

A minha primeira visita a Caldas da Rainha ocorreu no ano de 1960, após ter concluído então o ensino primário (exame da 4ª classe) e realizado os exames de admissão ao Liceu e Escola Técnica. Tinha então 10 anos. Nessa altura, acompanhava o meu pai durante a viagem à região Oeste na qual visitava dezenas de pequenas e grandes oficinas de bicicletas e motorizadas.
Nas Caldas da Rainha haveria quatro ou cinco.
Desta viagem, que decorreu durante uma semana, há recordações que não foram esquecidas.
A passagem pelo altaneiro Castelo de Leiria; a grandiosidade do Mosteiro de Santa Maria da Vitória, na Batalha, a cujas pedras da fachada “o tempo deu tons de ouro e marfim” – tributo de D. João I à Virgem Maria pela vitória do exército português na batalha de Aljubarrota; a singela Capela de S. Jorge a lembrar o local onde esteve o estandarte do Condestável (hoje S. Nuno de Santa Maria) durante a dura batalha de Aljubarrota; a visita a fábricas de vidro na Marinha Grande.
Um pouco mais para Sul, à beira da estrada, o Mosteiro de Alcobaça, majestoso, a recordar a doação de D. Afonso Henriques pela conquista da cidade de Santarém aos mouros e a linda história de amor de D. Inês e o “Justiceiro” D. Pedro I; a beleza das muralhas de Óbidos; a Fortaleza de Peniche admirada com respeito e algum medo. Já na capital a monumentalidade dos Jerónimos e a Torre de Belém, símbolos da epopeia dos descobrimentos; a Fonte Luminosa, o Terreiro do Paço e a minha primeira viagem no metropolitano.
Ah! Caldas da Rainha neste passeio foi, para o meu pai e para mim, a “base”, o centro do Oeste onde permanecemos mais tempo e onde ficámos duas noites. Recordo a admiração que senti ao contemplar a fachada do Hospital Termal Rainha D. Leonor, “o mais antigo Hospital Termal do mundo”, assim me foi apresentado por um orgulhoso caldense e amigo de meu pai; a beleza do Parque D. Carlos I com os seus pavilhões e o lago, que logo comparei com o parque da Curia, ex-libris do meu concelho (Anadia) que visitava de vez em quando e onde assisti a algumas provas de ciclismo (circuitos da Curia e das Vindimas); a Praça da Fruta com o seu bulício matinal e a Fábrica Bordalo Pinheiro cujas peças de faiança já achava fascinantes.
E as cavacas das Caldas, pois então!
Confesso que não me recordo de ter sido referido o futuro Hospital Sub-Regional ou o Hospital de Santo Isidoro, mas então a medicina nada me dizia e não admira que, com aquela idade, qualquer relação com os hospitais era tudo menos pacífica, tal o medo de seringas, agulhas e batas brancas.
Foi depois de conhecer a cidade que começou a fazer sentido uma frase várias vezes proferida pelo meu pai “se alguma vez tivermos de abandonar a nossa terra (Sangalhos), vamos viver para Caldas da Rainha”. Foi assim que comecei a gostar desta cidade (e das suas gentes), que tão bem me acolheu e à minha família em 1985.
Mas vamos ao desafio que me foi proposto – Ontem & Hoje. As fotografias.
A de Ontem, sem data mas belíssima. Podemos situá-la em finais da década de 60 do século passado. A indumentária das pessoas, a presença do Fiat 600, remetem para aquela data que se poderá precisar ainda melhor se considerarmos que a bandeira hasteada e a verdadeira “romaria” de homens, mulheres e crianças, serpenteando ao longo da rampa de acesso à entrada principal do edifício, pressupõe uma data festiva, representativa talvez da inauguração do novo Hospital Sub-Regional, que terá ocorrido em 1967 e que integrou o Hospital de Santo Isidoro, a funcionar num edifício do séc. XIX, entretanto desativado em 1968.
O projeto deste novo Hospital iniciou-se ainda na década de 50, sendo que o lançamento da primeira pedra terá acontecido no decurso de 1958, ano em que se iniciaram as comemorações do V Centenário da Rainha D. Leonor (1458-1525).
Este ato significaria, para as gentes de então, a continuidade natural e lógica da obra assistencial da Rainha iniciada no séc. XV.
A existência de um Hospital Sub-Regional, numa época em que proliferavam pequenos hospitais em muitos dos municípios portugueses, numa perspectiva de prestação de cuidados de saúde de proximidade, terá constituído uma apreciável diferenciação dos cuidados de saúde nas Caldas da Rainha e na região.
Diferenciação que se foi acentuando ao longo dos anos com a criação de novas valências, mais profissionais e a vinda de novos especialistas, verificada nos anos 70 e que assumiu a sua maior expressão no início da década de 90.
Em 1971 com a criação (Dec-lei nº 84/71, de 19 de Março) do primeiro Centro Hospitalar do País nas Caldas da Rainha, “cidade que tem recuadas tradições no domínio hospitalar”, o desenvolvimento continua.
O novo Centro Hospitalar de Caldas da Rainha integra “o Hospital Termal Rainha D. Leonor; o Hospital Geral Sub-Regional (mais tarde classificado como Hospital Distrital); o Hospital de Santo Isidoro (desativado em 1968) e o Hospital de convalescentes e de internamento prolongado”.
Nesta fotografia, à direita, o edifício onde funcionou o Centro de Saúde que, na fotografia atual, se encontra completamente encoberto pela cortina arbórea. Encobertos também a base da VMER e o edifício construído antes de 1980, destinado à Morgue e Anatomia Patológica (Serviço que, apesar da sua importância, nunca existiu) e onde funcionam actualmente a Unidade de Cardiologia, a Consulta de Pediatria e, onde funcionou o Serviço de Oftalmologia até há pouco tempo.
O espaço ocupado pelos estaleiros que se vê na fotografia de Ontem deu lugar ao actual parque de estacionamento do Chafariz das Cinco Bicas onde diariamente a presença de dezenas de veículos de marcas e modelos recentes nos traz à memória a saudade dos velhinhos Fiat 600.
O segundo plano da fotografia de Hoje encontra-se dominado pela Central Técnica, construída em fins dos anos 90 e destinada a adequar o fornecimento de energia e gases medicinais ao edifício (não visível na foto) da primeira Fase de Ampliação que inclui os Serviços de Urgência e Imagiologia (primeiro piso), Bloco Operatório e Esterilização (no segundo), concluído no início de 1996.
Logo por cima, os contentores onde hoje funcionam os Serviços Farmacêuticos. Mais atrás e ao centro ainda são visíveis os contentores onde funcionam serviços administrativos de apoio ao Ambulatório (Consultas Externas), Serviço Social, Saúde Ocupacional e que encobrem a entrada principal do Hospital.
Fora do alcance da nossa vista e dentro do Hospital, coexistem recentes e sofisticados equipamentos médicos e outros “em fim de vida” para os quais não houve, ao longo dos últimos anos, nem engenho, nem arte e agora nem dinheiro para a sua substituição em tempo útil, o que hoje poderá condicionar a atividade assistencial nomeadamente a cirúrgica.
A segunda fase de ampliação do Hospital Distrital (internamento) entre planos diretores, programas funcionais, abertura de concursos para elaboração de projetos e várias remodelações (Ambulatório, Serviços de Medicina e Pediatria e refeitório/cozinha, ficou pelo caminho.
Ao fundo, em ambas as fotografias, a Mata que acolhe e protege as captações de água termal, constitui com o Parque, o verdadeiro “pulmão” de Caldas da Rainha.
Estas duas fotografias sobre a história dos cuidados de saúde hospitalares nas Caldas da Rainha dizem mais que milhares de palavras. Cuidados de saúde que atualmente se encontram em fase inicial de reorganização ditada e condicionada pela crise económica que o país atravessa e que passam nesta fase pela criação do Centro Hospitalar do Oeste (CHO) integrando as unidades hospitalares de Alcobaça, Caldas da Rainha (H. Distrital e H. Termal), Peniche e Torres Vedras (H. Distrital e H. do Barro).
Esta reorganização deverá respeitar “as recuadas tradições das Caldas da Rainha no domínio hospitalar”, mantendo ou aumentando a qualidade dos cuidados prestados por todos os serviços envolvidos, respeitando o direito das populações servidas numa lógica de acessibilidade e equidade e tratando com a dignidade devida a recuperação do Hospital Termal, berço da cidade, numa altura em que se comemoram os 500 anos do “Livro do Compromisso”.
São estes os desafios que os profissionais brevemente irão enfrentar e que, desejo, os possam ultrapassar com motivação e dedicação.
A Cidade, a Região Oeste e os utentes assim o merecem e assim o exigem.
Joaquim Urbano































