
A casa, que foi a dos meus pais a partir do início dos anos 60, já pertencia à família, pelo que posso dizer que convivi com o Largo desde que nasci.
É claro que não me posso recordar do que é documentado na primeira foto, do princípio do século passado, quando já não se chamava Terreiro das Gralhas (também foi conhecido por Rossio pequeno), mas sente-se que fervilha…
Em primeiro plano, vê-se uma carruagem parada à porta do Hotel Central, já existente, porventura a receber ou a deixar hóspedes. Mais ao fundo, podemos ver outros transportes, cestos no chão e numerosas pessoas, evidenciando a sua função, como estacionamento e armazém dos vendedores e também para os que já não têm lugar para comerciar na praça do Rossio, que parece apinhada (actual Praça da República).
O Largo que conheci, inicialmente de visita a casa da minha tia-avó, já estava mudado, com os edifícios a atingir a altura actual e, um a um, envergonhando-se das suas janelas de guilhotina. O mercado fazia-se exclusivamente na Praça da Fruta.
Mas no Largo, para além do Hotel existia a Pensão Estremadura; ao lado o Café Central, bem como outros estabelecimentos: mercearia, chapelaria, casa de vergas. Muitos moradores alugavam quartos aos aquistas. Alguns destes eram presença habitual, durante anos seguidos, por conta dos seus tratamentos termais.
Famílias passaram aqui quase toda a vida, como os Gomes do Hotel Central ou os Caldas Lopes, no rés do chão de cuja casa viveu largos anos o sr. Mapril de Figueiredo. Este, solicitador, também teve escritório no Largo, noutro edifício.
Recordo-me de, no nosso prédio, ter existido o escritório do sr. Castro, solicitador; foi mais tarde do advogado dr. Mário de Carvalho e ainda gabinete de projectos do sr. Eng. Cunha.
Havia uma vizinhança amiga e solidária, em que as donas de casa (como se dizia na altura) trocavam receitas culinárias, remédios caseiros, pontos de tricot e partilhavam preocupações acerca dos filhos.
Pensada inicialmente como residência transitória, a casa do Largo tornou-se definitiva para a nossa família: para um pai que trabalhava na casa Thomaz dos Santos, uma filha que estudava no Colégio Ramalho Ortigão e uma mãe que, como era hábito na época, quase todos os dias ia ao mercado, poderia haver localização mais favorável?
Das nossas janelas assistíamos à abertura do Hospital no 15 de Maio, e não era preciso sair para ouvir a banda tocar no coreto do Parque. Estávamos no centro da animação da cidade.
O Largo tinha vida própria, mas era também local de passagem. Quando os autocarros ainda paravam junto ao Hospital Termal era um corrupio de visitantes que demandava as casas de louça e o mercado, procurando motivos para fotografar, fixando-se no bonito prédio Arte Nova que não é visível na segunda foto.
Quantas vezes vi atravessá-lo o escritor Luiz Pacheco, à data morador nas Caldas, vindo do Central ou da Pensão dos Freitas.
A foto correspondente à actualidade mostra que, embora os edifícios sejam mais coloridos e tenha sido retirado o trânsito automóvel, o Largo perdeu a animação de outros tempos e não é mais frequentado; pelo contrário, está triste e padece dos mesmos males do restante centro histórico.
Como habitante do Largo, o seu nome sempre me foi familiar e, no entanto, confesso que até há bem pouco tempo não sabia quem era o homenageado: afinal, o Dr. José Barbosa, mais precisamente, José Vitor Carril Barbosa, foi presidente da Câmara das Caldas de 1878 a 1882.
Ana Rebelo


































