ontem & hoje

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“Gosto muito de Caldas da Rainha. É uma terra muito bonita que tem um parque muito catita. Com cisnes. Os cisnes passeiam-se devagar pela água do lago. (…)
E é assim, citando o meu Querido Luis Pacheco, que começo a desfiar algumas memórias provocadas pelas duas fotos do parque.
(…) Gosto muito de Caldas da Rainha. (…) Tem uma igreja muito velha. (…) Ali me confessei comunguei (…) guiado sugestionado engodado por cavacas e trouxas d’ovos pela mão terna e fanática (…) da minha tia a que eu chamava “bispa”, que com a sua ânsia de conquistar mais uma alma para o rebanho do Senhor, só conseguiu fazer de mim, “graças a Deus”, um convicto Ateu. (…) Coitada, já morreu (antes ela que eu). (…)

Era a saída de casa, ainda a trincar a merendeira do pequeno almoço (papo-seco, isso era em Lisboa, no dizer do Sr. Morgado da padaria) a descida da Rua da Amargura, o cheiro (bom) das pipas de vinho no armazém da Ginjinha Camponesa, eram os bons-dias à Sra. Flora, costureira, especialista em cintas (acessório muito usado pelas “madames”, para esconder os “excessos” gastronómicos), era já no fim da rua a loja da loiça e uma olhadela aos patos, às folhas de couve, aos lagartos (nessa época, as “malandrices” estavam bem escondidas lá para dentro). E pronto, chegava ao Parque. À esquerda o “casino” (sempre achei um bocado pomposa esta denominação!), lá se juntavam, normalmente a partir da tarde, depois da vinda das praias, as “tias” e os “tios” (como agora são conhecidos), para jogar, elas o mahjong (a canasta ainda não se “usava”), eles, era mais o king e o bridge.

(…) Gosto muito de Caldas da Rainha. (…) Ali aprendi a andar de bicicleta (…) alugada no Samagaio (…) empurrado amparado pela mão ainda firme do meu Pai. (…)

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À direita, a “barraca” do Galinha, café esplanada e balcão de bar. Lembro-me que um ano (na década de 40), pelo 15 de Agosto, a tradicional corrida de touros foi cancelado à última hora por causa do mau tempo. Vai d’aí, o Grupo de Forcados de Lisboa (gente “ordeira e educada”), impossibilitados de se exibirem, resolveram dar o seu “espectáculo” ali mesmo, na esplanada, provocando, no dizer deles, os “bois” das Caldas. Ora aconteceu que quem por ali estava, não achou graça e vá de “investir” contra os valentões que tiveram de abandonar a “arena” muito mal tratados. Quem ajudou à “festa” foi o Klavari, boxeur italiano, um dos muitos refugiados que por cá estiveram nessa época.

(…) Gosto muito de passear no parque das Caldas. Tem árvores flores um cinema muito velho (…). Pois era! O velho Salão Ibéria (coitado já morreu) onde, sobretudo no Verão, não perdíamos os filmes em trinta e muitas partes, tantas, que quase sempre tinham continuação no dia seguinte! Não me esqueço do terrível “Sinal do monstro escorpião”, duas “soirés” de terror!
Mais à frente o depósito/venda da Fábrica Bordalo Pinheiro. Paragem obrigatória. As enormes figuras das capelas do Bussaco, o lobo e a cegonha, os pratos das santolas, o “milagre da bilha partida”, e mais e mais… (ali não havia falos). Quase em frente, o “rinque” de patinagem (com uma pista, para os mais afoitos) onde com outros companheiros e o entusiasmo do Domingos D’El Rio, ainda “ensaiei” o hóquei, então muito em voga. (…) um museu quase novo. (…) O Museu José Malhoa. Outra paragem obrigatória, esta mais prolongada. Ali passei muitas horas fazendo as minhas “escolhas”, com a ajuda da querida amiga Nena Coimbra.
Passagem pela Casa dos Barcos para o jogo de ping-pong (nunca tive jeito).
Frente ao Machado, jogava-se então, de tarde, ao ring (ao “mata”). Ainda alguém se lembra? Depois de bem suados, era a ida à pastelaria, comer um “eléctrico”, o bolo preferido.
Depois, à noite, era ver o pessoal, em grupos, para baixo e para cima, no “picadeiro” (assim chamada a rua principal do Parque), enquanto a Banda Filarmónica dirigida pelo maestro Escôto, tocava no coreto.
Muito mais havia para recordar, mas para isso seriam necessárias mais fotos e… mais uns milhares de caracteres.
Como o “risco” é a minha profissão, escrever é a minha maior incapacidade, pelo que quero deixar aqui os meus maiores agradecimentos ao Luis Pacheco, pela preciosa ajuda que me proporcionou, com excertos do seu texto “ O caso das criancinhas desaparecidas”.
Obrigado Camarada.
Ah, já me esquecia de dizer, que me estou completamente nas “tintas” para o tal de novo-acordo-orto-gráfico, e continuo a escrever como aprendi cá na terra e em Lisboa.

José Santa-Bárbara

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