Perto de um milhar de pessoas no funeral do ex-presidente da Câmara de Óbidos

0
889

notícias das CaldasJosé António Pereira Júnior, presidente da Câmara de Óbidos entre 1980 e 2001, faleceu no passado dia 13 de Outubro, em Lisboa, na Clínica São João de Deus. O seu funeral realizou-se no dia seguinte no cemitério das Gaeiras, onde se reuniu perto de um milhar de pessoas para lhe prestar uma última homenagem.
Nascido em 1942 na freguesia de Santa Maria, José António Pereira Júnior fez a escola primária nas Gaeiras e depois ingressou na Escola Comercial e Industrial, nas Caldas da Rainha. Iniciou a sua vida profissional aos 14 anos na empresa Thomaz dos Santos Lda, onde permaneceu até aos 21 anos.
Depois de cumprir o serviço militar em Angola, entre 64 e 67, Pereira Júnior regressou à sua terra e começou a trabalhar como bancário, esteve adstrito ao Banco da Agricultura da Nazaré até ser aposentado, em Dezembro de 2000.

Em 1980, foi eleito presidente da Câmara de Óbidos e reeleito posterior e consecutivamente durante seis mandatos. Foi também presidente da Associação de Municípios do Oeste de 1994 a 1998 e integrou a direcção de diversas entidades de cariz associativo e de solidariedade.
A Câmara de Óbidos apresentou publicamente, em comunicado, “as sentidas condolências à família” e enalteceu, “o sentido de serviço público e de entrega ao desenvolvimento do concelho de Óbidos durante os mais de 20 anos em que presidiu aos destinos da autarquia obidense”.
O actual presidente da autarquia decretou três dias de luto municipal.

- publicidade -

Testemunhos

“Homem simples e afável, que tinha moral e vontade de lutar pelo concelho de Óbidos”

Fernando Costa, presidente da Câmara das Caldas, foi autarca ao mesmo tempo que Pereira Júnior. Lembra-o como um “homem simples, afável, que tinha moral e vontade de lutar pelo concelho de Óbidos”. Apesar de, no geral, a relação ser boa, o edil caldense reconhece que a Lagoa de Óbidos motivou alguns conflitos, pois Pereira Júnior “achava que a Lagoa era só de Óbidos e eu achava que se tratava de uma realidade supra municipal e supra regional”.
Mesmo nestas divergências, Fernando Costa reconhece que “cada um pensava que estava a defender da melhor forma os interesses da lagoa e da região”.

“Foi uma pessoa muito marcante na minha vida profissional”

Cristina Rodrigues, actualmente deputada da Assembleia Municipal de Óbidos teve Pereira Júnior como chefe no seu primeiro trabalho, exercendo as funções de adjunta do presidente entre 1985 e 1989. “Foi uma pessoa muito marcante na minha vida profissional”, disse à Gazeta das Caldas, lembrando que se tratava de uma altura em que a Câmara tinha poucos recursos humanos.
Cristina Rodrigues recorda Pereira Júnior com “muita saudade” e realça que o autarca teve um papel decisivo no desenvolvimento do concelho. “Desenvolveu Óbidos de uma forma extraordinária, tanto ao nível das infra-estruturas como do ponto de vista cultural”, dando como exemplos a criação da biblioteca e do Arquivo Histórico Municipal, assim como a realização das bienais de artes plásticas e o Festival de Música Antiga, entre outros eventos.

“As forças vivas e autarquia das Gaeiras têm obrigação de honrar a sua memória para sempre”

Diamantino Ferreira, ex-presidente da Junta de Freguesia das Gaeiras, considera que o concelho “muito lhe deve”, pelas obras feitas, quer as visíveis, quer as invisíveis, como é o caso do saneamento.
Naturais da mesma localidade e com apenas três anos de idade a separá-los, foram amigos na infância e depois trabalharam em conjunto na vida autárquica.
“Durante todos os mandatos dedicou-se por inteiro a servir o concelho”, disse, acrescentando que as “forças vivas e autarquia das Gaeiras têm obrigação de honrar a sua memória para sempre”. Lembra inclusive que foi Pereira Júnior que tratou da criação da Junta de Freguesia das Gaeiras.
Diamantino Ferreira reconhece que, por vezes, era uma pessoa difícil de dialogar no momento, mas que depois estava de “braços abertos” para resolver os problemas dos munícipes. Lamenta, por isso, que ainda hoje “tentem denegrir o seu trabalho e a sua pessoa”.
O ex-autarca das Gaeiras disse ainda que embora estivessem muitas pessoas e coroas de flores no seu funeral, “oxalá algumas não sejam de espinhos”.

Apoio às iniciativas culturais

Foi o então presidente da Câmara Pereira Júnior que propôs, em 1984, a criação da Associação de Defesa do Património do Concelho de Óbidos permitindo assim a obtenção de fundos comunitários tendo em vista a conservação de alguns monumentos. De acordo com o actual presidente da associação, Carlos Orlando, a autarquia cedeu-lhes também umas instalações no então museu municipal, tendo passado depois para a capela de S. Martinho, com a promessa de que ficariam na Casa do Pelourinho quando as suas obras estivessem terminadas.
Foi também durante os mandatos de Pereira Júnior que foi criado o programa “Descobrir Óbidos”. “Numa altura em que se faziam poucas manifestações culturais o próprio presidente apoiava as iniciativas das associações porque era uma maneira de se fazerem coisas”, lembra Carlos Orlando. Este responsável adianta ainda que quando a associação começou a publicar o “Obidense” era a autarquia quem suportava a maior parte da despesa.

“Pessoa muito determinada e teimosa”

Maximino Martins conheceu Pereira Júnior nos tempos em que frequentavam a Escola Comercial e Industrial, actual Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro e desde então permaneceram amigos.
Viriam mais tarde a encontrar-se na vida política, um como presidente da Câmara e o outro como membro da Assembleia Municipal, eleito num grupo de independentes. “Sempre foi uma pessoa muito determinada e também muito teimosa, gostava de levar as suas ideias até ao fim”, recorda.
Maximino Martins lembra que chegou a haver mesmo “choques” na Assembleia entre o autarca e o grupo de independentes porque “não aceitava que as pessoas tivessem posições discordantes”. Mesmo assim, Maximino Martins continuou com a sua intervenção no município, especialmente a nível ambiental, e reconhece que foi “das poucas pessoas que ele escutava”. Teve sempre em linha de conta as suas opiniões, sobretudo sobre a Lagoa de Óbidos, tendo-lhe mesmo chegando a pedir para fazer um estudo económico daquele ecossistema.
“As pessoas têm muito amigos, mas muitos são apenas de ocasião. Poucos foram os que continuaram até ao fim”, diz Maximino Martins que mesmo durante os últimos anos de doença, nunca deixou de o visitar em Lisboa.
O agora diácono lembra ainda que “é inegável que Pereira Júnior dedicou a vida ao concelho, ainda que com prejuízo para a sua própria saúde”.

Pereira Júnior e a Gazeta das Caldas

O ex-Presidente da Câmara Municipal de Óbidos, Pereira Júnior, agora falecido, sofreu as consequências dos mandatos autárquicos sem fim, norma legal que perdurou até agora.
Durante muitos anos o trato de Pereira Júnior era exemplar com todos, incluindo a comunicação social, destacando-se pela positiva por essa razão durante muito tempo dos autarcas da época.
A insistência em manter-se no cargo, juntamente com problemas de saúde que se foram agravando, deixando-o por vezes limitado na sua acção, permitiram-lhe algumas derivas nos últimos tempos, que lhe vieram a causar bastantes transtornos e polémicas que não merecia, apesar de exagerar na teimosia como alguns obidenses testemunham nesta edição.
Viveu o último período da sua vida, em consequência da doença, com grande sofrimento, facto que deve lembrar a todos aqueles que passam pela vida política a sua condição de homem igual a todos os outros.
Gazeta das Caldas, por tudo isso presta-lhe a justa homenagem porque se deve a ele durante muitos anos um clima de diálogo e de colaboração institucional que muito apreciámos.
A família enlutada apresentamos as sentidas condolências.

JLAS

Excerto da última entrevista de Pereira Júnior à Gazeta

G.C. – Costuma-se dizer que Óbidos e Caldas estão de costas voltadas. Isso acontece por sua iniciativa ou porque Caldas não dialoga com a sua autarquia?
P.J. – O diálogo entre as autarquias de Óbidos e Caldas do ponto de vista institucional  pode considerar-se absolutamente normal entre municípios vizinhos. Poderia ser mais intenso e profícuo para os dois Concelhos. Temos de continuar a tentar que esse relacionamento melhore, tanto mais que do ponto visto estratégico faz cada vez mais sentido que em matéria de definições de modos de actuação e tomada de decisões de alguma importância, elas devam ser tomadas tendo por base a intermunicipalidade, não apenas a dois Concelhos, mas no caso de Óbidos, a todos aqueles que com ele estejam unidos por fronteiras comuns, como são, para além de Caldas, os municípios do Bombarral e de Peniche.

G.C. – A lagoa de Óbidos é um problema que aflige toda a população. Considera que as autarquias e o Governo têm sabido responder às necessidades?
P.J. – Ao longo das últimas três ou quatro décadas a relação das autarquias da Bacia Hidrográfica da Lagoa de Óbidos com este espaço lacustre não está isenta de erros. Nos últimos anos esses erros tem sido evitados e hoje essa relação está indubitavelmente melhor e a consciencialização de que terá de haver uma firme determinação na tomada de medidas que prolonguem por mais uns séculos a vida daquele ecossistema.
O esforço que tem sido desenvolvido, no caso concreto de Óbidos, encontra por exemplo, expressão prática na construção e entrada em funcionamento de várias estações de tratamento de águas residuais.
Teremos agora de caminhar para o ordenamento das margens e para o desassoreamento, acções através das quais nos últimos cinco anos, o Governo Central tem demonstrado uma firme determinação de acudir aquele espaço.
É evidente que se pode dizer que o que está feito é pouco, que se deveria fazer mais, assim ou daquelas não sei quantas outras maneiras, mas para mim, agora mais do que nunca, está-se no caminho certo: o de intervir na Lagoa de Óbidos metodicamente, passo a passo.
Qualquer acção levada a cabo na Lagoa de Óbidos reveste-se sempre de grande complexidade quanto à concretização dos objectivos desejados e sobretudo, quanto aos efeitos colaterais resultantes dessa intervenção.
Mas não tenho dúvidas, que quer o Governo Central, quer o poder local – este por iniciativa própria ou “empurrado” pelo primeiro – fizeram nos últimos cinco anos mais pela Lagoa de Óbidos do que aquilo que se fez nos vinte anos anteriores, onde as intervenções efectuadas se resumiram a intervenções de emergência em matéria de desassoreamento dos canais de ligação da Lagoa com o mar.

Gazeta das Caldas
8/06/2001

- publicidade -