
O Grand’ Hotel Lisbonense situava-se na rua Oriental do Passeio (atual Avenida Manuel Figueira Freire da Câmara), zona de entrada da vila das Caldas da Rainha para quem vinha de Lisboa em carruagem, provável razão da própria designação do hotel. Era um edifício imponente: erguia-se em três pisos, acrescidos de águas furtadas, e estendia-se por logradouros e jardins até ao parque D. Carlos que, por sua vez, se prolongava até ao Hospital Real. Constituía o típico hotel termal, até pela localização privilegiada de que usufruía.
A existência desta unidade hoteleira ficou a dever-se a Vicente Paramos, originário de Tuy, que veio para as Caldas acompanhado da família por volta de 1870, atraído pelas potencialidades turísticas das termas. No portão principal do hotel podem ler-se as iniciais do seu nome completo: VCAP (Vicente Ciríaco Alonso Paramos) e a data de 1890, número redondo que nos informa, talvez de modo aproximado, do ano da conclusão das novas instalações resultantes das obras de ampliação do edifício original.
Através da leitura da imprensa local, é possível aferir da urgência de um equipamento como aquele nas Caldas da Rainha de então: todos o tinham reclamado durante anos e todos se orgulharam dele quando ficou concluído. Foi o edifício emblemático das termas e da própria vila, imagem identificativa das Caldas, o mais reproduzido nos postais enquanto não foram construídos os pavilhões do parque (Hospital D. Carlos).

A construção de um hotel destas dimensões inscreveu-se na lógica de expansão que o comboio (1887) acelerou e que um conjunto de iniciativas proporcionou às Caldas de finais do século XIX e inícios do século XX. Destacam-se nessa conjuntura de expansão os nomes de Rodrigo Maria Berquó, Provedor do Hospital e Presidente da Câmara, e de Rafael Bordalo Pinheiro, fundador da Fábrica de Faianças e responsável por um sem número de iniciativas, entre as quais avultam a influência do seu projeto industrial para a construção do caminho-de-ferro até às Caldas e a fundação da Associação Industrial e Comercial em 1902, por exemplo.
Nessa época a frequência de termas e de praias tornou-se moda em toda a Europa e Portugal aderiu naturalmente a essa tendência. Novas práticas de sociabilidade, assumidas por uma nova aristocracia, supostamente mais esclarecida e atenta aos cuidados e práticas saudáveis, consagravam as termas e as praias como locais privilegiados de vilegiatura. Nessa época o Hotel Lisbonense estava aberto ao público entre abril e janeiro e enchia-se ano após ano de hóspedes de elite: artistas, escritores, membros da nobreza e da família real, aristocratas endinheirados provenientes de Lisboa e de outras zonas do país, e de Espanha, principalmente nos meses de julho e agosto, numa sazonalidade imposta pelo próprio funcionamento do Hospital Real, que ocorria entre maio e outubro de cada ano. No Hotel Lisbonense faziam-se bailes, saraus, representações teatrais, festas de todo o género.
Tudo o que foi dito até aqui refere-se à primeira das imagens publicadas. Tal como a origem do Hotel Lisbonense está intimamente ligada às termas, também a sua decadência se fará em simultâneo com a perda de influência que estas vieram progressivamente a ter. Esta não é uma história especificamente caldense: ao longo dos anos as termas foram decaindo, preteridas pelas praias.
Mesmo assim, as salas do Hotel Lisbonense foram cenário de acontecimentos históricos marcantes na vida das Caldas: a 6 de outubro de 1910, foi aí que o enviado do Diretório Republicano, Malva do Vale, veio anunciar aos seus correlegionários caldenses o derrube da monarquia; foi aí que pernoitou o Presidente da República Óscar Carmona e respetiva comitiva quando, em 1927, se deslocou às Caldas da Rainha para participar nas cerimónias de elevação da vila à categoria de cidade.
Após o 25 de Abril de 1974, decorreu no Hotel Lisbonense uma reunião promovida pela CDE, a fim de os democratas presentes manifestarem o seu apoio à Junta de Salvação Nacional, segundo o jornal Gazeta das Caldas de 8 de Maio desse ano. A Mesa da Assembleia era presidida por Custódio Maldonado Freitas e foi durante essa reunião que Fernando Costa, então futuro (e atual) Presidente da Câmara das Caldas da Rainha, fez a sua primeira incursão política local, informando os presentes da formação de um novo partido, o PPD (atual PSD), e procurando avisar os populares presentes para as tendências políticas demasiado esquerdistas, segundo a sua opinião, que aquela reunião significava. Valeu-lhe a intervenção de António Freitas, militante socialista, face ao desagrado que provocou entre os presentes.
O Hotel Lisbonense foi gerido por Vicente Paramos até 1933, ano da sua morte. A propriedade do hotel passou então para as mãos de Júlia Paramos (viúva) e de seus filhos. Em 1935, após realização de partilhas, Júlio Paramos passa a ser o novo proprietário e gerente do hotel, até 1939. Esse é o ano em que, embora mantendo a propriedade do hotel, a família Paramos o aluga ao empresário Paulino de Figueiredo. A decadência das instalações e da frequência do hotel foi-se acentuando com o passar dos anos. Cada vez mais esta unidade hoteleira se foi tornando local de realizações esporádicas: festas de casamento; bailes de Carnaval e outras comemorações.
Em 1977, a Câmara das Caldas, instada a fazê-lo pelas autoridades oficiais, aponta as instalações do Hotel Lisbonense e do Hospital de Santo Isidoro (atual ESAD) para albergar desalojados das ex-colónias. Assim aconteceu, de facto. O antigo Hotel Lisbonense viu as suas instalações degradarem-se cada vez mais (talvez falte aqui uma imagem intermédia do grau de ruína atingido), tendo mesmo chegado a ocorrer um incêndio que danificou definitivamente o edifício e respetivo recheio.
Nos anos 80 do século XX tornou-se um prédio devoluto com todas as implicações que tal situação acarreta. Entretanto, fora adquirido à família Paramos por um particular que pretendia erigir ali um novo hotel. Entre 1988 e 1989, a Assembleia Municipal debruçou-se sobre o assunto, questionando 30 personalidades caldenses sobre a possibilidade de demolição das instalações do antigo hotel. A Gazeta das Caldas também promoveu nas suas páginas o debate público do tema. As opiniões dividiram-se e o assunto ficou num impasse.
Só bastante mais tarde a autarquia e a FDO entraram em acordo. Foi decidido manter a fachada do edifício, bem como a sua função original de hotel, mas uma zona significativa do respetivo logradouro foi destinada a Centro Comercial. A fachada ruiu durante as obras e, de facto, o hotel que a segunda imagem documenta é a de um edifício inteiramente novo, embora construído de acordo com o original.
Hoje em dia funciona nesse edifício o Sana Silver Coast Hotel, tendo o nome Lisbonense sido dado apenas à cafetaria da esplanada que mantém junto do Parque D. Carlos I. O novo hotel foi inaugurado no dia 1 de Julho de 2011. A zona envolvente beneficiou bastante com esta nova vizinhança, passando a ser mais iluminada e mais bem frequentada. Falo do que sei porque vivi nas imediações (Largo Conde Fontalva) até aos 18 anos e, até certo ponto, também depois dessa idade, na medida em que aí se situa a casa da família a que pertenço.
Isabel Xavier






























