ontem & hoje

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Espólio PH – Património Histórico

Todas as cidades e vilas têm um coração, para onde correm as artérias que levam e trazem as pessoas que lhe dão vida. O coração da nossa cidade começou por bater lá em baixo no berço da vila, frente ao Hospital, ao ritmo das badaladas dos sinos da igreja de Nossa Senhora do Pópulo. Depois subiu pela Rua Direita, que é hoje da Liberdade, até ao Rossio, onde nos tempos do rei magnânimo se instalaram os paços do concelho, frente ao pelourinho, que ocupava uma parte da praça nova, que é hoje da República.
Era ali a prisão que se vê na primeira fotografia, recanto tranquilo e bucólico, como o atesta o pacato rebanho.
Seria o pastor um dos célebres presos de que falava Ramalho Ortigão?
Ouçamos a versão do ilustre viajante, publicada em As Farpas: «[…] na cadeia das Caldas há apenas dois presos. Afirmam-me que são sempre os mesmos: dois honestos e assíduos funcionários, devidamente gratificados para fingir de criminosos e se conservarem às grades do cárcere, com o fim de fazer ver aos povos que os ferros de el-rei se não fizeram para as moscas, e que ainda há juízes … nas Caldas. Quando algum destes cavalheiros pede licença para se ausentar alguns dias da masmorra, deixa um amigo incumbido de o substituir no seu cargo […]».

Joaquim António Silva (2012)

Um dos presos, de sua graça Pedro dos Santos, não seria tão pacato, a avaliar pela notícia publicada no semanário O Caldense, de 18 de Junho de 1893. Tinha o saudável costume de sair todas as noites, para arejar, regressando de madrugada antes da habitual animação da praça. Naquela noite terá adormecido, sabe-se lá onde, e a manhã já clareava quando se acercou da cadeia. Para sua enorme consternação tinha ficado “fechado na rua”.
Na segunda fotografia, não há rebanho nem pastor, mas carros, muitos carros. Muitos condutores têm o estranho hábito de estacionar com as rodas sobre a belíssima calçada onde se inscrevem as nossas memórias entre arcos, estrelas e figuras mitológicas. É o nosso mais emblemático monumento. Identifica-nos e identificamo-nos com ele. Não deve haver cidade no mundo que permita tal desrespeito.
Agora que se anuncia a requalificação do tabuleiro da nossa praça, é tempo de mudarmos a nossa atitude, de protegermos o coração da nossa cidade.

Carlos Querido

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