
A minha memória do Bairro dos Arneiros dilui-se nas conversas que ouvia nos anos 50 e 60 sobre a construção clandestina que ali era feita, sem que as autoridades tivessem o cuidado ou a preocupação de antecipar-se ao fenómeno social emergente e dar um sentido ao bairro que ora surgia.
Durante esses anos, o que ouvia era sobre as tentativas conseguidas por muitos caldenses, ou de gentes das redondezas, em fazerem ali as casas, que noutras partes da cidade não conseguiam concretizá-las devido à falta de terrenos ou de meios suficientes para os adquirir.
Recordo também que muito do dinamismo dessa construção esteve associado, em muitos casos, a recursos provenientes da emigração, que o país não soube nem quis acolher benevolamente, uma vez que havia sempre um preconceito perante aqueles que tinham conseguido singrar mais rapidamente depois de terem partido clandestinamente da nossa terra.

Consequência desta situação era a inexistência das infra-estruturas mínimas e básicas para dar sentido aquele bairro. Faltavam arruamentos e os acessos eram em terra batida, que os tornavam numa tortura nos invernos chuvosos.
Depois a falta de esgotos tornava a vida das pessoas insalubre e bem difícil, uma vez que estavam limitados às fossas com reminiscências medievais. Recordo-me bem que quando adquiri a primeira máquina fotográfica, no final dos anos 60, uma das minhas primeiras preocupações foi ali me deslocar para fotografar os despejos que corriam a céu aberto.
Também a energia eléctrica chegou tarde, mas antes do abastecimento de água e de esgotos.
Hoje transformou-se num dos bairros (com vida de bairro) mais dinâmicos da cidade, onde se podem encontrar infra-estruturas nunca sonhadas pelos primeiros que para ali foram viver.
Haverá certamente ainda muitas pessoas vivas dos primeiros anos do Bairro dos Arneiros, que recordam estes tempos heróicos.
A epopeia vivida por essas pessoas na luta contra a burocracia, a necessidade de contornar as autoridades e a sua repressão administrativa para conseguir uma licença, e para dar um sentido a viver em terrenos ermos para além do termo da cidade, merecem ser recordada.
Na fotografia mais antiga podemos ver as primeiras duas ruas do jovem bairro, com o piso em terra batida, esperando um sentido que lhe seria dado apenas no início dos anos 70.
Como tudo teria sido diferente se o sistema burocrático, estático e muito pouco empreendedor, tivesse criado atempadamente as infraestruturas, urbanizado devidamente aquela parte da cidade e dado um sentido à vida daquelas gentes!…
Perderam com isto tantas energias, tantas forças, resultado de um sistema e regime que seguiu sempre atrás dos acontecimentos.
JLAS






























