ontem & hoje

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Postal Ilustrado – Dias & Paramos

Recordo-me da Praça 5 de Outubro na minha meninice, quando aos sete anos de idade fui frequentar a 2ª classe na escola primária, onde pontuava a figura inesquecível do professor Rodrigues, uma verdadeiro mestre escola descrito na cinematografia europeia da época, especialmente nos filmes franceses e italianos.
Diariamente, nos anos 1957 e 1958, vivíamos em contacto com os vendedores e os seus clientes, que frequentavam aquele mercado de venda dos produtos do mar e da lagoa de Óbidos.
A segunda-feira era o dia de maior afluência de compradores e vendedores, havendo um mercado suplementar numa das pontas exteriores ao rectângulo do mercado, onde se transaccionavam ovos, galinhas, coelhos e, nas épocas das festas, perus. Neste espaço pontuavam as camponesas, que acompanhavam os maridos ao mercado semanal de gado, que se realizava num descampado onde hoje está construído a sede da Sociedade Recreativa dos Pimpões.

Joaquim António Silva (2011)

Neste dia a cidade tinha uma afluência incomum, enchendo-se de gente de toda a região, que vinha vender as suas produções próprias, incluindo roupas, materiais da agricultura, objectos para casa, sendo grande parte do rendimento auferido vertido no comércio local e na própria Praça do Peixe, onde eram adquiridas as espécies mais populares, como a sardinha o carapau e a chaputa a fim de serem salgados e alimentarem parcimoniosamente a família toda a semana.
Não estávamos ainda na época dos frigoríficos nem da energia eléctrica distribuída por todo o território e assim o sal era o elemento conservador da comida. Esta era a razão pela qual numa rua próxima se vendia a esmo este produto fundamental, que era extraído da água do mar ou proveniente das minas de sal gema de Rio Maior.
A Praça do Peixe, nesta época, era visita diária e obrigatória das donas de casa, que a percorriam religiosamente como a Praça da Fruta, onde era feito o principal convívio feminino da urbe. Permanece na minha memória um lugar de venda de camarão pequenino cozido, da Lagoa, onde se podiam comprar também às vezes, em função da época do ano, percebes, berbigão e amêijoa. Recordo-me do petisco dominical que era comer deste camarão com pão fresco.
As crianças rapazes que estudavam na escola da Praça do Peixe, nos intervalos das aulas, saltitavam entre peixeiras e clientes, brincando ao salto, à apanhada, às escondidas. Na mesma praça havia uma escola primária feminina, mas pela tradição da época, os intervalos faziam-se num recreio interior da escola.
A praça era rodeada de pequenas casas de pasto e tabernas, onde à respectiva porta crepitavam fogareiros a carvão para assar o peixe que era adquirido no mercado fronteiro.
A memória retém alguns estabelecimentos que se mantiveram até hoje, outros que entretanto se perderam, mas a lembrança era de uma vida febril e intensa que ali se vivia, à roda de lojas de roupas, mercearias, drogarias, malas, produtos alimentares, ou seja, um verdadeiro centro comercial virado para  a rua. Vale a pena ainda lembrar o fenómeno comercial que constitui a criação da loja dos “barateiros” num edifício sem condições para o efeito, numa rua adjacente, que viria mais tarde a dar lugar a várias lojas à roda, especialmente à mais emblemática que se chamou Góia, em homenagem ao célebre pintor espanhol. Era ver dezenas de pessoas, quando iam à Praça do Peixe, subir as escadas íngremes desse estabelecimento para discutir o preço com os então fundadores e proprietários, João e Adelino. No seu apogeu viriam a abrir uma loja com o mesmo nome na capital, no célebre edifício da rua Braamcamp, o Franjinhas.
O Teatro Pinheiro Chagas que dava corpo à praça, para crianças antes dos 10 anos, era um local de sonho e de desejo recalcado, onde se imaginava que podiam ver-se fitas com histórias de longe, num tempo em que a televisão ainda não existia para a quase totalidade das pessoas.
Daí para cá foi a transformação daquela praça naquilo que é hoje. Tem perdido muito do seu carácter típico, primeiro com um prolongado abandono, acompanhando o definhar da venda de peixe ao ar livre. Foi a ruína do teatro depois destruído, foi a construção em altura sem nexo nem justificação, foram as contrariedades vividas pela sua transformação em parque de estacionamento anárquico, antes de se ver substituído por outro parque subterrâneo feito sem projecto pensado devidamente, e que hoje é uma solução mal acabada.
Hoje  a praça ganhou nova vida, situando-se ali alguns estabelecimentos de referência. Conquistou à Praça da Fruta o maior protagonismo para a noite, mas continua à espera de uma intervenção arquitectónica que lhe dê o estatuto que outro espaços semelhantes dispõem em muitas cidades do mundo.

JLAS

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