ontem & hoje

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Postal Ilustrado, década de 1930 Espólio da Biblioteca Municipal das Caldas da Rainha (col. V. Trancoso)
Joaquim António Silva - 2013

A minha memória do Largo José Barbosa não retém a primeira imagem, que remonta aos últimos anos da década de 20 do século passado, quando os caldenses homenagearam o pintor filho de terra, José Malhoa.
Os desamores de José Malhoa pela terra eram conhecidos nos seus tempos de vida. E nem as pazes feitas nessa época, pela mão de alguns dos maiores vultos caldenses, nomeadamente por António Montez e Júlio Lopes, que foi director da Gazeta, ambos grandes entusiastas do Museu dedicado ao pintor lograram a reconciliação total.
Na imagem mais antiga está no centro do largo o busto executado por Costa Mota (tio) do principal nome do naturalismo português, nascido nas Caldas da Rainha a algumas dezenas de metros da Rua da Nazaré, como é atestado por placa recordatória colocada também nesta época.
Na reportagem da Gazeta das Caldas de 23 de Setembro de 1928 sobre a inauguração do monumento ao autor do “Fado” e de “Os Bêbados”, em que se vê o largo repleto de pessoas, dizia-se:
“Também a esta cidade coube a vez de prestar a homenagem devida ao seu ilustre filho, o grande pintor José Malhoa. Não quis de modo algum deixar de consagrar o grande autor, glória deste país, que aqui chegou no passado dia 8. Foi nesse dia o ilustre artista esperado na estação do caminho de ferro, por alguns dos seus mais íntimos amigos, a quem manifestou o contentamento e bem estar que sentia, por mais uma vez se encontrar na terra que lhe foi berço, pela qual tem verdadeira adoração.”
O articulista descrevia que o pintor “depois de instalado no grande Hotel Lisbonense, visitou demoradamente a cidade, traçando rasgados elogios a todos os que se têm interessado pelo progresso da mesma”.
Certamente, se tal acontecesse hoje, apesar das grandes transformações que a cidade sofreu, havia de criticar a fraca qualidade arquitectónica, o estado de abandono de vários edifícios do seu tempo e os gatafunhos que preenchem as paredes. Ele que foi, no seu tempo, um perfecionista da paisagem e do retrato – apesar de ter sido pouco inovador e nunca ter acompanhado os movimentos artísticos internacionais do seu tempo -, não haveria de gostar de ver como a cidade está hoje.
O narrador refere que Malhoa começou por ouvir uma  “brilhante conferência” feita pelo ilustre crítico de arte, Dr. Manuel de Sousa Pinto, no Salão Ibéria, “que constituiu uma verdadeira apoteose” prestada “por tudo quanto de mais distinto havia quer nas Caldas quer na colónia balnear”.
Depois da conferência seguiram todos “para o largo Dr. José Barbosa, que a essa hora já se encontrava completamente apinhado de povo, ostentando as janelas dos prédios ricas colgaduras, onde teve lugar o descerramento do monumento, pelo Sr. Dr. José Saudade e Silva, ilustre Presidente da Comissão Administrativa deste município, que saudou o mestre em nome de todos os habitantes das Caldas da Rainha, seus irmãos”.
O jornalista da Gazeta das Caldas queixava-se de que “não é fácil de descrever o entusiasmo vibrante da multidão, que rompeu, com uma enorme salva de palmas, acotovelando-se na ânsia de ver de perto o grande mestre.”
Acrescentava que, terminada a “cerimónia que foi abrilhantada pela magnífica Banda de Infantaria 5, aquela multidão foi dispersando em parte, conservando-se todo o dia uma verdadeira romaria visitando o monumento”.
O articulista referia que “Mestre Malhoa, sempre alegre e sorridente, vendo-se bem vincada na sua pessoa a alegria que sentia com esta sincera manifestação, dirigindo-se junto da casa onde nasceu, na travessa da Nazareth, onde numas das paredes existe uma lápide comemorativa do seu nascimento; e recordando o tempo da sua infância, por aí andou de recordação em recordação, acolhido sempre com o maior dos carinhos e atenções.”
Nessa época, no Largo, funcionava o Hotel Central, que era um dos mais reputados da vila, apesar de nível inferior a outros como o Lisbonense, bem como a Pensão Estremadura, que não se vê na imagem. Do lado esquerdo do hotel existe um lindo edifício de estilo arte nova, atribuído ao Arq. Ernesto Korrodi, que ainda hoje é uma das pequenas joias da arquitectura caldense.
Mais tarde esta praceta viria a ser eliminada pelo “progresso” da terra e transformada num largo com estacionamento e circulação para a Praça da República. Mais recentemente voltou a ser largo, numa transformação do tecido urbano sem lógica nem fio condutor. Foram erigidos uns obstáculos, alguns mascarados de canteiros e floreiras, que em nada dignificam ou valorizam aquele espaço. Hoje é mais um local da cidade de estacionamento envergonhado. A cidade deixou de pulsar por ali. Hoje o Hotel Central mantém-se, mas bastante desclassificado ao que foi outrora por culpa própria e do mercado, e a pensão Estremadura desapareceu. No que toca ao resto, desapareceram lojas tradicionais, como mercearias, cestarias e lojas de electrodomésticos. As que que lhes deram lugar são verdadeiras resistentes à desertificação e tentam trazer produtos e negócios inovadores. Mas os tempos difíceis da crise económica e a cidade não ajudam…

JLAS

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