Nasci no inicio da segunda metade do século passado bem próximo do local retratado pelas imagens que hoje encimam este testemunho. As minhas recordações são posteriores à demolição do edifício do fundo da Praça da Maria Pia, chamada da República depois da queda da Monarquia em 1910, mas mais comummente conhecida pelos caldenses como Praça da Fruta.
O edifício da Associação Comercial e Industrial haveria de desaparecer nos primeiros anos do século XX, para dar lugar ao edifício do Chiado integrado na rede de lojas criada a partir da baixa lisboeta. Recordo-me do interior dos armazéns do Chiado caldenses, que deram lugar hoje a uma agencia bancária, depois de uma recuperação bem sucedida (o que não foi muito corrente naquela parte da cidade histórica).
Havia balcões espaçosos de todos os lados, com prateleiras onde se arrumavam os tecidos para serem vendidos aos alfaiates e modistas, que moldavam os fatos na ausência ainda do pronto-a-vestir. Este só chegaria nos anos 60, passando a imperar uma inovadora e dinâmica loja perto dali (inicialmente conhecida pelos barateiros e que viria a dar-se a conhecer ao país como Goia).
Os armazéns do Chiado era o que demais tradicional havia a nível do consumo, vendendo a maior variedade de produtos, que se a memória não me falha, dos tecidos e confecções a todo o resto de artigos para a casa.
O edifício tinha uma escada em madeira quase ao centro em espiral que permitia subir para o primeiro andar onde se ampliava a farta oferta, para a época, daquele que era a presença da capital na cidade das termas.
Ao lado do Chiado lembro-me da pastelaria e doçaria Flor de Liz que também foi instalada posteriormente à fotografia. Contudo, julgo que, até obras realizadas já na segunda metade do século, poderá ter funcionado ali.
À esquerda ainda há outro edifício que eu não recordo, mas que seria substituído por um belo exemplar da arquitectura do início do século XX, que teria no rés-do-chão também um café e restaurante que se chamava Lusitano.
Tenho memória de muitas das pessoas que ali trabalhavam, mas recordo também o “retratista” dos anos 50 e décadas seguintes, Sr. Suspiro, que deve ter substituído o que possuía a máquina que se vê na primeira fotografia no passeio fronteiro à Associação Comercial.
As operações de revelação das fotografias do Sr. Suspiro envolviam enigmas que não sabia responder para a época. Qual a razão para, quando queria passar do negativo ao positivo, ter de inverter a película? E o que justificava aquelas lavagens em líquidos escuros que lhe enegreciam os dedos e as unhas? Mas, por tudo isso, guardo com particular saudade algumas fotos que ele tirou, não esquecendo que anualmente havia a época em que ele se dirigia com a sua geringonça de quatro pernas à Praça do Peixe ou às escolas situadas junto ao posto da Polícia de Trânsito ou ao Bairro da Ponte, para fotografar as turmas dos alunos como recordação para todo o sempre. Muitas gerações daquelas crianças que foram retratados pelo Sr. Suspiro guardam religiosamente aqueles troféus.
Mas a fotografia mais antiga recorda-nos os aldeões e lavradores que vinham semanalmente às Caldas, com os seus barretes enfiados na cabeça, onde guardavam o dinheiro, colete e cinta que lhe segurava as calças. Também se podem ver as mulheres com saias a cobrir totalmente as pernas.
Igualmente a iluminação devia ser muito ténue nas noites caldenses, mas o que não significava a ausência da pessoas vagueando sobre o empedrado que já havia sido realizado, apesar da fotografia não o deixar ressaltar.
A foto actual felizmente não mostra alguns dos dislates arquitectónicos que foram permitidos nas últimas décadas naquela que é a principal sala de visitas das Caldas da Rainha.
Esta foi a história que pude contar face a estes clichés. Provavelmente outros leitores dariam outros testemunhos, porventura mais pertinentes. J.L.A.S.































