O investigador da Semana Santa de Óbidos que entrou na Academia aos cinquenta

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Luís Ascenso e Carlos Orlando em Lorca, aquando da adesão de Óbidos à Rede Europeia de Semanas Santas e Páscoa

Luís Ascenso, ou Luís Beja, como também é conhecido, está a fazer um doutoramento acerca do fenómeno turístico durante a Semana Santa de Óbidos. Começou a estudar na Academia há 13 anos

A Semana Santa de Óbidos integrou a Rede Europeia de Semanas Santas e Páscoa em 2024, e foi Luís Ascenso que realizou a candidatura.

Foi o então padre de Santa Maria e São Pedro, Ricardo Figueiredo (atualmente a dirigir a Comunicação do Patriarcado de Lisboa), de quem Luís Ascenso era “secretário”, que lhe propôs o que viria a desembocar numa tese de doutoramento na área dos Estudos Culturais, intitulada “Semana Santa de Óbidos, Turistificação e Comunidade Local”.

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Mestre em Gestão Cultural pela ESAD.CR, o pré-reformado abraçou o “desafio”. “Acabámos por ser aceites. Através do Professor Carlos Orlando, o meu guia, fomos a Lorca, Espanha, receber a placa de sócios.”

A Universidade do Minho é a Alma Mater do doutoramento. Não foi Braga a primeira cidade portuguesa a integrar a rede, que inclui Ovar, Sta Maria da Feira e Idanha-a-Nova?
Como cientista social, usa como método de investigação a observação participante, facilitada por integrar a Comissão da Semana Santa.

O investigador que iniciou o seu percurso académico há 13 anos fez também uma análise das políticas culturais do município de Óbidos, de 2002 a 2024, com base nos “domínios” do património imaterial da UNESCO, durante mais de um ano.

Para tal, estudou as atas do município. “E coloquei todas as leituras numa folha de Excel. Por mês é capaz de haver quatro, cinco, seis reuniões de câmara”, conta, relembrando a morosidade que foi o processo.

Verificou que há um “modificar do discurso camarário” a partir de 2013. “Nos três primeiros quadriénios, o discurso foi sobre o que a Igreja se propunha a fazer: as procissões, as liturgias”, explica. “Depois começa a haver um enfoque litúrgico-espetacular”, com a programação cultural “dentro dos espaços de culto”.

“Faço questão de ir à câmara fornecer os meus dados”, revela, para realçar a importância da disseminação da ciência. Porém, o investigador está no terceiro ano e vai adiar a entrega da tese por motivos de saúde.

Procissões, figurinhas e figurões
Através do acervo da Misericórdia de Óbidos, Luís conseguiu precisar o ano de início das celebrações: 1603. De ressaltar que, “tirando uma fase pós- 25 de Abril, a tradição manteve-se sempre”. E nos mesmos moldes.

A Semana Santa inicia-se com a Procissão Penitencial da Ordem Terceira de S. Francisco, onde desfilam nove imagens de roca, feitas em Braga, em 1849 (mas que já foram restauradas), que estão habitualmente na Igreja de N. Sra. de Monserrate.

A procissão leva “cerca de 120 pessoas e é talvez a mais longa de Óbidos. Por ser tão penosa, era assegurada por rapazes. Assim, na gíria [coloquial], é a procissão da rapaziada”, conta. Destaca o andor de Santo Ivo, que é transportado pela GNR.
A seguir decorre a procissão da mudança das imagens, ou do Senhor dos Passos. Algo sui generis nela é a figura do Gafaú, que “só se vê também em Braga”. “Era feito pelos homens, descalços, mantidos em segredo, mas há três anos que é feito também por mulheres”, continua.

Quem é o Gafaú? Alguém a cumprir uma penitência, “há quem diga que é o carrasco que vai à frente da cruz”. “Mas penso que também tem a ver com as gafarias”, (local para onde se enviavam os leprosos), como a que houve na Igreja de S. João Batista, a mandado da Rainha Sta Isabel. O nome decorre de se levar a cara tapada.

Rede de Semanas Santas
A Rede Europeia de Semanas Santas projeta Óbidos, porque os eventos são divulgados no seu website. Todavia, o maior objetivo, que “não está concretizado”, é o de canalizar fundos, como subsídios para a restauração de património. Tal requer “classificar a rede através da União Europeia”. Apesar das diversas tentativas, isso “ainda não ocorreu”.
Para breve está o Congresso da Rede Europeia. A Paróquia de Sta Maria e S. Pedro e a Misericórdia irão propor uma “geminação”. “Como organizamos ambas a Semana Santa, podermos repartir a quota de sócio aliviará as finanças da Paróquia de Sta Maria e S. Pedro.”

Outra faceta é a de músico (autodidata). Querendo adquirir mais conhecimentos, Luís licenciou-se em Som e Imagem quando ainda trabalhava e já na casa dos cinquentas. Afinal, o sofá e a televisão nunca foram uma opção.

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