

Até finais do séc. XVII, a povoação das Gaeiras dividia-se em dois núcleos populacionais distintos. A Norte, as Gaeiras de Nossa Sra. da Ajuda. A Sul, As Gaeiras de Além. A dividir esses dois núcleos, existia uma ribeira que, em muitos casos, se designa de Ribeira de Gaeiras, ou simplesmente: A Ribeira. Em início do Séc. XVIII, já em 1730, a designação de Gaeiras de Além, aparece substituída por Gaeiras de São Marcos. O que nos lava a crer que a pequena capela terá a sua origem muito provavelmente nesse período.
De construção singela, sem grande opulência, a Capela de São Marcos é um edifício de planta retangular, com um pequeno alpendre e com telhado de duas águas, bem ao gosto típico da pequena construção religiosa da região. O seu interior é decorado com pinturas no teto e com a imagem de São Marcos, e guarda os restos mortais da família Pinheiro, que deste os finais do séc XVIII, habitam a casa das Gaeiras, que lhe fica contigua.
No entanto, a principal curiosidade existente na Capela, é o monumental e impressionante túmulo do Vice-almirante Henrique de Sousa Prego, que destoa completamente da simplicidade do conjunto. A faustosa arca tumular de pedra, bem ornamentada e com ricas inscrições, guarda as ossadas daquele que poderia ter visto o seu nome numa das principais artérias de Lisboa, ou até mesmo uma estátua numa das movimentadas rotundas da capital ou da cidade do Porto, a par do Duque de Saldanha, do Duque da Terceira, ou de Sá da Bandeira. No entanto nada disso aconteceu.
Henrique da Fonseca de Sousa Prego, nasceu em Lisboa, na freguesia de S. Tomé, onde foi baptizado em 19 de Abril de 1768. Filho de José Joaquim da Fonseca e de Joaquina Inácia da Fonseca. Tendo seguido a vida militar marítima, em 8 de Fevereiro de 1783, assentou praça como guarda-marinha, por nomeação do Marquês de Angeja. No ano seguinte, em 28 de Setembro, foi nomeado tenente-de-mar. Em 16 de Dezembro de 1791, foi nomeado capitão-tenente, sendo sucessivamente promovido aos postos de capitão-de-fragata (20 de Outubro de 1796) e capitão de-mar-e-guerra (5 de Junho de 1797). Em 17 de Dezembro de 1802, foi nomeado como intendente da Marinha da cidade de S. Salvador da Baía, no Brasil. De regresso a Portugal, é encarregado, em Novembro de 1807, de comandar a nau “Medusa” que fazia parte da esquadra que transportou a Família Real Portuguesa e restante Corte, para o Brasil, durante o processo de transferência do poder para o Rio de Janeiro, motivado pela primeira invasão francesa a Portugal.
Já no Brasil, é nomeado por decreto de 8 de Março de 1808, chefe de divisão e em 17 de Dezembro de 1815, chefe de esquadra graduado. Neste posto foi encarregado, pelo Príncipe Regente, D. João, a comandar a esquadra que do porto de Livorno (actual Itália), conduziu, em 15 de Agosto de 1817, a Princesa Real, D. Maria Leopoldina filha do Imperador da Áustria, Francisco I, ao Rio de Janeiro. Aportou, na Baía de Guanabara, em 5 de Novembro de 1817, levando-a para contrair matrimónio com o Príncipe e futuro Imperador do Brasil, D. Pedro I. Decerto, por ter comandado a comitiva que trouxe a princesa da Áustria para terras brasileiras, recebeu, por decreto de 15 de Novembro desse ano, o posto de Vice-Almirante graduado, que só começou a exercer em 12 de Outubro de 1818. Foi já com esta graduação, que foi nomeado, em 11 de Agosto de 1822, comandante de esquadra da Província da Baía de Todos os Santos (S. Salvador da Baía). Sendo acometido de sucessivos problemas reumáticos, pede uma licença, datada de 15 de Junho de 1824, para se tratar nos banhos termais do Real Hospital de Caldas da Rainha, que lhe viria a ser mais tarde concedida. Nomeado, em 5 de Agosto de 1828, pelo novo regente, D. Miguel, Governador e capitão general das ilhas dos Açores, mantendo-se neste cargo, em Ponta Delgada, até ao ano de 1831. Durante este período, o país entra em guerra civil, opondo os liberais do partido de D. Pedro, aos absolutistas do partido de D. Miguel.
Sousa Prego abraça a causa miguelista, participando ativamente na Batalha da Praia da Vitória, em 29 de Julho de 1829. Contudo, as forças liberais, comandadas pelo Duque da Terceira, derrotam a poderosa força naval miguelista, composta por 22 navios, na Vila da Praia (no final do combate, a Vila foi renomeada de Praia da Vitória). A derrota das forças absolutistas traduziu-se num completo desastre militar, tendo sido aprisionados centenas de soldados, além da perca de considerável material bélico. Em consequência da sua conduta politica e militar, é levado, em Dezembro de 1831, a Conselho de Guerra, pela causa miguelista. O seu processo acabou por se arrastar no tempo até à queda do regime absolutista. Depois da vitória liberal, é demitido, por Decreto de 12 de Setembro de 1833, de todas as suas funções militares.
Charles Napier, um almirante inglês, que assumiu o comando da esquadra de D. Pedro, a partir de 1832, afirma quanto à personalidade de Henrique Sousa Prego que: “…o qual, apesar de ser miguelista, era homem de bem, e se tinha abstido de todas as necessárias crueldades para com aqueles que diferiram dele em política, ainda que plenamente autorizado pelo governo de Miguel para ser sumário nos procedimentos com os seus inimigos…” (Charles Napier, A Guerra da Sucessão D. Pedro e D. Miguel, p. 15). Em 1842, exila-se na Quinta das Gaeiras (perto da Vila de Óbidos), propriedade dos seus amigos Pinheiros. Cinco anos mais tarde, acabou por aí falecer, sendo sepultado na Capela de S. Marcos, propriedade da mesma família. No seu túmulo, encontramos a seguinte inscrição: “aqui jaz o Vice-Almirante H.F.S.P. que serviu por mais de 60 anos o Rei e a Pátria com fidelidade”.
Não tendo sido uma personagem que a História cobriu com o seu manto de glória, Henrique de Sousa Prego é um homem do seu tempo, tendo participado nos turbulentos acontecimentos que ocorreram em Portugal nos inícios do séc XIX e que haveriam de conduzir o país ao liberalismo constitucional.
João Pedro Tormenta































