O vice-almirante caldense e a última bandeira portuguesa que flutuou em Angola

0
1865

11jun2015•Eanes-e-eu-no-museu-da-presidência-2Descerrada da Fortaleza de São Miguel em Luanda, a bandeira que representava a soberania de Portugal em Angola veio para Portugal pela mão do vice-almirante Leonel Cardoso que durante mais de um ano não soube o que fazer com ela. Acabou por entregá-la ao então Presidente da República, Ramalho Eanes. Quarenta anos depois o filho, Leonel Cardoso (Néné) foi fotografado pelo Expresso com a bandeira e o general para uma reportagem daquele semanário sobre as últimas bandeiras do Império.
No dia 11 de Novembro de 1975 o governador-geral de Angola, vice-almirante Leonel Cardoso (1921 – 1988), comandava um pequeno destacamento que assinalou o último acto da soberania portuguesa naquele país que então nascia – a cerimónia do descerrar da bandeira portuguesa que flutuava na Fortaleza de São Miguel de Luanda.
Para um país que vivia num “processo revolucionário em curso”, nos anos polvorosos que se seguiram à revolução do 25 de Abril, o acto foi feito com a dignidade possível, bem como a retirada das últimas tropas para Portugal, que abandonaram solo angolano numa pequena lancha para a fragata João Belo, sendo esta a última a zarpar de Luanda.
A situação em Angola também era caótica. Basta dizer que nessa mesma noite três líderes angolanos declararam a independência do país: Agostinho Neto, do MPLA, em Luanda,  Jonas Savimbi, da UNITA em Nova Lisboa (Huambo) e Holden Roberto (FNLA) no Ambriz. A situação rapidamente degeneraria para uma guerra civil que, com algumas intermitências, irá durar até 2002.
Mas voltemos ao momento do descerrar de uma das últimas bandeiras do Império Português que então se desmoronava. O caldense Leonel Cardoso, em rigor não era o governador-geral de Angola, mas sim o Alto Comissário para Angola, cargo para o qual fora nomeado pelo general Costa Gomes, à data Presidente da República.
No entanto, as suas funções eram, na prática, a de governador-geral. Como bom militar Leonel Cardoso guarda cuidadosamente a bandeira verde e vermelha e trá-la consigo para Portugal.
No meio da confusão da descolonização ninguém quis saber das bandeiras para nada. Portugal estava nessa altura a viver dias muito conturbados, a situação política e militar era crispada e o destino dos últimos símbolos de Portugal em Cabo Verde, Guiné, Angola, Moçambique e Timor não eram uma preocupação. Acabaram por ficar dispersos, normalmente em casa do oficial que comandou o último acto da soberania portuguesa nesses territórios.
“Estávamos em Janeiro ou Fevereiro de 1976 e como na altura ninguém se interessava pelas bandeiras e o meu pai já estava chateado de a ter em casa porque não era dele, mas sim do país, foi ter com o Eanes e ele disse-lhe ‘traga cá a bandeira’. E ele foi lá entregá-la”. O relato é de Leonel Cardoso (filho) que recentemente foi fotografado no Museu da República, no Palácio de Belém, com o antigo Presidente da República e a bandeira que o seu pai lhe tinha entregue.
A fotografia apareceu na revista do Expresso numa reportagem de José Pedro Castanheira que andou a investigar o paradeiro das últimas bandeiras do Império. A que veio de Angola figura hoje no Museu da República graças à iniciativa de Leonel Cardoso (pai) que era amigo do general Ramalho Eanes, que foi o primeiro Presidente da República eleito após o 25 de Abril.
UM CALDENSE NOS CONFINS DO IMPÉRIO

“O Eanes foi convidado pelo Expresso para ser fotografado com a bandeira e teve a iniciativa de me convidar a mim para, em representação do meu pai, figurar na foto ao seu lado”, conta Leonel Cardoso (filho), conhecido nas Caldas, entre os amigos, por Néné.
É ele que resume à Gazeta a carreira do seu pai, Leonel Alexandre Gomes Cardoso nascido nas Caldas da Rainha em 1921. Com a 4ª classe feita na sua terra natal, o então jovem Leonel foi estudar para o Liceu Pedro Nunes em Lisboa. Depois ingressou no Instituto Superior Técnico, mas, provavelmente por razões económicas, não prossegue o curso, tendo ido para a Marinha onde chegou a vice-almirante.
Durante a sua carreira fez três comissões em Angola. Em 1960 foi Chefe do Estado Maior do Comando Naval de Angola. Em 1970 comandou a fragata João Belo, também nos mares de Angola, tendo inclusivé, navegado para Moçambique e feito um périplo por Timor-Leste (no que terá sido o último realizado por um vazo de guerra português nos confins do império). Em 1974, quando se dá o 25 de Abril, é o comandante naval de Angola. O vice-almirante não fazia parte do MFA, mas não se opõe à revolução. Aliás, um pequeno episódio passado com o seu filho nas Caldas da Rainha durante um período de férias, dá-nos conta da sua capacidade prospectiva para a época e de como conhecia o terreno em que se movia.
Leonel Cardoso (filho) tem na altura 25 anos, acaba de se licenciar em Educação Física, joga ténis e tinha vivido em Angola com o pai durante uma temporada. “Aquilo era fantástico: vida ao ar livre, ténis, bom tempo, piscina. E eu decidi ir para lá viver. Mas o meu pai teve uma conversa muito séria comigo e disse-me: “tu fazes o que quiseres, mas se fores para Angola aquilo não dura muito tempo e tu qualquer dia voltas para Portugal com a casa às costas”.
Numa das raras ocasiões em que um filho aceita um conselho de um pai, Leonel Cardoso decide ficar em Portugal Continental, como se dizia na época. Mas não esqueceu esta conversa que se revelou premonitória. Leonel Cardoso (filho) continuou a jogar ténis como atleta profissional e começa a dar aulas na Escola Industrial e Comercial das Caldas da Rainha, tendo-se reformado em 2005 como professor de Educação Física.
Do seu pai diz que foi um oficial brilhante. “Ficou sempre em primeiro lugar em todos os cursos de promoção na Marinha”, conta. Não surpreende, por isso, que Costa Gomes, em 1974, o tenha chamado à então ainda Metrópole e o tenha empossado como Alto Comissário para Angola, uma patente equivalente ao de comodoro. E é nessa função que este caldense, em 11 de Novembro de 1975, comanda o descerramento de uma das últimas bandeiras do Império e a traz para casa, vindo depois a oferecê-la ao Presidente Eanes que a mantém no espólio da Presidência da República.

Carlos Cipriano
cc@gazetadascaldas.pt

- publicidade -