Postal Ilustrado. década de 1910?Joaquim António Silva – 2013
Hoje, em 2013, muitos anos distanciam estas duas fotos; talvez 80 ou mesmo 90 anos possam separar a velha da nova fotografia. A foto actual faz, perante a outra, um contraponto a cores. Nunca mais andei de comboio desde 1997. Antes disso andei em 1977, eu ainda não tinha automóvel, era Março e minha mãe veio dizer adeus ao Rossio e chorar umas lágrimas doces enroladas numas bananas da Madeira, simpatia de última hora. Os táxis não paravam na plataforma, a automotora para as Caldas (para a Figueira?) estava prestes a partir e o tempo urgia. Foi rápida a despedida, a viagem era de duas horas. Sabíamos que, como sempre, a camioneta (a carreira) das sete e vinte esperava por nós, era o serviço combinado com a CP. E depois ainda havia a paragem do Clementino. Muita gente perdia a carreira para Santa Catarina mas o senhor Guimarães e o Vítor davam o conselho de ir depressa até ao Clementino porque ali na taberna, entre tremoços e copos de três, havia sempre uma paragem informal. Era a força do costume.
A Linha do Oeste está muito ligada à minha vida toda – infância, juventude, vida militar, idade adulta. Perder a Linha do Oeste é perder um bom bocado da minha memória e isso custa muito. Em 1957 fui para o Montijo com a família e muitas vezes viemos no vapor do lado de lá até ao Terreiro do Paço para atravessarmos a correr a Rua do Ouro e compararmos o bilhete para a automotora das cinco e vinte. Era certo e sabido que a carreira para Santa Catarina esperava por nós na estação das Caldas duas horas depois. Nunca a perdemos mesmo no Inverno quando chovia e o comboio se atrasava um pouco, ela esperou sempre.
Na vida militar em 1972 utilizei muitas vezes a Linha do Oeste ao fim-de-semana entre Abril e Julho desse ano aos Sábados para Lisboa e aos Domingos para as Caldas onde ia jantar a casa dos meus avós de Santa Catarina. Foi de comboio que vim com o meu grupo para a EPAM do Lumiar (Alameda das Linhas de Torres) e estava uma velha Berliet à nossa espera. Nunca percebi uma piada do tempo («És filho dum cabo miliciano?») mas a verdade é que os meus filhos podem dizer com orgulho que são filhos de um cabo miliciano com um louvor na caderneta militar por ter participado no «25 de Abril» mas isso foi em 1974 na Pontinha, não é da Linha do Oeste em 1972.
Em 1977, em plena lua-de-mel, fui para e vim das Caldas da Rainha sabendo que havia outra lua-de-mel em Julho na Holanda e na Bélgica com sete contos e quinhentos de divisas mas tudo se resolveu. Ainda tenho esse passaporte com as contas de quantos florins davam os famigerados sete contos e quinhentos. A felicidade não se mede pelos cifrões, a vida é um mistério; não um negócio e ainda bem.
Um dia mais tarde, já como jornalista do semanário «Sporting», fui em Maio de 1997 à Figueira da Foz num comboio para fazer uma reportagem sobre a Ginástica do Sporting Clube de Portugal. Mas estranhei pois a viagem só começou no Cacém, enfim agora é em Meleças, qualquer dia acaba a Linha do Oeste. E depois, que será de nós? De qualquer modo hoje fico contente pois vi que a casa não foi abaixo tal como as memórias não se perderam.
Inaugurada em 1888, a Linha do Oeste ligava Lisboa à Figueira da Foz e passou em 1891 a estar em comunicação com a Linha do Norte em Alfarelos. Já existiam as linhas do Norte, do Leste e do Sul. Os principais pontos da nossa Linha eram Torres Vedras, Bombarral, Óbidos, Caldas da Rainha, Valado, Marinha Grande, Leiria e Figueira da Foz. Outros pontos de passagem eram (cito de memória) Cacém, Malveira, Pêro Negro, Dois Portos, Sapataria, Outeiro, São Mamede, São Martinho, Martingança, Monte Real, Monte Redondo, Guia e Louriçal. Digo os nomes das terras porque tal como os nomes das pessoas, são reflexos de vida. E tudo isto se está a perder. E nós todos vamos perdendo um pouco da nossa vida na Linha do Oeste que, como eles agora dizem, está a ser «descontinuada».
Que saudades tenho das viagens que fazia com o meu avô…