Passageiros regulares veem a Linha do Oeste como uma “alternativa viável” à rodovia

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Durante os meses de verão, a estação das Caldas da Rainha ganha nova vida com os passageiros que utilizam o comboio para uma ida à praia

Há quem faça dos comboios o seu meio de transporte diário e há quem os utilize, no verão, para ir à praia, certo é que resposta do serviço está a conquistar passageiros na Linha do Oeste

Rui Pinheiro é cliente assíduo do comboio. Utiliza-o sobretudo para ir trabalhar mas, por vezes, também aproveita as folgas para dar uma volta sobre carris. O caldense trabalha numa unidade hoteleira em Óbidos e faz o percurso em cerca de cinco minutos.
“É rápido, confortável e tranquilo”, diz, ao mesmo tempo que deixa um reparo: a falta de oferta ao nível de horários. Atualmente o último comboio que sai da estação das Caldas com destino a Lisboa parte às 19h23. É esse que Rui Pinheiro apanha quando está no turno da noite. Por vezes, e tendo em conta que ainda falta bastante tempo para entrar ao serviço, segue no comboio pela Linha do Oeste e regressa na última composição que vem de Meleças, e chega a Óbidos às 21h10.
“Se tivéssemos no Oeste comboios de hora em hora era excelente”, conta aquele utente à Gazeta das Caldas.
Rui Pinheiro tem passe social e faz as suas deslocações sobretudo dentro da área abrangida pela OesteCIM, aplaudindo o modelo que garante descontos aos utilizadores da região. “Foi uma boa medida, que nos beneficiou e nota-se que há um aumento de passageiros”, considera.
A sua relação com este meio de transporte começou quando fez o serviço militar, em 1997, usando-o primeiro para se deslocar para Leiria e depois para a Carregueira (Sintra). Profundo conhecedor da ferrovia, sobretudo da Linha do Oeste, Rui Pinheiro, que é também membro da Comissão para a Defesa da Linha do Oeste, está sempre disponível para ajudar os outros passageiros, quando se “perdem” por estes lados.
“Há muita falta de informação”, resume o caldense, referindo-se sobretudo às estações que não estão abertas. A esta situação acresce o problema do passageiro ter de pagar o bilhete em numerário, pois não é possível efetuar o pagamento com cartão multibanco nos comboios.
O utente recorda que muitos dos passageiros abandonaram a ferrovia em 2018, quando reduziram as composições e os horários. Algumas dessas pessoas estão a voltar, motivadas pelo aumento dos combustíveis e o aumento da oferta.
Também os turistas que visitam a região preferem este meio de transporte. “Alguns dizem que podem observar a paisagem, que é confortável e mais económico do que alugar um automóvel”, explica.
Com a eletrificação, a Linha do Oeste terá mais passageiros, acredita Rui Pinheiro, porque conseguirá aumentar a sua oferta e servir mais públicos.
“O material elétrico tem um outro poder de arranque, de tração, que não tem o diesel”, conta, reconhecendo que, nesta fase e tendo em conta que ainda não são visíveis quaisquer trabalhos no terreno, os passageiros estão muito céticos relativamente à sua concretização, pelo menos nos prazos anunciados.

Conforto e custo acessível
Entre segunda a sexta-feira Carlos Coutinho faz o percurso entre a Malveira, onde reside, e as Caldas, onde trabalha. Cerca de hora e meia de viagem, que aproveita para ir adiantando o trabalho ao computador, ler ou mesmo descansar.
Sócio-gerente de uma empresa nas Caldas da Rainha, utiliza esta linha desde 2006 e considera que atualmente é uma alternativa “bastante viável”, tendo em conta o conforto e os custos.
“Neste momento a oferta que existe na Linha do Oeste já é bastante boa”, diz Carlos Coutinho, lembrando que nem sempre assim foi, o que levou muitas pessoas a ficar com má impressão deste meio de transporte e que vão tardando em voltar. Ainda assim tem conhecimento de pessoas que se “reconciliaram” com a ferrovia e já utilizam de novo o comboio para as suas deslocações, evitando também problemas com o estacionamento.
O empresário está optimista com os benefícios da eletrificação da linha, o seu único receio é o avanço da obra que, nos últimos tempos, tem visto mais parada.

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O comboio da praia
No verão, a Linha do Oeste tem um acréscimo extraordinário de passageiros, sobretudo no troço que faz a ligação entre as Caldas da Rainha e São Martinho do Porto. O que não é de espantar. Afinal, a ferrovia tem aqui várias vantagens, a começar pelo tempo de viagem, que liga a cidade à praia em cerca de 8 minutos. É mais rápido do que ir de carro, ou autocarro, até São Martinho, ou à Foz do Arelho, com a vantagem de a estação deixar os passageiros num acesso direto à praia, sem ser necessário uma grande caminhada, ou perder tempo à procura de estacionamento.
Há quem aproveite o comboio para ir à praia sozinho, em família ou até em grupo, incluindo escolas e campos de férias.
Este é o caso de Carlos Hermínio, professor na EB de Santo Onofre e coordenador do campo de férias que anualmente a escola organiza para os alunos do 1º ao 9º ano. Entre as atividades proporcionadas às 56 crianças que este ano desfrutaram do campo de férias, há uma que envolve uma ida de comboio a São Martinho do Porto. “São três experiências numa”, conta o professor. “É um dia muito giro, em que andam de comboio, fazem canoagem e fazem o piquenique na praia”.
A viagem em si é um atrativo para as crianças. “Vão melhor do que se fossem de autocarro. Têm mais espaço e comportam-se muito bem, vão sem alaridos. A viagem também é muito pequenina, nem saboreiam o suficiente, mas é diferente”, descreve o professor.
O único senão, aponta, tem a ver com o processo demasiado burocrático para concretizar a iniciativa. “Temos de enviar um e-mail para uma pessoa que está em Coimbra, que envia um orçamento que temos que aprovar. Depois, em vez de se imprimir um bilhete de grupo, tem que se imprimir os bilhetes um a um. O processo devia ser mais moderno”, conclui, pedindo… mais velocidade ao processo. ■

A caminho da reconciliação com a Linha do Oeste

José Luiz Almeida e Silva
diretor

Passou meio século que fiz uma promessa: Nunca mais viajaria na Linha do Oeste enquanto não houvesse uma “revolução” no funcionamento da mesma.
Estávamos no início da década de 1970 e esperava a partida da automotora na estação do Rossio que seguia para a Figueira da Foz e chegava às Caldas em 1h45m, aproximadamente, com menos de meia dúzia de paragens na viagem. Saía à hora do almoço e chegava a Caldas antes das 15h00. Contudo alguém havia decidido colocar apenas uma carruagem para essa viagem. Os passageiros, que eram muitos e que ultrapassavam a lotação, indignaram-se, saltaram para a linha e colocaram-se à frente da viatura impedindo a partida. Ninguém do pessoal da CP veio saber o que se passava. Algum tempo depois, não podendo avançar, ouve-se nos altifalantes que aquela composição seria substituída por uma outra. O povo acalmou e esperou, então, pela composição substituta. Uma hora depois chegou nova composição, com mais carruagens, aliás a que estava prevista para essa hora, mas com paragem em todas as estações até Caldas. Em vez de ter chegado às 15 horas cheguei depois das 18h00. A partir daí e até recentemente nunca mais. Alternativa as ligações rodoviárias ou transporte pessoal. Algum tempo depois do 25 de Abril houve a primeira revolução nas ligações dos transportes públicos à capital com a invenção das carreiras Expresso.
Desde aí as ligações para Lisboa ficaram asseguradas em cerca de uma hora e com vantagem para os utilizadores, excepto no custo dos combustíveis e portagens no caso do transporte particular.
Ao longo destes 50 anos repetiram-se os debates e as polémicas sobre as ligações ferroviárias, mas nunca houve da parte do poder central, fosse mais à direita, ou mais à esquerda, qualquer desígnio para resolver a questão estruturalmente. Só ultimamente, como foi reforçado na passada terça-feira na estação das Caldas pelo ministro vedeta dos Transportes, Pedro Nuno Santos, sem a bazuca, mas com os propósitos de sustentabilidade ambiental, se ouve falar em tentar resolver o problema, apesar de agora se falar no desígnio de colocar a linha do Oeste na estratégia nacional e europeia dos transportes. Pelo caminho ficaram momentos trágico-cómicos como do anúncio da possível eliminação da linha do Oeste para passageiros nos anos da troika.
Nos últimos meses nas idas à capital decidi-me utilizar a Rápida (para evitar as consequências do aumento drástico dos combustíveis) e regressar em modo ferroviário. A partir da estação de Sete Rios às 17h07, com o custo do bilhete (para seniores) de menos de 5€, poupando mais de 1€ em relação à Rápida, chega-se às Caldas num pouco mais de tempo. Infelizmente no sentido contrário e de manhã só há uma ligação a Lisboa com a mesma eficiência, mas parte às 6h21, o que só resulta para quem tem de chegar a Lisboa antes das 9h00. Uma carruagem cómoda, espaçosa, aquecida no inverno, limpa e agradável. Partida à hora marcada demorando até à saída da Linha de Sintra em Meleças cerca de um quarto de hora. Depois a caminho de Mafra e Malveira, é mais meia hora para sair da Grande Lisboa. [Um projeto a sério para resolver o imbróglio da Linha do Oeste poderia ser uma ligação daqui a Loures e depois à estação do Oriente em pouco mais de 15 minutos].
A partir da Malveira uma viagem agradável, com uma paisagem frequentemente bonita com a imagem do Oeste saloio e rural, mas entrecortada por ruínas, armazéns e fábricas abandonadas, paredes por caiar, lixo pelo caminho, estradas esburacadas em terra batida, etc. .
O comboio atravessa o percurso a velocidade razoável, parando sucessivamente em Pero Negro, Dois Portos, Torres Vedras, Ramalhal, Outeiro, Bombarral, Óbidos, para chegar pontualmente às 19 horas. Ou seja, se o percurso ligasse Loures e Caldas da Rainha, com linha modernizada e eletrificada e carruagens Séc. XXI, o paradoxo das ligações ferroviárias no Oeste podia ter encontrado uma solução racional e eficiente. Provavelmente até poderiam circular alguns serviços ferroviários que só parassem em duas ou três estações e a ligação atual de duas horas ou nalguns casos quase três horas, poderia baixar para menos de uma hora, sem ser a Grande Velocidade. Agora promete-se na nova modalidade elétrica que o percurso seja reduzido para hora e meia e aumentadas as frequências.
Quase me reconciliei com o transporte ferroviário meio século depois.
Com o catastrófico e sinistro aumento dos combustíveis, com as portagens mais caras (o seu custo para séniores é igual ao bilhete do comboio), com o crescente caos automobilístico, especialmente à chegada à grande cidade, nas horas de ponta, a reconciliação definitiva seria um passo fácil.
Viajar de comboio no século XXI é uma das soluções evidentes e mais inteligentes, tanto para curtas viagens como mesmo para viagens mais longas até 1000 km. Se for feita em grande velocidade neste caso, compensam fortemente a complexidade e incómodo cada vez maior das viagens aéreas, por mais low cost que sejam. Há dias viajámos em países da Europa Central em modo ferroviário e a utilização era intensa e cómoda, com as lotações próximas dos 100% mesmo nos meios mais caros (TGV).
Desafiamos o leitor a fazer uma experiência idêntica à nossa utilizando a estação da CP de Sete Rios, frente às partidas dos Expressos e provavelmente vai reconciliar-se com os transportes ferroviários beneficiando da segurança, qualidade e paisagem agradável. ■

Caldas da Rainha, 28 de junho de 2022, dia da assinatura da consignação da obra de modernização do troço Torres Vedras-Caldas

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