em Portugal” e porque há uma série de dividendos para a economia, não só directa, como indirectamente.
Além disso, “hoje 86% do consumo de energia no mundo, infelizmente, são fósseis”, fez notar, acrescentando que o petróleo representa 43% do consumo de energia no mundo.
O antigo governante afirmou que “os transportes são a última grande quinta do petróleo”. Isto porque representam 40% do consumo de energia do mundo, sendo apenas 7% destes movidos a outros tipos de energia.
Alertou que “nunca se consumiu tanto petróleo como em 2016” e que, apesar de o peso relativo do petróleo ter diminuído, em termos absolutos consome-se mais do que alguma vez se consumiu.
Outra certeza afirmada por Nuno Silva foi de que ninguém sabe se há petróleo no mar ou em terra em Portugal, passível de ser economicamente explorado. Referiu que apenas 40% do petróleo é utilizado para energia e que este mineral “é demasiado sofisticado, valioso e interessante para ser miseravelmente degradado em calor, que é o mesmo que pegar num móvel de pau santo obra de arte e parti-lo para colocar na lareira”.
“PROSPECTAR PARA VALORIZAR ACÇÕES”
O ambientalista António Eloy apresentou-se como alguém que gosta de chamar os bois pelos nomes. Esclareceu que nos anos 70 metade da factura energética era petróleo e que hoje é menos de 30%. Acrescentou que o preço médio em 2014 era de 100 dólares por barril e que hoje, depois da quase dissolução da OPEP e do preço tabelado, ronda os 50 euros, para concluir que “há excesso de produção e consumos e preços a cair”.
Caracterizando os cidadãos ligados à natureza como índios, disse que “Portugal está cheio de índios que não querem ter poços de petróleo ao seu lado, com dividendos ilusórios porque esses nunca vão para o índio”.
Em relação à exploração off-shore (longe da costa), afirmou que não crê que alguma vez venha a ser uma realidade. “Com estes contratos de concessão as empresas petrolíferas estão a marcar o seu território”, afirmou, esclarecendo que estão “a jogar com investimentos e perspectivas de circulação de capital”.
O ambientalista acusou a Partex de fugir ao debate e lembrou que não se pode desconsiderar que as empresas estão a jogar com o mercado financeiro.
António Eloy recordou que o petróleo extraído não serve para nada, tem de ser refinado e, notando que a refinaria de Sines é um dos maiores exportadores nacionais, deixou no ar a pergunta: “está nas mãos de quem?”. A resposta é… da Galp.
AUTARQUIAS AINDA NÃO TOMARAM POSIÇÃO
No período aberto ao público, já depois do debate, houve quem questionasse “o que vai na cabeça dos governantes e que motivações têm para autorizar estas concessões”, quem quisesse saber mais sobre os impactos da prospecção e quem perguntasse porque é que a lei 190 de 1994, que permite esta actividade, ainda está em vigor.
Da plateia veio ainda um alerta para os riscos no transporte de petróleo (recordando o Prestige) e a garantia de uma mulher que se apresentou como mãe preocupada: “sou accionista de uma empresa muito importante: o mundo que quero deixar aos meus filhos” e, portanto, afirmou-se contra a hipótese de exploração. Além disso, aproveitou o uso da palavra para dizer que, tendo em conta a ausência dos eleitos do povo das autarquias em causa, saía deste debate muito mais preocupada: “não podemos deixar isto só para os políticos porque eles não nos estão a defender”.
Mas também houve quem se mostrasse a favor da prospecção para conhecer as potencialidades do país neste campo e quem sugerisse que fosse o próprio Estado a fazer a prospecção dos seus recursos.
O Movimento Peniche Livre de Petróleo leu uma comunicação em que dava conhecimento de uma carta aberta escrita às câmaras municipais em que pediam uma tomada de posição face a esta temática. A das Caldas estava incluída, mas “não respondeu, apesar de ter contratos que visam o fracking” no seu território. Fracking é uma técnica bastante destrutiva de extracção de petróleo.
O moderador, Paulo Ribeiro, chefe de redacção do jornal Alvorada (Lourinhã), esclareceu que, ao contrário da Associação de Municípios do Algarve, a Comunidade Intermunicipal do Oeste ainda não tinha tomado posição sobre o assunto.






























