ontem & hoje

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Um olhar, dois olhares sobre a Porta da Vila, separados por umas dezenas de anos, não sabemos quantos.
No postal antigo, o Aqueduto ainda não fora amputado do seu final, recordando a sua função de levar água aos habitantes da Vila de Óbidos, através de chafarizes. Memória da Rainha D. Catarina, avó de D. Sebastião, que o mandou construir em troca da Várzea, pertença dos obidenses, depois chamada Várzea da Rainha. A água vinha da Usseira, ao longo de quase três quilómetros.
As muralhas não tinham sido ainda restauradas pelo programa do Estado Novo, dirigido por António Ferro. Castelo e muralhas, tal como os vemos hoje, são memória remota da fortaleza medieval e memória recente da construção de uma certa identidade da Nação no tempo de Salazar. A Pousada do Castelo, uma das primeiras da rede de pousadas do país, dirigida por Luisa Satanella, actriz de renome em retirada da cena artística, teve uma importância enorme na afirmação de Óbidos como destino de turismo, a partir do início da década de 1950.
A Praça ou mercado diário, com as suas bancas e os abrigos, também ainda não existia naquele lugar. Até então, o mercado funcionaria no Largo de Santa Maria, junto à igreja matriz.
A fotografia recente tem a marca dos tempos que vivemos. Primeiro os automóveis, que invadiram o espaço público e Óbidos não é excepção, numa luta desigual.
Depois, a Praça desceu uns metros e já não se vê na fotografia. No seu lugar, nasceu um bar, de gosto duvidoso, coberto por um toldo castanho que abriga clientes das chuvas e ventos. E às vezes também do sol e calor, quando o microclima do Oeste se distrai.
Uma estrela luminosa marca o tempo do Natal. Provavelmente anuncia a Vila Natal em que Óbidos se transforma nesta época.
Entre um tempo e outro tempo, entre um olhar e outro olhar, vão 80, 90 anos? Não sabemos. Perguntando à árvore que habita o local talvez consigamos uma resposta. Nestas décadas, o país mudou radicalmente, Óbidos também. O turismo e o comércio tomaram conta das ruas e lentamente substituíram os habitantes, que são cada vez menos, num processo que vem de há muito e que parece inevitável.
Património são pedras, edifícios, lugares, espaços. Mas são as pessoas em primeiro lugar. Desabitar um lugar é descaracterizá-lo. Esta deveria ser a preocupação primeira de todos os obidenses e de todos os responsáveis pela política local.
Saudades de um tempo em que brincávamos em bandos de miúdos nos largos da Vila. Em que subíamos às muralhas numa transgressão consentida pelas nossas mães. Em que tínhamos a padaria da Fernanda, o sapateiro César ou o barbeiro Lyon dentro da Vila. Em que as casas eram vividas, as noites conversadas, os bailes da Sociedade Musical e Recreativa Obidense animados e cheios de vida.
Nostalgia de um tempo em que existia vida na Vila. Agora, restam 60 ou 70 habitantes. E Óbidos sem gente será apenas cenografia para as actividades turísticas que ali se desenvolvem.
Paradoxos do desenvolvimento. Muito se fez em Óbidos entre uma imagem e outra. A pobreza e a miséria ficaram para trás. Hoje todos os meninos vão à escola. Vive-se melhor hoje, em todo o concelho, em toda a região. A nostalgia não é cega. Recordar o passado só faz sentido para o abrirmos ao futuro. Para isso é preciso saber fixar habitantes, criar condições para uma vida confortável no espaço histórico, devolver o espaço urbano às pessoas. É preciso voltar a ter vida dentro de Óbidos. E reabitar a Porta da Vila.

Cristina Rodrigues

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1 COMENTÁRIO

  1. Cristina Rodrigues esqeceu-se de dizer que tambem na epoca em que o professor Albino era presidente da camara de Obidos,nao gostava que as crancas pobres nao podiam andar na rua direita,especialmente os de pes descalsos,se alguem fosse apanhados eram corridos de la’para fora eram chabatados nas costas e nas pernas,pelo Joao da Grassa.Historia triste de um Obidense.