O papel da Oposição Democrática no distrito foi lembrado em Alcobaça

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Opositores ao Antigo Regime partilharam memórias e deram a conhecer o papel da Oposição Democrática no Círculo Eleitoral de Leiria entre 1945 e 1974, numa iniciativa cívica coordenada por José Miguel Medeiros.

José Aurélio nasceu em Alcobaça, em 1938 e, em finais da década de 50 do século passado começa a trabalhar na Secla, mudando, em 1961, para Óbidos, onde viveu durante 20 anos. Nessa altura Óbidos era como “uma aldeia” e a única coisa que a Câmara tinha era “uma carroça e um burro para apanhar o lixo da vila”. Tinha também como presidente da Câmara, Albino de Castro e Sousa, um professor primário “que dominava completamente a situação política, religiosa e social” da terra e que sabia que o jovem artista não era apoiante da mesma ideologia. Um dia, para espanto de José Aurélio, convidou-o para fazer um monumento aos heróis da guerra no Ultramar. A proposta tinha vindo do governo central para todos os concelhos e, depois de pensar bastante, José Aurélio decidiu aceitar, mas na condição de fazer uma coisa diferente: uma homenagem à família. Nascia assim “A Mão”, fundamentada num poema de Camões e que é, ao mesmo tempo, uma mão que se está a “enterrar “no chão e uma pomba que está a sair, simbolizando a Paz.
A história do seu primeiro trabalho de grandes dimensões foi recordada pelo próprio autor, na tarde de 5 de outubro, num encontro que decorreu no Armazém das Artes, em Alcobaça, em torno do papel da Oposição Democrática no Círculo Eleitoral de Leiria, no período entre 1945 e 1974.
José Aurélio, que foi um dos intervenientes, recordou também a altura em que, então estudante na Escola Superior de Belas Artes e ligado ao movimento estudantil, apoiou, e conheceu pessoalmente, o candidato da oposição às eleições presidenciais de 1958, Humberto Delgado. A sua candidatura “obrigou-me a tomar consciência, enquanto cidadão, da minha posição na vida”, recordou o escultor, acrescentando que, depois desse primeiro impacto com a política, teve um “mestre”, o caldense Custódio Maldonado Freitas, que o ajudou na sua formação política.
José Aurélio falou também sobre o monumento que fez a Humberto Delgado, na Cela Velha, inaugurado em julho de 1976. O artista, que estava na “lista negra” do Estado Novo, recorda que o monumento aparece como uma possibilidade de poder fazer aquilo que imaginava. “Foi uma experiência única e foi um monumento feito sem dinheiro, com a participação daquelas pessoas todas ali à volta, que deu àquela construção um significado político que de outra maneira não o teria”, partilhou.
Candidato durante 24 horas
Também presente na conversa, Alberto Costa recordou que a sua participação começou nos movimentos estudantis, seguindo-se a passagem “natural” à intervenção pela Oposição Democrática. Colaborou em diversos patamares até que foi para o secretariado das reuniões inter-associações de Lisboa e foi orador nos plenários. A visibilidade que granjeou levou-o a integrar a lista, como deputado pela Oposição Democrática através do círculo eleitoral de Leiria, em 1969. Contudo, a sua candidatura apenas seria de um dia, impedida pela PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado), baseada fundamentalmente no seu historial académico. “Era um trecho feito com várias versões, sendo que todo ele é construído com referências a Coimbra, criando a ilusão de que sou estudante de Coimbra”, que era onde decorriam as grandes lutas estudantis.
Sobre a participação de Alcobaça na lista, Alberto Costa, natural de Évora de Alcobaça, salientou que “foi das maiores do distrito de Leiria”, lembrando que foi nas esferas territoriais de origem, e familiares, que se desenrolou a preparação da intervenção nas eleições de 1969. Após a retirada do seu nome da lista, os oposicionistas conseguiram reunir, em dois dias, 207 assinaturas, que seguiram para Marcelo Caetano (que substituíra Salazar há um ano), numa manifestação de protesto contra esse facto e contra o ato eleitoral.
Alberto Costa viria a ser preso, em abril de 1971, mas não teve acusação e processo subsequente. Foi fazer estágio em Leiria, onde passou a residir e depois, no cumprimento do serviço militar,foi mandado para Angola como soldado numa companhia disciplinar. Decidiu, nessa altura, “interrompê-lo e declarar que iria continuá-lo logo que o Exército passasse a ser um Exército legítimo”, tendo-se reapresentado ao serviço militar a 3 de maio de 1974. Entre 1973 e 1974, Alberto Costa, já casado e com dois filhos, esteve exilado em França.
Questionado sobre o acompanhamento, à distância, do que se passava em Portugal, Alberto Costa contou que não tinha nenhuma informação que lhe permitisse pensar que o regime ia cair tão depressa.
“A surpresa veio com o 16 de março de 1974”, disse, referindo que foi o Golpe das Caldas, divulgado pela imprensa internacional, que criou o alerta.
Alberto Costa considera que “devemos aos militares o marcar um golo ao fim de um longo desafio que leva dezenas e dezenas de anos”, fazendo uma alusão à linguagem do futebol. Mas lembrou também todas as pessoas “esquecidas” que, ao longo dessas décadas se manifestaram e sacrificaram. “A própria cultura de democracia tinha sido destruída pelo Estado Novo e a Oposição Democrática é que motiva a seriedade das eleições”, concretizou. Deixou, por isso, um apelo a todos que possam indicar os nomes das pessoas que participaram na oposição ao Estado Novo, que foram ativistas, porque “foram eles que prepararam o caminho”.

Preservação da memória
O encontro contou ainda com a participação do alcobacense e oposicionista ao anterior regime, Basílio Martins, que recordou a Casa da Amizade, uma associação de inspiração cristã, “mas de uma grande abertura, que abriu para os problemas sociais que se viviam”. Também participou no abaixo assinado de protesto à saída de Alberto Costa da lista pela Oposição Democrática do círculo eleitoral de Leiria.
Moderado pelo antigo governador civil de Leiria, José Miguel Medeiros, a conversa teve lugar a 5 de outubro, para assinalar a efeméride, a preservação da memória coletiva da região e transmissão de valores como a liberdade e a democracia. Começou com uma passagem pelo monumento ao General sem Medo, também com o propósito de homenagear uma personalidade com ligações ao distrito, que teve um papel muito importante na oposição à ditadura. José Miguel Medeiros lembrou as “dinâmicas que se criaram e a mobilização que gerou no país, apesar de não haver redes sociais” e enalteceu a importância que a região teve nessa candidatura, exemplificando com o facto da fotografia que estava no convite ser das Caldas e a receção que este teve aquando da campanha de 1958, num comício no Hotel Lisbonense. ■

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