
Num período em que a imprensa regional se debate com grandes desafios de sustentabilidade, Claúdia Maia, presidente da APImprensa, dá a conhecer o trabalho que estão a fazer junto do poder de incentivo à comunicação social. Otimista, diz continuar a acreditar no futuro da imprensa regional, “sobretudo a imprensa regional de qualidade”, embora reconheça que há um grande caminho a fazer
Presidente da Associação Portuguesa de Imprensa considera que são necessárias medidas estruturais e integradas e acompanha o Presidente da República na procura urgente de um ‘Pacto de Regime’ sobre as medidas que o Estado deve encontrar para apoiar o jornalismo e os editores.
A Gazeta das Caldas celebra 99 anos. Qual considera ser, atualmente, a importância da imprensa, sobretudo da regional?
O jornalismo de proximidade é a “cola” dos cidadãos à sua comunidade. É o que permite escrutinar o poder político local e regional, sobretudo numa era em que câmaras municipais e autarquias têm máquinas de comunicação muito bem oleadas, com capacidade para fazer chegar informação “não filtrada” às suas populações. Sem jornalismo de proximidade não está só em risco a coesão social e territorial: existe uma ameaça séria de manipulação e desinformação, que em última instância favorece o populismo e põe em causa 50 anos de democracia.
Quais os principais desafios que se lhe colocam nos dias de hoje?
A par da ameaça real da desinformação a provocar efeitos nefastos na produção de informação jornalística, assistimos a um contexto económico desfavorável, com diminuição das receitas publicitárias na imprensa (quebra de 45% entre 2018 e 2022), aumento do custo das matérias-primas, falhas na distribuição e alteração dos padrões de consumo, com as gerações mais novas a consumir informação sobretudo nas redes sociais. Estes fatores têm colocado em risco a sustentabilidade económica dos meios de comunicação social. Estes vêem-se muitas vezes obrigados a alguns “trade-off”, como seja investir em novos modelos de negócio, que garantam receitas alternativas: suplementos, revistas temáticas, conferências, espetáculos, etc. Projetos deste género são, cada vez mais, a única forma de continuarem a garantir uma cobertura jornalística livre, abrangente e de qualidade.
Como é que a Associação Portuguesa de Imprensa (APImprensa) pode ajudar?
Por um lado, a APImprensa pode fazer lóbi e alertar as forças políticas para o “estado da nação”, ao mesmo tempo que colabora na solução, propondo medidas para mitigar estes desafios. Por outro, pode trabalhar diretamente com os meios de comunicação e outros agentes do setor para dotar estes meios e os seus profissionais com as competências e com a estrutura necessárias para dar resposta às necessidades dos novos leitores, a estes novos padrões de consumo de informação de que falava atrás.
O que está a ser feito?
Tem feito isso mesmo: a APImprensa tem reunido com os partidos políticos, foi ouvida na Assembleia da República e teve já duas audiências com o Ministério dos Assuntos Parlamentares, que tutela o setor. Nestes fóruns, apresentou propostas concretas de incentivos para a comunicação social que podem ser uma bolha de oxigénio para o setor. Neste momento, a APImprensa está a trabalhar diretamente com o Governo na definição de critérios para estes apoios.
Além disso, tem estado a trabalhar em soluções para ajudar os editores de imprensa. As redações e as administrações das empresas têm de se ajustar rapidamente a novos formatos – como vídeos e podcasts, interessantes para públicos jovens –, a novas plataformas e novos modelos de negócio que, por sua vez, têm de conciliar as pressões financeiras e a necessidade de conquistar audiências num mercado altamente competitivo. Isto requer formação, inovação constante e partilha de conhecimento sobre novas estratégias de distribuição e de monetização de conteúdos. A APImprensa está a trabalhar no sentido de promover e facilitar este tipo de apoio e conhecimento aos seus associados. Teremos novidades em breve para apresentar. Mas, para já, ainda não podemos revelar mais…
O governo diz que vai apresentar um plano para a comunicação social, que incluirá apoios aos “órgãos da imprensa local e regional”. Está confiante de que será uma solução para o setor?
É, como referi, um balão de oxigénio para o setor, mas temos consciência de que não chega. São necessárias medidas estruturais e integradas. Tal como no passado, acompanhamos o Presidente da República na procura urgente de um ‘Pacto de Regime’ sobre as medidas que o Estado deve encontrar para apoiar o jornalismo e os editores. A nova estrutura de missão para a comunicação social criada pelo Governo, o #PortugalMediaLab – estrutura esta que foi, aliás, proposta pela APImprensa -, terá este papel fundamental: pensar as políticas públicas no domínio da comunicação social, bem como assegurar a coordenação da execução e a monitorização destas políticas públicas.
Criar uma dependência de publicidade do Estado/Autarquias não pode ter um efeito perverso em relação à independência dos órgãos de comunicação social, nomeadamente os locais?
A APImprensa é defensora de um modelo de financiamento das empresas jornalísticas por parte do Estado, à semelhança do que já acontece em vários países europeus como a Irlanda, Lituânia, Dinamarca, Itália, Holanda e França. O modelo a aplicar em Portugal tem de ser estudado e debatido, é certo. Mas não faz sentido continuar a protelar este apoio sob o pretexto de que põe em causa a independência editorial dos órgãos. Alguém põe em causa a independência editorial da rádio pública, da televisão pública ou da agência de notícias do País? Não. Por isso, invocar que a autonomia e a liberdade editoriais ficam comprometidas com medidas de apoio transparentes é uma desculpa sem sentido. Se assim fosse, não veríamos os apoios à imprensa a multiplicarem-se nas democracias mais avançadas do mundo, sem afetar a sua independência.
Como vê a imprensa regional daqui por uma década?
O panorama atual não é famoso: 25% dos municípios portugueses não têm qualquer órgão de comunicação. Ou seja, há vazios de informação, desertos de notícias em comunidades inteiras, o que põe em causa um direito fundamental: o direito a ser informado. Tem sido nos territórios mais distantes das grandes cidades, nomeadamente nos territórios de baixa densidade, que temos assistido ao desaparecimento de dezenas de títulos de jornais. A par dos concelhos sem um único título de imprensa de proximidade, acresce uma outra preocupação: em alguns municípios onde a desertificação e o envelhecimento da população crescem a dois dígitos é impossível comprar jornais ou revistas, uma vez que todos os pontos de venda fecharam. Mas sou uma otimista. Acredito que a imprensa regional, sobretudo a imprensa regional de qualidade, vai vingar, embora haja um grande caminho a fazer. É verdade que a proliferação das redes sociais e a aplicação de novas tecnologias nas redações têm alterado a forma como a informação é produzida, distribuída e consumida. O clickbait e o rápido fluxo de conteúdos nestes meios tem contribuído para a disseminação de notícias falsas e desinformação e posto em causa a credibilidade dos meios de comunicação tradicionais e dos profissionais que nele operam. Mas se esta nova realidade levanta desafios, é também uma oportunidade para os editores que tenham a capacidade de se adaptar e inovar. Entre os associados da APImprensa temos ótimos exemplos de empresas que já conseguiram fazê-lo. Nos próximos 10 anos, estou certa de que outros vão conseguir. ■






























