Os jornais regionais centenários ou quase centenários são a memória das terras onde são publicados

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O futuro da imprensa regional (e nacional) é de crise. Mas há receitas para a superar: não descurar o imediatismo do on-line, mas manter a edição em papel com notícias de valor acrescentado, apostar na investigação e saber fazer a diferença através de um trabalho jornalístico sério e independente que traga aos leitores aquilo que não encontram na voragem das notícias publicadas na Internet.
Estas as propostas de Pacheco Pereira, apresentadas no passado dia 25 de Fevereiro em Santarém numa conferência sobre o papel da da imprensa centenária, no âmbito das comemorações dos 120 anos jornal Correio do Ribatejo.

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“Um jornal que tem 100 anos, ou quase, significa que a terra onde é publicado tem memória, coisa que não acontece noutras localidades”, começou por dizer Pacheco Pereira, na conferência proferida  na sala de leitura Bernardo Santareno, em Santarém, perante uma plateia de perto de uma centena de pessoas, número que surpreendeu a própria organização.“Hoje já não se dá muito valor à memória”, lamentou o orador, referindo que os jornais nacionais deixaram de ter uma rede de correspondentes locais e que os próprios jornalistas deixaram de consultar os arquivos dos seus próprios jornais, vivendo-se assim no imediatismo. Notícias com 15 dias, que mereciam continuar a ser desenvolvidas, rapidamente saem de cena e são substituídas por outras que também rapidamente caem no esquecimento.
Daí a importância da imprensa regional como guardiã de uma memória colectiva. “Terras sem memória são mais pobres e têm sempre menos a dizer ao mundo”, disse o investigador.

A conferência, bastante participada, decorreu na sala de leitura Bernardo Santareno

Posto isto, haverá futuro para estes jornais centenários ou quase centenários?
A resposta de Pacheco Pereira à sua própria pergunta não é animadora. “O futuro dos jornais regionais, e de toda a imprensa escrita, é de grande crise”, diz. Uma crise que resulta da maneira como as pessoas procuram a notícia e a obtêm facilmente na internet, tornando obsoletas as informações que se lêem no dia seguinte no papel.
Por isso, o historiador diz que os jornais devem ter duas redacções: uma para o online, que responda à importância do imediatismo na internet, e outra para a edição em papel com informação relevante mas que tem de ser tratada do ponto de vista jornalístico.
“O problema é que a imediaticidade desloca a informação para a internet, mas as pessoas têm de ter consciência que a informação obtida em tempo real não é informação de qualidade”, afirmou Pacheco Pereira. De resto, e no que diz respeito ao chamado “jornalismo cidadão” e à facilidade com que na rede se colocam informações, o investigador diz que nada substitui o trabalho do edição do jornalista que é essencialmente um “técnico” e que dá a credibilidade à notícia.
Notícias essas que poderão, no futuro, ser publicadas em edições de papel electrónico, uma tecnologia já existe e que deverá vulgarizar-se no futuro. “O papel electrónico pode ser dobrado e aberto a qualquer momento e receber um jornal com um grafismo igual ao do papel”, disse Pacheco Pereira, defendendo que existe um “nível de conforto para a leitura em papel” que não se satisfaz nas tabletes, iPads e telemóveis. “A notícia também é grafismo, também é o equilíbrio da página e a conjugação com outras notícias”, disse.

“É o trabalho sobre a notícia que faz a diferença e dá a identidade aos jornais”

O que é importante, é que, seja em papel de celulose, seja em papel electrónico, o jornal do futuro só tem interesse para ser comprado pelos consumidores se este oferecer mais do que a Internet. “A parte da informação que vai para a edição em papel tem de ter acrescido o trabalho jornalístico, o trabalho de investigação. É o trabalho sobre a notícia (que já está dada na edição electrónica) que faz a diferença e dá a identidade aos jornais”.
Quanto às notícias online, Pacheco Pereira defendeu que estas devem ser pagas. “Só há um caminho – o pagamento por clic”, disse, embora consciente que Portugal tem, a este nível, um problema que é o da sua pouca escala.
O pagamento deve ser muito simples e o preço barato. “Neste domínio os sites pornográficos foram pioneiros porque introduziram sistemas de pagamento muito simples”, contou. Os jornais devem, assim, “migrar para o pay for view, que, se for a 1 cêntimo por clic ou por notícia, funciona bem, mas se for a 50 cêntimos, já não funciona”.
O orador disse que “não faz sentido o tudo de graça na internet” e afirmou que “os jovens não têm razão quando dizem que tudo o que está na net deve ser de graça”.
Os jornais têm de se financiar, na net, com mecanismos deste género e, no papel, vendendo boas reportagens “que façam as pessoas correr para os jornais para os comprar”.
E é neste aspecto que Pacheco Pereira entende que os jornais centenários ou quase centenários estão sentados em cima de uma mina “não direi de ouro, mas sim de prata”, que é o seu imenso património. “O jornal pode rentabilizar o seu património publicando os seus arquivos, fotos, documentos, a baixo preço. Dá pouco, mas sempre são algumas receitas, e sobretudo dá prestígio”. É que, concluiu, “há futuro para o passado”.

A dependência dos poderes económicos
Tão grave quanto a dependência do poder político, é a dependência dos jornais do poder económico, referiu Pacheco Pereira, a propósito da maior fragilidade dos jornais às receitas da publicidade em tempo de crise.
A isenção e a independência devem continuar a ser a base da confiança entre os jornais e os seus leitores.
O investigador mostrou-se preocupado com as teias de interesses económicos em torno de alguns grupos empresariais da comunicação social e deu o exemplo de um conhecido semanário: “há quanto tempo o Sol não tem uma notícia jornalística sobre Angola? O que tem é propaganda. Tem aquilo que os governo angolano quer. A gente percebe que o dono condiciona a informação”.

Candidatura a Património Mundial da Unesco
Há imensos jornais centenários no mundo, mas jornais regionais com mais de cem anos é coisa rara. Excepto em Portugal, onde se contam cerca de duas dezenas de títulos seculares. Um fenómeno luso que se explica pela importância que a imprensa regional teve no país, com centenas de jornais a serem criados por motivos políticos no auge das lutas dos governos constitucionais do fim da monarquia e, mais tarde, no período revolucionário da I República.
Alguns desses jornais chegaram aos nossos dias tendo atravessado todo o século XX português, sendo hoje fontes incontornáveis para quem quiser estudar a história das localidades e regiões onde são publicados.
Por outro lado, Portugal, ao contrário dos restantes países europeus, não sofreu as duas guerras mundiais no seu território nem teve nenhuma uma guerra civil (como a espanhola) nos últimos cem anos. Motivos que permitiram a continuidade sem sobressaltos daqueles jornais regionais.
É, por isso, devido a esta característica bem portuguesa, que a AIP (Associação de Imprensa Portuguesa) vai propor a candidatura da imprensa regional centenária a Património Mundial da Unesco.
A intenção foi avançada em Santarém por João Palmeiro, presidente daquela associação, durante o primeiro Encontro Nacional da Imprensa Regional Centenária, que reuniu naquela cidade seis jornais centenários ou quase centenários: Aurora do Lima (Viana do Castelo, com 157 anos), Folha de Tondela (com 106 anos), A Reconquista (Guimarães, com 66 anos), a Cidade de Tomar (77 anos), a Gazeta das Caldas (87 anos) e o Correio do Ribatejo, anfitrião do encontro, que comemora os seus 120 anos.
Jornais como o Açoreano Oriental e a Comarca de Arganil não puderam estar presentes, mas enviaram mensagens.
No encontro, directores e administradores destes periódicos, debateram os problemas que afectam o sector, destacando-se as perdas de receitas da publicidade, o mau e caro serviço prestado pelos CTT na distribuição dos jornais, os atrasos nos pagamentos, o IVA que é pago antes de se receber do cliente (um problema comum a todas as empresas), bem como a forte dependência das poucas gráficas existentes no país.

Carlos Cipriano
cc@gazetadascaldas.pt

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