Porque é que os alunos não comem na cantina?

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Gazeta das Caldas
Hoje em dia a grande maioria dos alunos prefere comer fast-food fora da escola do que comer na cantina escolar |DR

Gazeta das Caldas tentou compreender por que é que a maioria dos alunos não come na cantina escolar e concluiu que tal se deve a vários factores. A falta de qualidade das refeições aliada aos maus hábitos alimentares são os principais, mas há também um ligeiro preconceito: não é “cool” ir à cantina! É mais “fixe” ir aos bares em redor da escola comer comida cheia de calorias.
Nos refeitórios escolares há outro problema: a falta de funcionários, na maioria das vezes abaixo do rácio estabelecido.

A comida da cantina nunca foi muito afamada. Poucas são as que têm capacidade de atrair pessoas pelo sabor da comida que servem. A falta de escolha nos pratos não ajuda, a qualidade dos produtos não é a melhor e os hábitos alimentares das crianças estão hoje muito distantes das ementas praticadas nas escolas. Além disso, há muita “concorrência” em volta dos estabelecimentos escolares com uma vasta oferta de produtos menos saudáveis, mas mais saborosos. A isto junta-se ainda um preconceito antigo que é preciso combater: é mais “cool” ir comer fora da escola do que na cantina escolar.
No primeiro ciclo, a alimentação é da responsabilidade da autarquia, que na maioria dos casos subcontrata uma empresa para o efeito. Há também casos de associações, pagas pelo município, que fazem esse trabalho.
No caso das secundárias – que foram o foco desta reportagem – as refeições escolares estão na tutela da DGEstE (Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares), que paga à empresa privada Gertal para prestar este serviço.

“Pouca qualidade nos produtos”

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Na Bordalo Pinheiro é servida uma média superior a 400 refeições diárias, que correspondem a 50% dos alunos. A directora Maria do Céu Santos contou à Gazeta das Caldas que “os alunos tendem a dizer que a comida não tem qualidade”. E essa é uma ideia que a própria directora corrobora: “sinto que há pouca qualidade nos produtos que vêm para a cozinha, apesar de as cozinheiras os tentarem tornar o mais agradáveis possível”.
Nesta escola, entre os utilizadores da cantina, conta-se uma grande fatia de alunos dos cursos profissionais porque estes não pagam refeição (ao contrário dos alunos dos cursos regulares).
Em relação à quantidade, que foi um dos problemas apontados, tem havido menos queixas. As reclamações surgiam porque as doses, que são individuais, são iguais para crianças com 10 ou com 18 anos. “Isto leva a que uns não comam tudo e outros comam pouco”, diz a directora.
Maria do Céu Santos defende que, “uma vez que os alunos com maiores carências estão protegidos, acho que se devia investir um pouco mais no valor da refeição se isso significasse a melhoria na qualidade dos produtos”.
Apesar destes factores, a directora diz que os estudantes “deviam aproveitar toda a refeição a que têm direito e que inclui sopa e fruta”.
As refeições não consumidas são também elas um problema, porque representam um desperdício de comida, por um lado, e de dinheiro, por outro.
A escola sede do agrupamento pagou, há três anos, 2000 euros por refeições não consumidas num ano lectivo. Depois foi adoptado um sistema de multas que permitiu recuperar 49% do valor das refeições não consumidas.
Nesta escola tem também sido aplicada a nível experimental a ementa vegetariana, que a partir do próximo ano é obrigatória por lei e que tem sido alvo de muitos elogios.
Diariamente na Bordalo Pinheiro há duas refeições pagas para prova, com inscrições abertas a alunos, funcionários e familiares.
No entanto, em Santa Catarina, cuja escola faz parte do mesmo agrupamento, o cenário é diferente: praticamente a totalidade dos alunos come na cantina, inclusive os que têm tarde livre e que só vão para casa depois do almoço. “Quase não há queixas da qualidade”, afirmou a directora.

“Há coisas que deviam ser melhoradas”

Na escola sede do Agrupamento Raul Proença apenas um quarto dos alunos come na cantina. São, em média, 300 dos 1200 que ali estudam. O director João Silva salienta que “o serviço da cantina escolar está abaixo da qualidade do serviço educativo prestado no agrupamento”.
Quando a escola tinha cozinheiras próprias todos os dias havia um prato de peixe e outro de carne, sendo que os produtos eram comprados localmente. “Nessa altura havia muitos alunos e professores a comer no refeitório”.
João Silva considera que era importante que o único critério do concurso decidido pelo Ministério da Educação não fosse o preço mais baixo, mas também a qualidade. Ainda assim, defende que o problema não é o preço, mas sim os objectivos. É que, se antes a meta era alimentar bem as crianças, hoje, com o serviço entregue a privados, o objectivo é maximizar os lucros.
Mas o problema também vem de casa, dos hábitos alimentares: “o gosto vai-se educando e sentimos que os jovens em geral estão cada vez mais habituados ao gosto do fast-food”, o oposto do que existe no refeitório.
Há ainda uma questão: a rua em frente à escola tem vários cafés e restaurantes com comida rápida e produtos que não são vendidos na escola como é o caso de refrigerantes e guloseimas. No entanto, o bar da escola tem sumos naturais e fruta em quantidade, incluindo saladas de fruta.
Nesta escola também houve problemas com a quantidade, mas foram ultrapassados com a vinda de uma nova cozinheira há um ano. “As coisas melhoraram não só na confecção como na repetição dos pratos”, assegurou.
Para combater o desperdício começaram por pedir aos directores de turma para abordarem os encarregados de educação dos alunos que marcavam a refeição mas não a comiam. Contudo, como isso não deu resultados satisfatórios, agora vão ser aplicadas multas.
É que, tal como na Bordalo Pinheiro, os alunos têm a possibilidade de marcar ou desmarcar a refeição até às 10h00 através da Internet. Dessa forma ficam com o dinheiro que tinham e a comida não vai para o lixo. “É muita comida que vai para o lixo e dinheiro dos impostos que é gasto”, diz o director em relação às refeições marcadas e não consumidas.
Apesar de haver um diálogo constante com a empresa responsável, João Silva é da opinião que “o Ministério devia ter equipas que, de surpresa, provassem a comida”.
Todos os dias dois funcionários provam a comida e a escola convida os pais a provar. Os que têm ido “não acham que seja tão má como as críticas”. Ainda assim, “há coisas que deviam ser melhoradas”, como uma maior flexibilidade das escolas na escolha das ementas.
Na EBI Sto. Onofre, do mesmo agrupamento, servem-se mais de 300 refeições diárias, num total de 500 alunos. Mas ali os estudantes são mais novos e não há tanta oferta em torno do edifício.

“Não há nada a apontar”

Já na D. João II servem-se, em média, 300 refeições diárias, que correspondem a perto de um terço do total dos alunos. Jorge Graça, director do agrupamento, afirmou à Gazeta das Caldas que regularmente os membros da direcção provam a comida e que “não há nada a apontar pois é uma refeição completa e diversificada”.
Os alunos não vão à cantina “porque não gostam da ementa e do tipo de comida”, disse.
Quando há queixas dos alunos, a direcção convida os pais a experimentarem e estes “dizem que a comida é boa”.
As refeições são confeccionadas na hora, na própria escola e os alunos podem sempre repetir. Ninguém fica sem comer, garante o director: “mesmo sem senha dizemos que podem comer uma sopa, pão e sobremesa, bem como o segundo quando há”.
A escola encerrou o bar à hora de almoço para levar os alunos ao refeitório, mas a grande maioria prefere comer fora.
As refeições não consumidas “são um problema transversal” e além dessas, há muita comida que é desperdiçada porque os alunos comem pouco. “É de lamentar a quantidade de comida que vai para o lixo”, afirmou.

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