ontem & hoje

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Notícias das Caldas
Joaquim António Silva – 2012

Ter nascido a poucos metros do Hospital Termal não terá feito de mim quem sou, mas marcou-me profundamente. Equidistante da Mata, do Parque e do Hospital Termal, vivi uma infância demarcada por estes espaços.
Se a Mata e o Parque eram os locais de brincadeiras, o Largo da Copa marcava a fronteira para o mundo dos “crescidos”, a entrada na cidade. De uma forma inconsciente, essa leitura simbólica permanece em mim até hoje. O Largo da Copa era A Cidade, tutelada pelos edifícios do Hospital Velho e do Hospital Novo, daí emanava a urbe, todo o tecido urbano partia de e confluía para a razão de ser das Caldas que a Rainha tinha fundado, para as Termas.

As duas fotografias que ilustram estas palavras, aparentemente idênticas, não podem no entanto ser mais diferentes, não tanto pela forma, que no essencial está lá, mas pela realidade que contêm. A mais antiga, que não consigo datar, certamente da primeira metade do séc. XX, retrata a idade de ouro das Caldas como destino termal. Enquanto urbe que estava consciente de que a sua singularidade eram as Termas, que sem estas perderia a alma e a diferenciação.
A segunda fotografia choca-me pela sua dimensão cenográfica. Se os edifícios são os mesmos, se a sua conservação resiste à crítica, se a forma está lá, a alma fugiu, poderia ser um cenário de cinema. A cidade esqueceu as origens e decidiu que a sua centralidade já não passava pelo Hospital Termal, envergonhou-se dos que durante séculos a alimentaram e fizeram crescer, os doentes, talvez por na maioria serem pessoas humildes as que aqui procuravam cura ou alivio.
No final do século, a pós-modernidade traz a pós-parolice do dinheiro novo, dos patos bravos. A corrupção moral e venal que os acompanha ajuda a criar a ilusão de que o crescimento se resume ao betão. A teia de interesses da construção arrasta tudo e todos, a cidade deslumbra-se e os seus habitantes esquecem quem são e de onde vêm.
Os últimos 30 anos soam o requiem das Termas. O poder autárquico só delas se lembra quando lhe convém, não há uma real preocupação pelo seu declínio. Falta visão estratégica, falta inteligência e vontade para lutar pela alma da cidade. O dinheiro e os interesses do betão falam mais alto.
Nos últimos 30 anos o Hospital Termal foi perdendo visibilidade no discurso dos responsáveis da saúde, a realidade passou a ser o Hospital Distrital, o outro, um peso e um incómodo. Foram tentando resistir, honra lhes seja feita e homenagem prestada, os seus directores, que sempre souberam olhar para as termas como a matriz e essência do espaço de saúde das Caldas. Para não nomear os mais antigos, os Drs. Jorge Varanda, Mário Gonçalves e Vasco Trancoso empenharam-se em tentar preservar a memória do legado da Rainha D. Leonor e em devolver às Termas o lugar que lhes é devido.
Infelizmente, as últimas administrações seguiram o caminho inverso. Primeiro, pela incompetência que uns, de que ninguém já se lembra, demonstraram, perdeu-se a dinâmica anterior. Hoje, com uma administração que já admitiu publicamente nada querer ter a ver com o Hospital Termal, a cova está aberta, o hospital semi-defunto, e muita gente assobia para o lado.
Hoje, a administração do Centro Hospitalar assume já sem pejo nem vergonha que veio para cá como mandarete do Poder, com a missão de resolver o mais rapidamente possível o “problema” do Hospital Termal, ainda que à custa da morte do termalismo. Uma administração que ia deixar morrer os patos do Parque porque não tinha 15€ para os alimentar! Uns administradores que não foram capazes de desembolsar 15€ para evitar que os patos morressem! Uma administração que daqui acuso de deliberada e insensivelmente deixar que tal acontecesse, suspeito que com o objectivo de pressionar seja quem for a assumir os custos de manutenção do Parque.
Durante muitos anos assistimos a guerras iníquas, em que a Câmara pretendia (pretende) apropriar-se de um legado que não lhe pertence, para o qual não tem vocação, nem outra estratégia senão a de potenciais ganhos à custa do seu património. Hoje, o poder autárquico continua sem uma estratégia para o termalismo ou para a cidade, mas com o mesmo apetite voraz pelo poder e controle total sobre o património termal.
Lamento, mas hoje, agora, não me sinto capaz de falar sobre as boas memórias que tenho deste espaço. Hoje, agora, preocupa-me a memória do futuro que nos querem impor, revolta-me o conluio de interesses e demissões que nos trouxeram até aqui. Hoje, acredito, apesar de tudo, que existe um amanhã para o Hospital Termal.

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Fernando Sousa

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