Pão por Deus é uma tradição que está viva

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Associação MVC entregou o Pão por Deus a 1500 crianças das escolas caldenses
Nos Vidais tem-se vindo a organizar o evento de Pão por Deus para manter viva a tradição
Nas Gaeiras, no concelho de Óbidos, a iniciativa inclui a Oficina do Pão e da Semente

Não tem o impacto de outrora, mas tanto na cidade, como nas aldeias, há crianças a bater às portas. Venha conhecer os casos de quem, no concelho, “luta” para manter viva esta tradição

O Pão por Deus é uma tradição muito portuguesa (e regional), que remonta ao pós terramoto de 1755, a uma época em que, após a destruição, as pessoas sem recursos e com fome iam para as ruas pedir o Pão por Deus. Felizmente, os tempos são outros, mas a tradição e o que ela simboliza têm sido passadas de geração em geração.

Além das muitas mudanças sociais, da questão da segurança e liberdade das crianças antigamente e hoje, por exemplo, uma das diferenças está ao nível do que é o “Pão” que se dá. Se antigamente era muito à base de frutos secos, batatas e frutas, nas últimas décadas têm-se tornado cada vez mais frequente as guloseimas, como rebuçados, gomas e chocolates.

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Também houve quem, ao longo dos anos, ficasse conhecido por dar uma moeda, como é o caso de Thomaz dos Santos, sobre quem um artigo de Pão por Deus nas Caldas tem, obrigatoriamente, de falar.

Outra das grandes diferenças situa-se ao nível da adesão a esta iniciativa. E nesse campo tem-se registado uma diminuição com o passar do tempo. A imagem de grupos de crianças a tocar às campainhas e a pedir “Pão por Deus” é cada vez menos comum, tal como são cada vez mais raras as pessoas que têm efetivamente algo para dar. Ainda assim, no passado sábado, durante a manhã, viam-se alguns pequenos grupos pela cidade a bater às portas.

Na livraria O Narrador, no Largo Heróis de Naulila, logo em frente ao local onde as crianças faziam antigamente fila para a moeda de Thomaz dos Santos, além dos doces, os mais novos eram convidados a escolher uma banda desenhada para levar. “Esta foi a melhor casa!”, exclama um petiz, com uma banda desenhada do Homem Aranha na mão. O caldense Gonçalo Carvalho, de 35 anos, é o mentor deste espaço, que abriu em fevereiro de 2024. “A minha ideia com este projeto é restituir essa vontade de ler e de pegarem no material físico”, até porque “todos nós, em crianças, gostávamos dos nossos heróis”.
Relativamente aos custos da iniciativa, relativiza. “Não me custa nada, pelo contrário”, refere.

No dia de Pão por Deus vieram muitas crianças, tanto que O Narrador decidiu até aumentar a campanha para o dia seguinte. “É gratificante ver nos olhos das crianças a felicidade de levarem uma banda desenhada. É brutal!”, exclama. O Batman e o Homem Aranha foram os mais procurados, mas também apareceu um grande fã do Hulk. “Foi engraçado”, resume.

Quem também tem vindo, ano após ano, a tentar que esta tradição não caia no esquecimento é a associação MVC. Assim, no Clube de Costura, produziram 600 sacos de pano para o Pão por Deus para oferecer aos mais novos nas escolas do concelho. Isto recorrendo a restos têxteis, que assim ganham uma nova vida, numa lógica de sustentabilidade que pauta a criação e o trabalho deste clube. Depois angariaram os doces, prepararam os sacos e entregaram nas escolas.

Este “é o dia em que as crianças saem à rua e vivem a experiência da partilha, reativando tradição mas sobretudo treinando a comunidade para os valores como a partilha, proximidade, convívio, união e comunidade”, refere Teresa Serrenho, esclarecendo que formaram “uma equipa especificamente para preservar e incentivar a memória desta tradição tão nobre e tão portuguesa”. No total, foram mais de 1500 saquinhos de Pão por Deus que entregaram nas escolas do primeiro ciclo do concelho, com uma mensagem onde explicavam a criação desta tradição.

Nos Vidais, freguesia rural do concelho das Caldas, tem-se vindo a fomentar esta tradição, com a Junta de Freguesia a organizar um evento em que convida as crianças e oferece-lhes sacos com doces, mas também alerta os moradores para estarem preparados para a passagem dos grupos.

“Manter e incutir nos mais novos as nossas tradições, será sempre uma motivação entre todos, assim como o contacto entre os mais novos e os mais velhos”, referiu o presidente da Junta, Rui Henriques, frisando que “mesmo com o mau tempo”, os participantes “não se negaram e seguiram com esta tradição tão portuguesa”.

No concelho de Óbidos a Junta de Freguesia das Gaeiras tem vindo a organizar o Pão por Deus nos últimos anos, sempre com centenas de participantes. “Mesmo com a previsão de condições meteorológicas adversas, a nossa vila voltou a receber centenas de crianças, famílias e amigos”, referiu o presidente da Junta. “A todos os voluntários que fazem este dia acontecer deixamos o nosso agradecimento, assim como a todas as casas que abrem as suas portas e fazem as crianças mais felizes”, acrescentou. Na freguesia do Vau também houve este ano um pequeno evento, com entrega de sacos na sede da Junta.

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